Pescas. Imigrantes são salvação de um setor com falta de mão de obra

Pescas. Imigrantes são salvação de um setor com falta de mão de obra


Uma coisa é certa: são os pescadores imigrantes que estão a salvar a pesca em Portugal. O número ainda é incerto mas há já largas centenas a trabalhar no nosso país, com destaque para os indonésios. Sem estes trabalhadores, já não havia pesca em Portugal porque a falta de mão de obra é gritante


São cada vez mais os imigrantes que trabalham nas pescas em Portugal. O destaque vai para os indonésios, nacionalidade com grande experiência no setor, mas há outros. São a salvação de uma atividade que sofre cada vez mais com a falta de mão de obra. Trabalham bem, muitos são até mão de obra especializada porque vêm de países onde a prática é comum.
Ao Nascer do SOL, Humberto Jorge, presidente da Associação Nacional das Organizações de Produtores da Pesca do Cerco (Anopcerco), revela que, de acordo com dados demográficos de 2021, «56% dos pescadores em Portugal tinham mais de 50 anos, mostrando um envelhecimento da força de trabalho nacional e uma consequente necessidade de mão de obra estrangeira para suprir a falta de trabalhadores mais jovens». Face então a uma cada vez maior escassez de trabalhadores nacionais neste setor, a associação «reconhece a crescente importância da mão de obra estrangeira no setor da pesca em Portugal, e que, sem a contribuição destes pescadores estrangeiros, particularmente indonésios, o setor teria paralisado». E acrescenta: «Todos sabemos que a pesca é uma atividade que requer trabalhadores com formação profissional específica, muitas vezes difícil e demorada, pelo que a contratação de mão de obra estrangeira qualificada, como os pescadores indonésios, tem sido a solução encontrada para colmatar esta lacuna e para resolver um grave problema das pescas portuguesas».
Uma opinião não muito diferente tem João Leite, presidente da Associação Pró – Maior Segurança Dos Homens Do Mar (APMSHM). «Isto tem de ser claro: a frota de pesca nacional não consegue cumprir com a imposição legal de 60% de tripulantes nacionais, porque não existe mão de obra nacional», aponta. A alternativa à revisão legislativa «é a manutenção das operações de pesca em situação ilegal ou, pior ainda, encostar as embarcações, comprometendo a atividade económica e as comunidades que dela dependem».
E, no caso dos indonésios garante: «Estamos a falar de marinheiros – com formação no país de origem – que trabalham legalmente em Portugal, a pagar impostos, com os mesmos direitos e deveres que qualquer outro trabalhador».
Por sua vez, Manuel Marques, presidente da Associação de Armadores de Pesca do Norte (AAPN), garante que «os estrangeiros têm as viagens de vinda e de regresso pagas pelos armadores, recebem alojamento gratuito e alimentação gratuita e o salário nunca é inferior ao salário mínimo nacional». Na pesca artesanal, aquela que esta associação representa, «os trabalhadores ganham uma percentagem do que a embarcação produz». E questiona: «Nas outras atividades quantas empresas repartem o que ganham com os trabalhadores?».
No que diz respeito aos migrantes indonésios, Humberto Jorge explica que a Indonésia «é um país com uma forte cultura marítima e com uma economia ligada à pesca» e que «muitos indonésios crescem em comunidades piscatórias e possuem experiência desde jovens, tornando-os altamente qualificados para trabalhar no setor». Além disso, o responsável diz ser «importante salientar que os pescadores indonésios são bem vistos no setor português devido à sua ética de trabalho, disciplina e capacidade de adaptação».

Várias centenas de imigrantes
O presidente da Anopcerco adianta ainda que «embora não existam indicadores claros do número de pescadores estrangeiros matriculados nas embarcações portuguesas de pesca, acreditamos que esse número atinge já várias centenas espalhado pelas principais comunidades de pesca de norte a sul do país».
Humberto Jorge adianta também que os pescadores indonésios «são uma peça fundamental para a continuidade da pesca em Portugal». E que «a sua qualificação e integração exigem um esforço coordenado entre governo, empresa e associações de pesca, para garantir que se cumpram as exigências legais e laborais, indispensáveis uma boa adaptação ao novo ambiente de trabalho e às realidades da pesca portuguesa, nas diferentes artes de pesca e regiões geográficas».
É que a falta de mão de obra é mesmo gritante. Manuel Marques destaca que «há embarcações em que a maioria é composta de estrangeiros e há embarcações em que a maioria é constituída por portugueses» mas que a explicação «para isto é complexa…». Na sua visão, mesmo com os imigrantes há falta de trabalhadores, principalmente qualificados. E defende que é preciso «tornar a profissão mais atrativa – melhorar as condições de trabalho e melhorar a remuneração» mas, «como se consegue isto é uma equação bem difícil…».
Por sua vez, João Leite rejeita que se fale em mão de obra barata. «Essa é uma ideia completamente errada», garante ao nosso jornal. «Além dos nossos associados garantirem alojamento, alimentação, e uma remuneração que nunca é inferior ao salário mínimo, os armadores asseguram os custos das viagens e outras despesas, o que representa encargos que frequentemente ultrapassam os 1.300 euros por trabalhador. Num contexto de custos elevados com habitação e alimentação, a ideia de ‘mão de obra barata’ simplesmente não reflete a realidade deste setor», explica, lembrando que a pesca é uma atividade que está «sujeita às condições atmosféricas, à escassez ou abundância de pescado e aos preços praticados» e que, mesmo assim, «o trabalhador estrangeiro contratado pelos nossos associados está sempre salvaguardado».
Também este responsável diz que «embora ainda não sejam a maioria», há tripulantes estrangeiros em grande parte das embarcações. E uma coisa poderá ser certa: «Com o envelhecimento da mão de obra ativa, em pouco tempo os trabalhadores estrangeiros serão predominantes». Este é, na sua opinião, um problema geracional: «Poucos jovens veem atratividade em profissões que exigem esforço físico, como é o caso da pesca».

‘Há muito a fazer’
Ao nosso jornal, o Sindicato dos Trabalhadores das Pescas do Norte (STPN) refere que não existem dados concretos acerca dos números de imigrantes no setor, «apontando-se de forma empírica para os números de 600 imigrantes a norte, muito concentrados na zona de Vila do Conde e Póvoa de Varzim».
A mesma fonte recorda que, dados oficiais revelam que o salário médio dos trabalhadores do setor da agricultura e pescas, é dos mais baixos, sendo 916 euros, menos 25% que dos trabalhadores por conta de outrem. «Estes dados demonstram que há muito a fazer, e todas as medidas paliativas de alteração às regras do rol de tripulação, em nada resolvem os problemas centrais do setor».
O STPN considera «todos os imigrantes como uma mais-valia», mas alerta que «quando se faz o caminho aproveitando a ‘disponibilidade’ dos trabalhadores imigrantes para aceitar condições diferentes, quer nas condições de trabalho, quer na renumeração, estamos a trilhar um caminho que afundará ainda mais» o setor das pescas.
Por isso, o sindicato garante: «Não estamos todos no mesmo barco, quando imigrantes recebem um salário (SMN), e os pescadores nacionais recebem do peixe vendido em lota, não lhe sendo garantido o pagamento de salário, parecendo mais ‘sócios’ da embarcação, pois pagam tudo, e um par de botas, mas quando falamos da distribuição da riqueza produzida, a tripulação toda fica em média com 30% desse valor».
Face a estas críticas, garante que a falta de mão de obra continuará a ser uma realidade «enquanto não forem resolvidos os problemas centrais, que todos conhecemos. Se falarmos do preço do peixe em lota, rapidamente percebemos as grandes margens de lucro, passando muitas vezes largamente os 500%, ficando no bolso de outros lucros avultados à custa dos pescadores e dos consumidores».
E diz ainda que «havendo diferenças do número de imigrantes nos diversos segmentos da pesca, onde no cerco e o arrasto costeiro é diminuta a utilização de mão de obra estrangeira, devido à regulação contratual, mesmo havendo problemas de mão de obra», onde se verifica o maior número de pescadores estrangeiros é no segmento da polivalente, «onde falta muito regulação laboral e é necessário fazer esse caminho, para elevar direitos e rendimentos».
O STPN termina lembrando que «da mesma forma que outros procuram Portugal para trabalhar, os pescadores portugueses fogem para o estrangeiros à procura de condições de trabalho».

Decisão do Governo e críticas mal vistas
Recentemente, o Governo propôs uma alteração à lei das pescas com o objetivo de combater a falta de mão-de-obra no setor. Se esta proposta avançar, os patrões vão poder aumentar o número de tripulantes estrangeiros por embarcação. As associações aplaudiram a iniciativa do Governo mas as declarações dos deputados do Bloco de Esquerda e do PCP não passaram despercebidas.
António Filipe, do PCP, disse que se os armadores «pagassem bons salários, tinham trabalhadores nacionais e estrangeiros interessados». E ainda: «Não vemos os imigrantes como uma ameaça, mas o que se pretende é alimentar um setor económico à custa de mão-de-obra barata». Já José Soeiro, do Bloco de Esquerda, considerou que «foi completamente irresponsável acabar com as manifestações de interesse», que permitia a regularização dos pescadores estrangeiros. «Agora é preciso que, além de regular, estes marítimos tenham condições e sejam pagos de forma digna», acusou ainda.
«São declarações que consideramos infelizes e próprias de quem desconhece a realidade», responde Manuel Marques.
João Leite também confessa ver com «angústia» estas palavras que «refletem um desconhecimento profundo do setor». E diz ser importante esclarecer «que os armadores não exploram ninguém, o verdadeiro problema está na inexistência de pescadores para as embarcações de pesca», defendendo que fica a impressão «de que, para esses deputados, é preferível que as embarcações deixem de operar e que a empresa encerre atividade, por simplesmente por recorrerem a mão de obra estrangeira».