Donald J. Trump e J. D. Vance tomaram posse como Presidente e Vice-Presidente dos Estados Unidos na passada segunda-feira, dia 20. Foi o consumar da vitória eleitoral inequívoca, conquistada a 5 de novembro, e as opiniões dividem-se quanto ao rumo que a maior potência mundial pode seguir nos próximos quatro anos. Os seus apoiantes reagem com júbilo e os seus detratores desenham um futuro apocalíptico.
A cerimónia, que se desenrolou na Rotunda do Capitólio, um espaço interior que já havia sido usado por Ronald Reagan, devido ao frio extremo, testemunhou dois feitos históricos. Trump é apenas o segundo Presidente a conseguir um segundo mandato não consecutivo, tendo sido Grover Cleveland, no final do século XIX, o primeiro e, segundo, é o único Presidente a ser condenado.
Foram convidados nomes de peso de vários setores da sociedade, mas, sem surpresa, os que mais destaque mereceram foram os titãs da tecnologia. Mark Zuckerberg, Jeff Bezos, Sundar Pichai e, claro, Elon Musk estiveram na primeira fila. Também Tim Cook, CEO da Apple, marcou presença. Sam Altman, CEO da OpenAI e crítico de Trump, seguiu os passos de Zuckerberg e diz que o Presidente será «incrível para o país de muitas formas». «Gostava de ter pensado mais pela minha cabeça e caí definitivamente na armadilha do NPC», pode ler-se na sua conta da rede social X. NPC significa Non-player character (personagem não jogável) e é utilizado num tom pejorativo para definir alguém que tende a seguir a opinião dominante em detrimento do seu próprio pensamento.
Os críticos temem que a Casa Branca se possa tornar numa oligarquia, como o próprio ex-Presidente Joe Biden alertou no seu último discurso à nação, e os apoiantes avaliam como um sinal de mudança de conduta nas mais importantes e influentes plataformas digitais.
O discurso inaugural
«De hoje em diante», começou Trump no seu primeiro discurso enquanto quadragésimo sétimo Presidente dos EUA, «o nosso país florescerá e voltará a ser respeitado em todo o mundo. Seremos a inveja de todas as nações e não permitiremos que continuem a aproveitar-se de nós. Durante todos os dias da administração Trump, vou, muito simplesmente, colocar a América em primeiro lugar». «A nossa principal prioridade será criar uma nação que seja orgulhosa, próspera e livre», continuou garantindo que «a América será em breve maior, mais forte e muito mais excecional do que nunca».
Após lançar farpas à anterior administração, Trump falou ainda no objetivo de chegar a Marte, abordou os múltiplos desafios em matéria de política externa, voltou a ameaçar o regresso da jurisdição americana sobre o Canal do Panamá e intensificou a sua retórica quanto ao México. A menção ao episódio mais marcante da campanha, a tentativa de assassinato de que foi alvo num comício em Butler, no Estado da Pensilvânia, também não poderia deixar de ser objeto de destaque: «Há apenas alguns meses, num belo campo da Pensilvânia, a bala de um assassino atravessou a minha orelha», disse Trump reforçando a narrativa de intervenção divina. «Acredito ainda mais agora que a minha vida foi salva por uma razão. Fui salvo por Deus para tornar a América grande de novo», atirou.
«Vamos manter-nos corajosos, vamos viver com orgulho, vamos sonhar com ousadia e nada nos vai impedir porque somos americanos. O futuro é nosso e a nossa era dourada está apenas a começar», concluiu Donald Trump.
Bernie Sanders, um dos mais emblemáticos senadores do Partido Democrata e crítico acérrimo de Trump, esteve presente na tomada de posse e deixou a sua opinião num vídeo publicado nas redes sociais. «Não concordo com muito do que ele disse», começou Sanders, «mas o que realmente me impressionou não foi o que ele disse (…), mas sim o que não disse». O veterano democrata acusou Donald Trump de ignorar «praticamente todas as questões importantes que as famílias trabalhadoras deste país enfrentam», focando-se em assuntos delicados como o sistema de saúde, a crise na habitação, a desigualdade financeira ou as alterações climáticas. «Nos próximos meses e anos, o nosso trabalho não é apenas responder a todas as declarações absurdas que Donald Trump faz. O nosso trabalho é mantermo-nos concentrados nas questões que são importantes para as famílias trabalhadoras do nosso país. (…) Temos de lutar para criar uma América baseada na justiça económica, social, racial e ambiental», concluiu o senador do Estado do Vermont.
Ordens executivas
Trump colocou em marcha uma série de ordens executivas logo nas primeiras horas após ser empossado como Presidente, quebrando mais um recorde. Munido de um arsenal de canetas Sharpie, o Presidente protagonizou duas sessões de assinaturas, sendo uma delas pouco ortodoxa, exibindo, no final de cada uma, os documentos para uma plateia de milhares de pessoas. A segunda foi já na Sala Oval.
«A anterior administração», disse Trump, «incorporou práticas profundamente impopulares, inflacionárias, ilegais e radicais em todos os organismos e serviços do Governo Federal», procedendo a revogar um vasto leque de medidas impostas pelo ex-Presidente Joe Biden. «Com estas ações», continuou, «iniciaremos a restauração completa da América e a revolução do senso comum», uma demonstração do que se propõe a fazer para combater a ideologia woke. «Só existem dois géneros: masculino e feminino», acrescentou.
Para além disto, destacaram-se medidas de importância acrescida, como, por exemplo, a retirada dos Estados Unidos da Organização Mundial de Saúde e do Acordo de Paris, que se foca no combate às alterações climáticas. As reações, como seria de esperar, dividem-se. «O Acordo de Paris», disse Ursula Von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, «continua a ser a melhor esperança da humanidade. Continuaremos a trabalhar com todas as nações que querem travar o aquecimento global». Também o embaixador chinês na Colômbia, Chu Jingyang, representante de um país responsável por cerca de 30% das emissões globais de dióxido de carbono, manifestou a sua preocupação «pela retirada dos EUA do Acordo de Paris. As alterações climáticas são um desafio comum a toda a humanidade». «Nenhum país pode salvar-se por si só», concluiu. Trump ainda dirigiu uma ameaça a Vladimir Putin, afirmando que se a guerra não acaba a bem, fortalecerá as sanções. «A maneiro fácil é sempre melhor (…) Está na hora de chegar a um acordo», escreveu nas redes sociais.
Complicações legais
Donald Trump e problemas legais não é uma combinação nova. A enxurrada de ordens executivas contou com o «perdão total, completo e incondicional» a mil e quinhentas pessoas condenadas por crimes relacionados ao episódio insurreccionista ocorrido a 6 de janeiro de 2021. Trump designou-os como «reféns». Nancy Pelosi, ex-Speaker da Câmara dos Representantes e um peso pesado do Partido Democrata, considerou as ações do Presidente como «um insulto ultrajante» ao «sistema judicial e aos heróis que sofreram cicatrizes físicas e traumas emocionais ao protegerem o Capitólio, o Congresso e a Constituição». Importa notar que, momentos antes de deixar a Casa Branca, Joe Biden emitiu uma série de perdões presidenciais preventivos a Anthony Fauci, imunologista e um dos principais responsáveis pela gestão da pandemia, Mark Milley, um ex-General, a vários senadores que participaram no comité do 6 de janeiro como Liz Cheney, filha do ex-Vice-Presidente republicano Dick Cheney. O ex-Presidente tinha já concedido o perdão ao filho Hunter Biden.
Assim, os próximos quatro anos prometem a todos os níveis e a opinião vai-se dividindo entre a esperança de nova uma era dourada e o pessimismo de uma nova era das trevas.