‘Aos que têm mais dificuldade, lembro o O’Neill: mesmo se ele não merece, vota no PS’

‘Aos que têm mais dificuldade, lembro o O’Neill: mesmo se ele não merece, vota no PS’


João Soares considera que António José Seguro é quem tem mais hipóteses de obter um bom resultado e desdramatiza o debate interno. Gouveia e Melo? Não trará um retrocesso para a democracia


No sábado há uma Comissão Nacional do Partido Socialista, convocada pelo presidente do partido para tomar uma decisão sobre presidenciais quando ainda não há um candidato…

Quer dizer, para sermos absolutamente exatos em matéria de factos, o presidente do partido, com quem já troquei impressões, não convocou para tomar uma decisão, convocou para discutir e a Comissão Nacional tinha que ser convocada, porque há um prazo de três em três meses. Não foi convocada por causa disto, foi convocada no quadro estatutário e, entre outras possibilidades, para discutir a questão das eleições presidenciais.

Mas o que se pode discutir sobre esse tema?

O secretário-geral já disse que quer que o partido se expresse com clareza e que gostava que houvesse apenas uma candidatura. Eu, pessoalmente, também acho que era bom que houvesse só uma candidatura da área do Partido Socialista. Mas isso não é morte de homem. Se houver mais do que uma não há nenhum drama nessa matéria.

E isso não cria um problema ao líder?

Não é uma originalidade na história de nenhum partido e muito menos do Partido Socialista, que é um partido plural e aberto, como foi sempre.

Mas o PS teve sempre mais problemas em acertar posições em matéria de presidenciais do que em matéria de legislativas?

Sim, talvez. Claro que sim.

O João Soares nos últimos dias sentiu necessidade de vir ao Facebook manifestar o seu apoio a um dos nomes, porquê?

Manifestei por uma razão muito simples. Escrevi que apoiava António José Seguro, não apenas porque acho que ele é o melhor colocado para disputar esta eleição presidencial, que é difícil do nosso lado, mas também porque sentia a necessidade de fazer isso nesta altura. Ele tinha sido objeto de um ataque que considerei absolutamente indecente. O Santos Silva disse que ele não tinha os mínimos para desempenhar as funções, etc. E achei que aquilo era inaceitável entre camaradas. Tem de se tratar com o mínimo de cortesia num quadro partidário, a gente não está numa selva.

O que justifica que tenha havido tanta animosidade em relação a uma hipotética candidatura de um antigo secretário-geral do partido?

Há um conjunto de pessoas que provavelmente não gostam do António José Seguro. Eu limito-me a dizer que considero que o António José Seguro é o que está melhor colocado e que é aquele que tem melhores condições para exercer um mandato de Presidente da República se vier a ser eleito.

António José Seguro tem anticorpos no Partido Socialista atual?

Bem, pelos vistos houve coisas que foram ditas, nomeadamente pelo Augusto Santos Silva, que estão abaixo daquilo que é decente.

Isso reflete ainda a influência de António Costa no partido?

Não, não, faço justiça ao Augusto Santos Silva que diz o que pensa. Ele, aliás, serviu já quatro ou cinco secretários-gerais. Não quero ferir ninguém, nem houve aqui nenhuma ilegalidade estatutária, mas o que se fez ao António José Seguro quando ele era líder do Partido Socialista e tinha sido responsável pela liderança do Partido Socialista em duas eleições, umas europeias e umas autárquicas, do meu ponto de vista, foi uma coisa indecente. Não se remove um líder a meio de um mandato, quando ainda por cima foi responsável por duas vitórias. Houve quemdissesse, foi o caso de António Costa, que a vitória tinha sido poucochinha, mas depois, quando tivemos as legislativas sob a liderança do António Costa, tivemos uma derrota poucochinha. Isso criou algumas complicações, algumas pessoas têm problemas de má consciência pela forma como o trataram. Além de que ele, entre outras qualidades, revelou nesse processo eleitoral interno qualidades excecionais.

Diz que apoia António José Seguro, mas se a opção for por António Vitorino? Aconselharia António José Seguro a desistir em favor de António Vitorino?

Primeiro é preciso que ele se decida a apresentar-se, eu estou convencido que decidirá, mas não aconselho nada, uma eleição presidencial não pode ser desvirtuada por manobras

internas de natureza partidária.

Sim, mas estou a perguntar como amigo, como apoiante…

Acho que não. Aliás, quer dizer, com toda a sinceridade, estamos a falar no dia 5 de Fevereiro, tanto quanto sei, até ontem a única pessoa que manifestou claramente a vontade de ser candidato foi o António José Seguro.

Se ele for o único e decidir apresentar uma candidatura, vai ser um problema para o Partido Socialista apoiá-lo, depois de tudo o que se passou nas últimas semanas?

Olhe, há uma coisa que nós aprendemos com o Dr. Álvaro Cunhal em 1986, que é tapar os olhos se for preciso. Nem sempre nós estamos de acordo, isto não é um concurso de beleza, estamos a votar naquilo que nos parece ser a solução melhor e há vários fatores que entram aí. Ele preenche os mais importantes dos fatores para um candidato presidencial. Por isso aos que têm mais dificuldade lembro uma frase do Alexandre O’Neil: mesmo se ele

não merece, vota no PS. Oxalá que haja só um candidato e que o PS se pronuncie no sentido de apelar ao voto, porque isto não é só a indicação do candidato do PS. O candidato presidencial não é só o candidato do partido. 

Portanto, deve ser um candidato que consegue ir buscar votos a outras áreas?

É óbvio.

E esse não lhe parece que é um trunfo neste momento do almirante Gouveia e Melo? Isso para si é um perigo para a democracia?

Conheço bem o almirante Gouveia e Melo porque fui muitos anos da comissão de Defesa da Assembleia da República e conheci-o bem. O almirante não é comparável com o André Ventura, não é um tipo protofascista ou ditatorial como o Ventura.

Mas considera um risco se o almirante chegar a Presidente da República, como as sondagens indicam?

Isso são perguntas que são um bocadinho desagradáveis, porque não é possível compreender a razão…se me pergunta se é um risco para o sistema democrático? Com toda a sinceridade, acho que não. Não tenho dúvidas. Mas garanto que não estou a fazer campanha.

É um mau sinal para a democracia voltarmos a ter um militar na Presidência da República?

Não me obrigue a responder a isto. Não, acho que não, mau sinal é quando há um recuo do ponto de vista democrático…

Mas há o risco nestas eleições, numa segunda volta, de o candidato apoiado pelo PSD e o candidato apoiado pelo Partido Socialista, não passarem?

Isso aí quer dizer… se você me pergunta se houvesse uma segunda volta em que a disputa fosse entre o homem do Chega e o almirante? Não há dúvida que votarei nele (Gouveia e Melo). Mas eu espero que nós vamos fazer tudo para que, se houver uma segunda volta, ela seja disputada com o candidato da nossa família política.

Por isso, mais do que nunca, era importante que o Partido Socialista se unisse à volta de um único candidato?

Há uma boa probabilidade de conseguirmos isso. Não quero ser excessivamente otimista. Às vezes peco por otimismo, mas acho que há uma boa probabilidade.

Porque se isso não acontecer, seguramente o candidato da área socialista não passará à segunda volta?

Também não vale a pena fazer previsões a tanta distância.

O que pergunto é se acha que estas presidenciais podem indicar uma primeira mudança no quadro político em Portugal?

As presidenciais não darão grandes sinais de mudança, acho que não. Agora, de facto, digamos que não está na ordem natural das coisas regressar a um militar. Embora não haja nenhum capitis diminutio, não aceito que se diga que um tipo que foi militar não pode ser candidato seja ao que for.

Mas podemos ter aqui uma versão daquelas eleições francesas em que à segunda volta passou Chirac e Le Pen e que foi o início do fim dos partidos tradicionais em França. Podemos estar a entrar nesse ciclo aqui em Portugal?

Não sei dizer. No caso português, os comunistas, aguentaram até agora, mas já há muito que estão a cair. O Bloco também caiu muito. À esquerda, o panorama é um bocadinho desolador. E à direita também. O Chega esmagou completamente o CDS que era um partido fundador, que assegurou equilíbrios muito importantes. É óbvio que há algum desgaste.

A acusação do processo Tutti Frutti foi finalmente conhecida ao fim de oito anos de investigação. Que conclusões é que tira?

A conclusão mais importante como cidadão com alguma formação jurídica é que é absolutamente inacreditável e inaceitável que o que aconteceu tenha demorado oito anos e que tenha posto em causa a honorabilidade de pessoas por quem eu punha as mãos no fogo. Estou a pensar concretamente no Fernando Medina, no Duarte Cordeiro e na Inês Drumond, que são as pessoas que conheço e pelas quais ponho as mãos no fogo. Dada a promiscuidade que existe dentro do sistema judicial, se quiser, no universo dos tribunais e a comunicação social – é incontestável, porque, evidentemente, estas coisas são sempre notícia…

Está a falar das fugas de informação?

Estamos a falar da chamada fuga de informação. Eu tenho um caso, quando era autarca em Lisboa, que para mim é um bocado o paradigma que uso para ilustrar. Foi um processo que quase disputou o prime time televisivo e mediático que foi o caso da Universidade Moderna. Foi um daqueles casos absolutamente fantástico. Eu era o autarca de Lisboa e acabei por ser chamado a depor como testemunha nesse processo que se prolongou e até disputou o prime time televisivo com a Casa Pia…

Era um processo que envolvia Paulo Portas…

Toda a gente tinha ideias. Acho que fui chamado porque do ponto de vista político era talvez conveniente chamar um tipo da esquerda, como era o meu caso, ainda por cima com uma função importante porque era presidente da Câmara de Lisboa, e iam chamar inevitavelmente o Paulo Portas, que era ministro da Defesa, ou ministro da Presidência. Lembro-me que me foi pedido um depoimento que acabou por ser um depoimento escrito sobre coisas completamente banais. E eu escrevi no meu computador, imprimi e fechei num envelope. Três dias depois o depoimento apareceu ipsis verbis na Visão. Isto é o que acontece há oito anos. É de facto uma coisa que enxovalha, apesar de serem pessoas com capacidade de resistência. Mas oito anos em que as pessoas são condenadas na praça pública? Agora, ainda bem que isto resultou praticamente em nada e que a montanha pariu um rato. Embora possa haver ali meia dúzia de coisas.

Mas isto é o normal em processos como este?

Mas é uma coisa totalmente inaceitável. E já não é só no quadro político, é sobretudo no quadro económico do país, quer dizer, um país onde a justiça funciona desta maneira e de uma forma tão lenta, é um país onde quem quer investir pensa duas vezes antes de avançar para alguma coisa.

Foi muito polémica há 15 dias uma alegada mudança de posição do secretário-geral do partido na política de imigração. Revê-se nas críticas de que ele foi alvo?

Não, de forma nenhuma, revejo-me totalmente naquilo que o Pedro Nuno Santos diz e na liderança que ele tem assegurado. Porque o que ele diz é o que constitui a nossa espinha dorsal enquanto partido verdadeiramente social-democrata em Portugal.

Acha que o PS está a precisar de se libertar ainda daquelas alianças que teve à esquerda, ou que está demasiado encostado à esquerda?

Essas coisas são recorrentes em relação ao PS. Logo a seguir a 74, todo o argumentário da extrema-esquerda era dizer que nós estávamos à direita e éramos conservadores, depois passou a ser porque estava muito à esquerda. Quando Pedro Nuno Santos entrou para a liderança do Partido Socialista e eu apoiei, era acusado de ser uma espécie de infiltração do Bloco de Esquerda no PS. Ele é um genuíno social-democrata.

Não está desiludido com a liderança dele?

É um tipo que defende as nossas posições, no PS não há infiltrações esquerdistas. Já não aguento a ladainha do isto é tudo esquerdista, isto é tudo PCP e Bloco de Esquerda, não é. Agora que há riscos para os grandes partidos tradicionais? O tempo corrói um bocadinho e há muitas coisas que às vezes não correm bem.