Do Almirante ao Chega


Acoplado ao Almirante pode vir um PRD qualquer enquanto Ventura e o Chega enfrentam finalmente uma crise de valores.


Nota prévia: O espetáculo cinematográfico montado pelo Hamas e a humilhação de prisioneiros judeus desnutridos, obrigados a acenar e a elogiar os terroristas, não vão certamente ser esquecidos por Israel. Ninguém se admire se forem eliminados os responsáveis concretos pelo cativeiro. Já os terroristas libertados por Israel apresentavam-se saudáveis, anafadinhos e até traziam ao pescoço o tradicional lenço que imortalizou Arafat. Além disso, foram recebidos como heróis vencedores por multidões ululantes. Basta ver as imagens e o contraste entre as partes para perceber que nem cem anos chegarão para encontrar uma solução pacífica.

1. Está em curso a gradual tentativa de apropriação de uma eventual presidência de Gouveia e Melo. Veja-se a multiplicação de barões e baronetes do eixo Cascais/Lisboa, da diplomacia neoliberal e dos meandros dos negócios da defesa que aparecem a exaltar a figura que o então CEMGFA, Almirante Silva Ribeiro, destacou para ajudante na execução do plano vacinal anticovid e que se transformou no candidato favorito a Belém. Utilizando o silêncio de Gouveia e Melo, estes lobistas batidos mexem-se, preparam a opinião pública em aparecimentos televisivos e ganham espaço para ele e sobretudo para os seus próprios planos. Há anos, tentaram com Cavaco e depois com Passos e levaram para trás. Agora, voltam a aproveitar sabiamente o desencanto e o desprezo com que a maioria da população olha para os políticos e para outras profissões influentes. Levar o almirante num andor até Belém é o princípio de uma etapa da caminhada que a conjuntura covid permitiu, devido à incompetência da dupla Temido/Costa. Uma vez instalado em Belém, serão proferidos solenes discursos exigentes, com voz grossa, apontando problemas e ineficiências de forma recorrente. Mas, constatada a ineficácia do verbo, surgirá inevitavelmente o confronto com a circunstância de o Presidente não ser uma força executiva. Já vimos esse filme. Será a repetição do lado mau do eanismo e, como tal, surgirá, de uma forma ou de outra, o potencial para um PRD qualquer, seja de raiz ou fruto da cisão de um partido atual (potencialmente do espaço que vai do Chega à ponta esquerda do PSD e eventualmente alguns socialistas tresmalhados). Mais uma vez se proclamará que há um caminho diferente da mera democracia parlamentar para a transformação de Portugal num dos países mais desenvolvidos da Europa. É a nossa eterna miragem, nunca concretizada. Desde logo pelo posicionamento geográfico que nos demanda também para outros horizontes de relacionamento, igualmente não potenciados, como a moribunda CPLP. Mas, obviamente, também pela falta de visão, a desorganização coletiva e a incapacidade de cumprir metas e calendários. Ao ponto de acharmos que um desconhecido é fabuloso por ter cumprido a tarefa que lhe foi atribuída. Alguns adeptos de Gouveia e Melo rejeitam as antevisões pessimistas e a possibilidade de uma futura incursão em terrenos partidários dos seus apaniguados. Asseguram que ele tem forte pensamento próprio, que dinamizará o país só com as forças existentes e controlará os negociantes que a ele se colam. Confiam no efeito balsâmico da palavra do ex-militar. Asseguram mesmo que a verdade nos será revelada, em breve, quando “Ele” falar e explicar ao que vem. Parece que até será através de um jornal de referência. Teremos, assim, alguém a fazer o caminho inverso de Marques Mendes. Um deixou de comentar para ser candidato. O outro passaria a comentar para justificar a candidatura, depois de se ter servido do seu posto militar para esse efeito, ignorando a circunstância de receber um subsídio para se abster de fazer política. É o que temos.

2. Uma das coisas que destrói a credibilidade das instituições moralistas e doutrinárias é os seus membros serem apanhados a cometer crimes repugnantes. Entre eles contam-se a prostituição infantil ou juvenil, a pedofilia, a fuga após um acidente e o roubo de ocasião (o de colarinho branco são outros quinhentos). Em poucos dias, tudo isso aconteceu ao Chega. Mostrou que, afinal, o partido da proclamação das virtudes e da ética não está imune à contaminação da perversidade e do roubo, o que sucede por evidente falta de um crivo rigoroso na admissão e recrutamento. É certo que situações destas já se viram noutros partidos, nas igrejas e mesmo no salazarismo puritano, com o caso dos “Ballet Rose”. Por muito que se tenha tentado abafá-los, todos esses episódios deixaram marcas profundas e desacreditaram organizações e regimes. Não vai ser diferente com o Chega. O problema para o partido é que os casos em apreço, além de recentes e altamente mediatizados, são bem piores do que os de venalidade, compadrio e abuso patronal que simultaneamente afetaram PS, PSD, os liberais e o Bloco. Ainda por cima, é manifesto que André Ventura, tanto no caso das malas como no de pedofilia e prostituição, optou por uma estratégia descontrolada de contra-ataque. Disparou para todo o lado, multiplicou-se em entrevistas e mandou as suas primeiras linhas fazerem o mesmo. Deitou trampa para a ventoinha. Feitas as contas, gerou um efeito perverso. Os casos do Chega não podem ser tratados em termos de peixeirada televisiva e passa culpas. Depois de medidas sancionatórias internas imediatas e radicais junto dos envolvidos, exigiam reflexão interna, pedidos de desculpa globais, alterações de procedimentos, de filtragem e ponderação, que não foram nem serão anunciados. As justificações e promessas dadas por Ventura são as mesmas que qualquer partido ou organização dão quando confrontados com problemas semelhantes. É desolador porque não é ser diferente. É ser igual ou mesmo pior, vindo de quem pretende ser um arauto da moral e dos bons costumes. Uma parte do naipe de militantes e dirigentes do Chega há muito que suscitava dúvidas sobre o caráter e práticas. Agora está à vista. Obviamente que Ventura não pode ser responsabilizado por isso e há lá gente honesta. Tinha, porém, de ter usado mecanismos reforçados de controlo das adesões, dados os núcleos de onde chegavam os aderentes e a rapidez do fenómeno. Fazer política com base numa suposta superioridade moral é perigoso, porque ela desfaz-se num ápice depois de um escândalo. O impacto no Chega é grande como sempre acontece, mesmo em qualquer organização altruísta, independentemente da sua natureza e objetivos, por mais nobres que pareçam ser. A natureza humana é imprevisível, tanto na bondade como na maldade. Muitas vezes até junta as duas coisas na mesma pessoa.

3. A reunião da comissão política do PS foi um flop para os apoiantes de um desmotivado António Vitorino. Deixou António José Seguro com a porta escancarada para ser o candidato único do partido. O perfil traçado encaixa em Seguro como uma luva. Ficou à vontade para gerir o calendário até maio ou junho. Formalmente, Pedro Nuno Santos limitou-se a um piedoso pedido de tréguas para que não haja picardias entre apoiantes de putativos aspirantes. É sempre possível que surja um espontâneo tipo Santos Silva, mas seria um suicídio pessoal. Admite-se agora que há mais espaço para retomar a hipótese do independente Sampaio da Nóvoa, apesar da sua total ausência de carisma e de ter sido copiosamente batido por Marcelo Rebelo de Sousa há nove anos. Mas quanto ao PS, o assunto está provavelmente encerrado em termos formais, por muito que custe a alguns dos seus militantes socráticos e costistas.

4. Pedro Duarte é o candidato desejado pelo PSD para concorrer à câmara do Porto, apesar do favoritismo atribuído pelas sondagens ao socialista Manuel Pizarro. A decisão depende mais de Montenegro do que do próprio ministro dos Assuntos Parlamentares. Há, entretanto, nota de que Teresa Morais, vice-presidente da Assembleia da República, pode ser eventualmente a substituta de Pedro Duarte, se ele avançar mesmo para a Invicta.

5. Cada dia que passa torna-se mais grave a situação da Saúde em Portugal. Sucedem-se casos, demissões e falhas de toda a espécie. A ministra mostra resiliência, combatividade, mas, sobretudo, uma manifesta incapacidade de diálogo e de pôr em prática um plano que estabilize a situação em vez de a agravar permanentemente. A equipa de governantes da área é globalmente fraca, o que também não ajuda, impossibilitando uma substituição interna. Mudanças só mesmo numa eventual remodelação, muito embora se saiba que a Saúde e a Administração Interna são pastas absolutamente demolidoras.

6. A PSP efetuou uma operação musculada e encostou à parede dezenas de adeptos dos Super Dragões, a fim de os revistar. Há mesmo nota de que foram usadas balas de borracha. Curiosamente ninguém se indignou e rasgou as vestes, verberando o comportamento policial nem exibiu fotografias comparando a situação com outras do passado.

Do Almirante ao Chega


Acoplado ao Almirante pode vir um PRD qualquer enquanto Ventura e o Chega enfrentam finalmente uma crise de valores.


Nota prévia: O espetáculo cinematográfico montado pelo Hamas e a humilhação de prisioneiros judeus desnutridos, obrigados a acenar e a elogiar os terroristas, não vão certamente ser esquecidos por Israel. Ninguém se admire se forem eliminados os responsáveis concretos pelo cativeiro. Já os terroristas libertados por Israel apresentavam-se saudáveis, anafadinhos e até traziam ao pescoço o tradicional lenço que imortalizou Arafat. Além disso, foram recebidos como heróis vencedores por multidões ululantes. Basta ver as imagens e o contraste entre as partes para perceber que nem cem anos chegarão para encontrar uma solução pacífica.

1. Está em curso a gradual tentativa de apropriação de uma eventual presidência de Gouveia e Melo. Veja-se a multiplicação de barões e baronetes do eixo Cascais/Lisboa, da diplomacia neoliberal e dos meandros dos negócios da defesa que aparecem a exaltar a figura que o então CEMGFA, Almirante Silva Ribeiro, destacou para ajudante na execução do plano vacinal anticovid e que se transformou no candidato favorito a Belém. Utilizando o silêncio de Gouveia e Melo, estes lobistas batidos mexem-se, preparam a opinião pública em aparecimentos televisivos e ganham espaço para ele e sobretudo para os seus próprios planos. Há anos, tentaram com Cavaco e depois com Passos e levaram para trás. Agora, voltam a aproveitar sabiamente o desencanto e o desprezo com que a maioria da população olha para os políticos e para outras profissões influentes. Levar o almirante num andor até Belém é o princípio de uma etapa da caminhada que a conjuntura covid permitiu, devido à incompetência da dupla Temido/Costa. Uma vez instalado em Belém, serão proferidos solenes discursos exigentes, com voz grossa, apontando problemas e ineficiências de forma recorrente. Mas, constatada a ineficácia do verbo, surgirá inevitavelmente o confronto com a circunstância de o Presidente não ser uma força executiva. Já vimos esse filme. Será a repetição do lado mau do eanismo e, como tal, surgirá, de uma forma ou de outra, o potencial para um PRD qualquer, seja de raiz ou fruto da cisão de um partido atual (potencialmente do espaço que vai do Chega à ponta esquerda do PSD e eventualmente alguns socialistas tresmalhados). Mais uma vez se proclamará que há um caminho diferente da mera democracia parlamentar para a transformação de Portugal num dos países mais desenvolvidos da Europa. É a nossa eterna miragem, nunca concretizada. Desde logo pelo posicionamento geográfico que nos demanda também para outros horizontes de relacionamento, igualmente não potenciados, como a moribunda CPLP. Mas, obviamente, também pela falta de visão, a desorganização coletiva e a incapacidade de cumprir metas e calendários. Ao ponto de acharmos que um desconhecido é fabuloso por ter cumprido a tarefa que lhe foi atribuída. Alguns adeptos de Gouveia e Melo rejeitam as antevisões pessimistas e a possibilidade de uma futura incursão em terrenos partidários dos seus apaniguados. Asseguram que ele tem forte pensamento próprio, que dinamizará o país só com as forças existentes e controlará os negociantes que a ele se colam. Confiam no efeito balsâmico da palavra do ex-militar. Asseguram mesmo que a verdade nos será revelada, em breve, quando “Ele” falar e explicar ao que vem. Parece que até será através de um jornal de referência. Teremos, assim, alguém a fazer o caminho inverso de Marques Mendes. Um deixou de comentar para ser candidato. O outro passaria a comentar para justificar a candidatura, depois de se ter servido do seu posto militar para esse efeito, ignorando a circunstância de receber um subsídio para se abster de fazer política. É o que temos.

2. Uma das coisas que destrói a credibilidade das instituições moralistas e doutrinárias é os seus membros serem apanhados a cometer crimes repugnantes. Entre eles contam-se a prostituição infantil ou juvenil, a pedofilia, a fuga após um acidente e o roubo de ocasião (o de colarinho branco são outros quinhentos). Em poucos dias, tudo isso aconteceu ao Chega. Mostrou que, afinal, o partido da proclamação das virtudes e da ética não está imune à contaminação da perversidade e do roubo, o que sucede por evidente falta de um crivo rigoroso na admissão e recrutamento. É certo que situações destas já se viram noutros partidos, nas igrejas e mesmo no salazarismo puritano, com o caso dos “Ballet Rose”. Por muito que se tenha tentado abafá-los, todos esses episódios deixaram marcas profundas e desacreditaram organizações e regimes. Não vai ser diferente com o Chega. O problema para o partido é que os casos em apreço, além de recentes e altamente mediatizados, são bem piores do que os de venalidade, compadrio e abuso patronal que simultaneamente afetaram PS, PSD, os liberais e o Bloco. Ainda por cima, é manifesto que André Ventura, tanto no caso das malas como no de pedofilia e prostituição, optou por uma estratégia descontrolada de contra-ataque. Disparou para todo o lado, multiplicou-se em entrevistas e mandou as suas primeiras linhas fazerem o mesmo. Deitou trampa para a ventoinha. Feitas as contas, gerou um efeito perverso. Os casos do Chega não podem ser tratados em termos de peixeirada televisiva e passa culpas. Depois de medidas sancionatórias internas imediatas e radicais junto dos envolvidos, exigiam reflexão interna, pedidos de desculpa globais, alterações de procedimentos, de filtragem e ponderação, que não foram nem serão anunciados. As justificações e promessas dadas por Ventura são as mesmas que qualquer partido ou organização dão quando confrontados com problemas semelhantes. É desolador porque não é ser diferente. É ser igual ou mesmo pior, vindo de quem pretende ser um arauto da moral e dos bons costumes. Uma parte do naipe de militantes e dirigentes do Chega há muito que suscitava dúvidas sobre o caráter e práticas. Agora está à vista. Obviamente que Ventura não pode ser responsabilizado por isso e há lá gente honesta. Tinha, porém, de ter usado mecanismos reforçados de controlo das adesões, dados os núcleos de onde chegavam os aderentes e a rapidez do fenómeno. Fazer política com base numa suposta superioridade moral é perigoso, porque ela desfaz-se num ápice depois de um escândalo. O impacto no Chega é grande como sempre acontece, mesmo em qualquer organização altruísta, independentemente da sua natureza e objetivos, por mais nobres que pareçam ser. A natureza humana é imprevisível, tanto na bondade como na maldade. Muitas vezes até junta as duas coisas na mesma pessoa.

3. A reunião da comissão política do PS foi um flop para os apoiantes de um desmotivado António Vitorino. Deixou António José Seguro com a porta escancarada para ser o candidato único do partido. O perfil traçado encaixa em Seguro como uma luva. Ficou à vontade para gerir o calendário até maio ou junho. Formalmente, Pedro Nuno Santos limitou-se a um piedoso pedido de tréguas para que não haja picardias entre apoiantes de putativos aspirantes. É sempre possível que surja um espontâneo tipo Santos Silva, mas seria um suicídio pessoal. Admite-se agora que há mais espaço para retomar a hipótese do independente Sampaio da Nóvoa, apesar da sua total ausência de carisma e de ter sido copiosamente batido por Marcelo Rebelo de Sousa há nove anos. Mas quanto ao PS, o assunto está provavelmente encerrado em termos formais, por muito que custe a alguns dos seus militantes socráticos e costistas.

4. Pedro Duarte é o candidato desejado pelo PSD para concorrer à câmara do Porto, apesar do favoritismo atribuído pelas sondagens ao socialista Manuel Pizarro. A decisão depende mais de Montenegro do que do próprio ministro dos Assuntos Parlamentares. Há, entretanto, nota de que Teresa Morais, vice-presidente da Assembleia da República, pode ser eventualmente a substituta de Pedro Duarte, se ele avançar mesmo para a Invicta.

5. Cada dia que passa torna-se mais grave a situação da Saúde em Portugal. Sucedem-se casos, demissões e falhas de toda a espécie. A ministra mostra resiliência, combatividade, mas, sobretudo, uma manifesta incapacidade de diálogo e de pôr em prática um plano que estabilize a situação em vez de a agravar permanentemente. A equipa de governantes da área é globalmente fraca, o que também não ajuda, impossibilitando uma substituição interna. Mudanças só mesmo numa eventual remodelação, muito embora se saiba que a Saúde e a Administração Interna são pastas absolutamente demolidoras.

6. A PSP efetuou uma operação musculada e encostou à parede dezenas de adeptos dos Super Dragões, a fim de os revistar. Há mesmo nota de que foram usadas balas de borracha. Curiosamente ninguém se indignou e rasgou as vestes, verberando o comportamento policial nem exibiu fotografias comparando a situação com outras do passado.