Nota prévia: O Presidente Eanes celebrou 90 anos e é forçoso reconhecer que talvez seja a figura política nacional que mais consenso positivo gera. Eanes chegou a ser odiado por segmentos, umas vezes à esquerda e outras à direita. Nas Forças Armadas teve intervenções decisivas, designadamente no 25 de Novembro, pondo termo aos desvarios da extrema-esquerda e do PCP. Os seus mandatos foram distintos, o primeiro político-militar e o segundo civilista. Ambos foram difíceis, controversos e mais complexos do que os dos seus sucessores. Teve atitudes duras, constituiu governos presidenciais, dissolveu o parlamento e até tentou fundar um partido que ia destruindo o PS, até se revelar um vespeiro. Mas Eanes foi decisivo para a instauração da Democracia, protegeu a ascensão da sociedade civil, aceitou a diminuição dos seus poderes, desbravou caminho para a adesão à então CEE e contribuiu enormemente para o estabelecimento de relações de amizade com as ex-colónias. Como ex-presidente tornou-se referência ética permanente e discreta, intervindo raramente em apoio de causas e pessoas. Modesto, estudou já depois de ter sido tudo em Portugal, recusando mesmo a honra de ser Marechal. Num momento ou noutro, muitos o criticaram e combateram, mas praticamente todos se juntam hoje no reconhecimento e agradecimento respeitoso pelo muito que, política e eticamente, deu a Portugal e aos portugueses.
1. Não há que ver. A entrevista que Pedro Nuno Santos (PNS) deu ao Expresso é um virar de página. Mostra um líder a criar espaço no eleitorado moderado, afastando-se do radicalismo que caracterizava o seu discurso. PNS disse coisas óbvias e sensatas sobre a imigração e a necessidade de quem nos demanda integrar os nossos valores e não o contrário. Situou corajosamente a responsabilidade negativa que cabe ao governo Costa nesse campo e admitiu que em 2026 há forte probabilidade de haver legislativas antecipadas. No fundo, teve um choque de realidade e mostrou perceber que ser de esquerda não é necessariamente desprezar os valores culturais e humanitários que caracterizam as sociedades ocidentais e democráticas. Sempre que se perde o sentido das obrigações aumenta o ócio e a insegurança, diluem-se princípios e os radicais de toda a espécie ganham espaço. PNS tem pela frente etapas decisivas em pouco tempo: eleições autárquicas, presidenciais, reeleição como líder do PS e o projeto de uns estados gerais mobilizadores na perspetiva de prováveis legislativas antecipadas. Tirando as presidenciais, que pode não ganhar, tudo o resto é decisivo para se manter na liderança do PS, o maior partido português, visto que teve mais votos que o PSD nas últimas legislativas. A entrevista veio no momento certo e desencadeou logo uma agitação frenética nas hostes “costistas”, que detestam PNS desde o momento em que saiu do governo, da mesma forma que, noutro quadrante interno, odeiam António José Seguro, o grande anti-socrático. Ao contrário do PSD, que é um partido tectónico de pequenos sismos permanentes até se dar o grande abanão, o PS explode de repente ao jeito dos vulcões islandeses. Entrámos numa erupção socialista, enquanto no PSD não há sinais de movimentos telúricos. Sempre se disse que o lugar mais difícil da política é ser líder da oposição. Ciente disso, PNS, que controla todas as federações do PS, optou por ser ele próprio a agitar as águas, aproveitando um momento em que a sua liderança não é ainda discutida às claras e fazendo jus ao ditado “candeia que vai à frente alumia duas vezes”.
2. O pitoresco caso do deputado Miguel Arruda, do Chega, indiciado por roubar malas nos aeroportos de Lisboa e de São Miguel, promete ficar como um dos mais insólitos da política nacional e talvez da Justiça. Isto porque, apesar das consequências políticas imediatas que teve com a sua saída do partido e passagem a deputado “independente”, há uma gigantesca probabilidade de o caso se arrastar. Vai ser preciso saber de quem eram as malas, averiguar se alguém se queixou e qual o valor do furto, para determinar o tipo de crime. Terão de se analisar imagens e conferir a sua autenticidade e legalidade. Enfim…uma procissão de coisas complicadas que têm de culminar com uma acusação definitiva do Ministério Público, já que, aparentemente, o deputado não foi intercetado em flagrante delito, o que teria tido efeitos imediatos. O mais importante no caso tem a ver com o caráter. Arruda é um exemplo do oportunismo que abunda na política com gente sem ideais a aderir a causas por interesse. Há disso em todo o lado, mas – reconheça-se – Chega é campeão, como se vê pela circunstância de cerca de um quinto dos seus deputados nacionais estar a braços com a Justiça e estar cheio de trânsfugas ressabiados. Dito isto, reconheça-se que o partido de Ventura foi lesto a afastar o incómodo indivíduo que parece sofrer de um distúrbio mental. Ou então faz-se de parvo e está a gozar com o pagode, ao ponto de ir meter uma baixa psicológica ou psiquiátrica. O facto é que é altíssima a probabilidade de ele se manter em São Bento por uns tempos largos, provavelmente até ao fim da legislatura se ela não for interrompida. Entretanto, custa-nos algo como doze mil euros brutos por mês.
3. Mais grave do que o comportamento de Miguel Arruda é o despedimento de jovens mães por parte do Bloco de Esquerda. As justificações de Mariana são de ocasião. O Bloco em bloco comportou-se como o pior dos patrões exploradores que ele denuncia. Remeteu para o Vale do Ave de há anos onde industriais sem escrúpulos montados em Ferraris exploravam e despediam quando queriam e tinham tendência para exercer uma espécie de direito de pernada sobre algumas empregadas. O que o Bloco fez é desprezível. As desculpas são lágrimas de crocodilo. O mínimo ético seria uma reparação dos danos materiais e morais, coisas que não vão acontecer. O Bloco brinda-nos regularmente com casos. Houve o de Salvaterra de Magos, o de Robles e Alojamento Local e, discretamente, o de Catarina Martins que, depois de perder o lugar de deputada, entrou pela porta do cavalo no partido como funcionária, apesar de ter dito que tinha projetos profissionais. Treta! Afinal foi uma pausa remunerada até saltar para o parlamento europeu onde ganha um balúrdio, além de voltar a tempo de ir às televisões botar tiradas demagógicas, cada vez mais arranjadinha.
4. Acumulam-se notícias negativas sobre comportamentos do secretário de Estado do Ordenamento do Território. Já aqui se tinha mencionado a circunstância de estar em curso uma investigação a alegadas obras pagas e não feitas quando Henrique Dias era presidente da Câmara de Bragança. Agora surgem informações de que é sócio de imobiliárias criadas com familiares já depois ir para o governo, onde trabalha com o ministro Castro Almeida, considerado geralmente o mais competente do governo. Não se pode deixar desenvolver uma caça às bruxas, mas é desejável esclarecer situações, sobretudo quando há notícia de que tudo está a ser acompanhado pela procuradoria europeia, o que não é pouco.
5. Mal tomou posse, sem sequer pôr a mão na Bíblia, Trump confirmou quase tudo o que tinha anunciado, passando das palavras aos atos. A resistência é mínima nos Estados Unidos, mas existe. O homem é um furacão mundial e imprevisível. A sua política está baseada num sistema de transação. Quem comprar produto americano é bem tratado, quem não quiser leva tarifas gordas. Os seus oligarcas têm condições planetárias jamais vistas. Trump só tem direito a mais este mandato, visto que já cumpriu um e, ainda assim, com eleições a meio para parte do Senado que lhe poderiam custar a maioria de que dispõe nas duas câmaras. Nesta altura, o presidente tem uma inusitada capacidade de decisão, diminuindo os contrapoderes tradicionais. Não será de estranhar que se multipliquem teorias de que não é um ponto assente que Trump não possa concorrer a mais do que dois mandatos, coisa que já sucedeu antes de se convencionar a atual limitação. Só falta esse abanão ao centenário sistema democrático americano.
6. Lukashenko ganhou a farsa presidencial pela sétima vez, com cerca de 87%. A Bielorrússia é rigorosamente aquilo que Putin e os seus esbirros queriam que a Ucrânia fosse. Engaram-se. Para já!