O caso foi divulgado esta semana nas redes sociais: uma casa à venda foi arrombada e ocupada ilegalmente por uma família que nada tem a ver com aquela habitação e que se recusa a sair. Tomás Lopes, o consultor imobiliário que expõe o caso, publicou dois vídeos onde explica os pormenores da situação: «Hoje tive uma casa que os meus clientes me confiaram para vender que foi arrombada, invadida, ocupada e ninguém fez nada». O alerta foi dado por uma vizinha, que estranhou o movimento. Tomás dirigiu-se ao local com a GNR mas nada se fez. «Os invasores não estavam lá a viver, tinham acabado de invadir, tentei dissuadi-los, eles vão a correr para dentro de casa e dizem que tinham pertences deles, o que não era verdade. Disseram que iam ficar ali, mesmo à frente das autoridades», conta num dos vídeos divulgados.
O Nascer do SOL falou com Tomás Lopes que atira: «Isto não foi uma ocupação. Eles invadiram a casa, vandalizaram, arrombaram, assaltaram, em flagrante. Eles cometeram um crime e deveriam ter sido detidos. Isto foi um assalto e uma invasão de propriedade privada».
Conta-nos que já esteve no local mais quatro ou cinco vezes com a GNR e as autoridades «continuam sem fazer nada». Agora, para tirar os invasores, só com uma ordem judicial. «Eles dizem que vão ficar lá. Disseram-nos, à frente da polícia ‘façam queixa mas nós vamos ficar aqui porque não temos para onde ir’. E a polícia não fez nada. Isto é um crime. A polícia não conhece a lei», defende.
Atuação depende da situação
O Nascer do SOL tentou perceber junto das autoridades se a sua intervenção é mesmo quase nula nestes casos, como garante Tomás Lopes. Sem resposta da GNR – a autoridade que foi chamada ao local neste caso –, a PSP explicou-nos como se procede, garantindo que a sua atuação «assenta nos pressupostos legais da situação em concreto, que podem possuir diferentes variáveis, pelo que não há uma resposta perentória relativamente a uma só situação».
E dá exemplos: «Se a casa estiver devoluta e não se conhecer o proprietário o procedimento poderá ser no sentido de aguardar a formalização de queixa e consequente decisão judicial para, e em caso de resistência, auxiliar os mandatários a executar a ordem de despejo». Caso a casa esteja devoluta mas o proprietário esteja presente, a polícia «deverá intervir e proceder à recuperação do imóvel». No entanto, «mesmo nestas circunstâncias terá que haver alguma apreciação consubstanciada das circunstâncias em que a ocupação se deu, com anuência ou com o conhecimento do proprietário».
A PSP diz ainda ao nosso jornal que, se a casa estiver devoluta e o proprietário estiver presente e afirmar (e houver testemunhas) «que foi ocupada sem autorização, o procedimento deverá ser o da recuperação do usufruto do imóvel». No entanto, diz a PSP, «também aqui se verifica a necessidade de avaliação dos pressupostos todos que possam justificar uma intervenção policial, uma vez que pode haver contornos de prévia autorização, ou consentimento por parte do proprietário que depois afirma não o ter dado».
No caso se haver uma ocupação consentida, a intervenção policial, «mesmo com a vontade do proprietário, não pode ser assumida sem que haja uma intervenção judicial prévia, uma vez que numa circunstância desta natureza, em princípio não estaremos na presença de qualquer situação criminal».
A PSP explica também que «estas circunstâncias são extremamente sensíveis, principalmente quando envolvem agregados familiares com menores, com pessoas vulneráveis ou fragilizadas, pelo que a intervenção policial tem que, como sempre, ser suportada por forte fundamentação para o adequado procedimento».
Proprietário precisa de decisão judicial
No fundo, são casos complicados e que têm de ser tratados com pinças. Mas uma coisa é certa: o proprietário terá sempre de arcar com custos acrescidos por um bem que, no fundo, é seu.
Ao nosso jornal, Bruno Sampaio, associado sénior da Paxlegal, explica o que acontece nestes casos: «No plano do Direito Civil, quando nos referimos à ocupação ilegal de imóveis é importante, desde logo, distinguirmos se havia ou não uma relação pré-existente entre o proprietário e o ocupante, uma vez que esse é um dos fatores decisivos para a escolha do procedimento a adotar», começa por explicar, dando exemplos. «Caso exista um contrato de arrendamento prévio, o proprietário deverá avançar com uma ação de despejo (perante o Tribunal) ou procedimento especial de despejo (no Balcão Nacional do Arrendamento e do Senhorio) contra o inquilino que permaneça ilicitamente no imóvel».
Caso a ocupação não tenha sido precedida de um contrato de arrendamento, «o processo adequado será uma ação de reivindicação da propriedade, podendo em casos específicos recorrer-se ao procedimento cautelar de restituição provisória da posse, nomeadamente, nos casos de ocupações violentas, quer a violência seja exercida sobre pessoas ou bens».
No que diz respeito ao plano do Direito Penal, «e desde que exista violência na ocupação, é possível o proprietário apresentar queixa-crime contra o ocupante, podendo estar em causa a prática pelo ocupante de um crime de usurpação de coisa imóvel», detalha Bruno Sampaio, acrescentando que a escolha do procedimento adequado «depende das circunstâncias em que a ocupação ilegal aconteça, mas em qualquer caso, o proprietário necessitará de uma decisão judicial para reagir à ocupação ilegal do seu imóvel» e «é com base nessa decisão judicial que as autoridades poderão depois atuar».
É então sabido que, se é preciso haver decisão judicial e se as autoridades não podem fazer nada, o proprietário tem que pagar para reaver algo que é seu por direito. O advogado adianta que o proprietário tem de recorrer aos tribunais para reaver o seu imóvel, «o que implica custos e tempo».
Questionado se este género de solução é justa, Bruno Sampaio diz: «Pode parecer injusto, mas é importante lembrar que Portugal é um Estado de Direito e que existem mecanismos legais próprios (melhores ou piores) à disposição dos cidadãos para reagir às ofensas dos seus direitos». Além disso, «os proprietários podem pedir a condenação do ocupante numa indemnização para compensar o tempo em que ficaram privados do uso do imóvel e outros danos que tenham sofrido».
O nosso jornal tentou ainda perceber se há alguma alteração de lei que deva ser feita para que a atuação sobre estes casos mude. «Nos casos em que seja flagrante a falta de título do ocupante para permanecer no imóvel, parece-me que podia equacionar-se a criação de um procedimento judicial mais célere», diz o advogado, lembrando a lei ‘antiokupas’ de Espanha que foi criada «especificamente para responder aos casos de ocupações ilegais de imóveis, uma vez que, em média, um processo normal teria uma duração estimada de até 23 meses, incluindo os eventuais recursos».
Em Portugal, para que estes casos sejam mais céleres, Bruno Sampaio defende «a atribuição de caráter urgente a estes processos, com encurtamento de prazos processuais para a prática de ato».
E o que acontece a quem ocupa as casas de forma ilegal? «Poderá vir a ser condenado na restituição do imóvel e no eventual pagamento de indemnização pelo período de ocupação ilegal.
No plano penal, o crime de usurpação de coisa imóvel é punido com, pelo menos, pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias», diz o advogado.