De Rio Maior a Turim só a memória é curta

De Rio Maior a Turim só a memória é curta


A vitória categórica do Benfica frente à Juventus (2-0) não afasta os fantasmas do jogo com o Casa Pia.


O Benfica ganhou em Turim, frente à Juventus, com uma facilidade notável (2-0, mas desperdiçando, como sempre, mais três ou quatro golos), ficou em 16.º entre 36 equipas, algo de razoável numa competição como esta. Ficou a dever a si próprio o apuramento direto ao perder com o Feyenoord e ao empatar com o Bolonha (em casa), dois adversários francamente  ao seu alcance como constatámos todos depois dos dois últimos jogos, face ao Barcelona e à Juve. Estou muito à vontade, e absolutamente desprendido, para falar do Caso Lage porque fui um crítico muito duro em relação à escolha do substituto de Roger Schmidt. Bruno Lage é e será sempre um treinador de equipa pequena tal como nos entrou pelos olhos no confronto de Rio Maior frente ao Casa Pia. Tem dificuldade para dominar os tempos do jogo pelo que as suas substituições costumam ser tardias e inconsequentes. Já agora: desde que chegou ao Benfica ainda ninguém percebeu ao certo que estilo de jogo quer aplicar na equipa. É a minha opinião, tão válida como qualquer outra em contrário.

Dias confusos

Não vou subestimar o triunfo em Turim, primeiro porque garantiu com categoria pelo menos mais dois jogos na Liga dos Campeões, e foi perante o clube mais poderoso de Itália – não por acaso uma velha chalaça piemontesa dizia que o príncipe herdeiro Vítor Emanuel se limitava a polir as maçanetas das portas dos Agnelli. Mas, perante a deprimente última semana que assolou a Luz, não consigo em consciência sobrestimá-la. Durante este dias confusos, Lage excitou-se, exaltou-se e, principalmente, exorbitou muito para além das suas funções. O combate Lage vs. Direcção, Lage vs. Adeptos, ou Lage vs. Jornalistas, como o queiram chamar, deu mais ideia de ter sido um combate de egos dentro de si próprio. De repente vimos um Bruno Lage ao revés da sua imagem de homem cordato, tranquilo e sensato, para nos surgir um treinador confuso e furibundo. Sim, a derrota com o Casa Pia foi de arrepiar cabelos ao menos encanzinado dos adeptos encarnados. Mas o grande responsável por ela chama-se, indubitavelmente, Bruno Lage. A anacrónica decisão que tomou de tirar Pavlidis e Schjelderup do onze titular quando tinham sido as grandes estrelas benfiquistas na louca noite do jogo com o Barcelona e, por isso, estavam no ponto alto da sua confiança, foi primária, a menos que haja outra justificação para a soberba com que a equipa encarou o adversário. Já todos sabemos de há muito, e Lage deverá sabê-lo ainda melhor por que é o treinador do Benfica – clube que sempre olhou para a Europa como o lugar em que queria destacar-se – que depois dos confrontos internacionais é preciso ser judicioso na escolha dos jogadores que ainda estão encadeados pelo brilho internacional. Se o foi, não se percebe a forma, tão pobre, tão «estamo-nos nas tintas para o Casa Pia», com que os elementos que subiram ao relvado aceitaram a derrocada, deixando-se perder sem uma réstia de chama nem orgulho. Pode, portanto, o treinador encarnado bramar contra os seus discípulos mas não tenho outra forma de olhar para a matéria em causa sem pôr em dúvida a maneira como ele preparou mentalmente a ida a Rio Maior. E é aqui que encontra o verdadeiro nó górdio deste drama em vermelho, um bocado bacoco e francamente exibidor da total inoperância do gabinete de informação que mora no Estádio da Luz, que permitiu que toda a gente andasse a lavar roupa suja como na aldeia da Beatriz Costa.

Obrigação de vencer

Alguém saberá responder, com a antiga firmeza dos sábios, que Benfica irá surgir no domingo, na Amadora? Eu não sei. Aliás nunca sei que Benfica vai aparecer em que jogo seja porque nem uma imagem de consistência (só imagem, por amor da santa!) Bruno Lage foi capaz de aportar até agora à sua equipa. Com o campeonato entornado grandemente para o lado do Sporting (não é por acaso que Rui Borges anda a meter jogadores em formol, confiando que ganhar no Porto será provavelmente um golpe definitivo), o Benfica está obrigado a ganhar, ganhar e ganhar, esperando que os leões percam, algo que Lage repete incessantemente a cada derrota como se só por isso afastasse a precariedade do conjunto (às vezes disjunto) que tem vindo a trabalhar. Mas, enfim, também diz que sabe como «resolver esta merda», e a resolução vai ficando lá para as calendas com os trancos e barrancos subsequentes capazes de assustarem uma manada de zebus. E é aqui que eu quero chegar. Não se nota ainda, depois de seis meses no cargo, uma verdadeira obra de treinador. Posso aceitar que o plantel não tenha sido escolhido por Bruno Miguel Silva do Nascimento mas o mesmo Bruno tem consciência do que a casa gasta e foi ele quem enfunou as velas do otimismo benfiquista ao apresentar-se como salvador de uma época que começou mal, e continua a repetir o mesmo semana após semana. Com os jogadores que possui, o Benfica tem obrigação de ser mais o Benfica-de-Turim do que o Benfica-de-Rio Maior. Eis uma realidade incoercível a que qualquer um que ocupe neste momento o lugar de chefe de balneário não pode escamotear. Ainda por cima quando, pelos vistos, tem o beneplácito do presidente e de um capitão de equipa tão interventivo nesta fase difícil. Sim, de Rio Maior a Turim só a memória é curta.