Nas telas dos cinemas, ZaSu começou por não dizer nada. Ou seja, era do tempo do filme mudo. Foi o pai, Rulandus, um tipo com uma imaginação delirante que marchou para a Guerra Civil americana, servindo no 76º de Infantaria, e voltando de lá sem uma perna, que decidiu dar-lhe esse nome com algo de misterioso. ZaSu (nunca Zazu, como aparece com uma frequência inusitada) nasceu da última e da primeira letra das suas duas tias maternas, Eliza e Susan, o que não deixa de revelar uma certa pilhéria. A rapariga nasceu no Kansas, a 3 de Janeiro de 1894, esse lugar que Lyman Frank Baum imortalizou no livro O Feiticeiro de Oz, sobretudo quando a ingénua Dorothy Gale desabafa com o seu cairn terrier: «Toto, I think we’re not in Kansas anymore». Os Pitts também não ficaram no Kansas por muito mais tempo. Em 1903 Rulandus e Nelly instalaram-se com os seus quatro filhos no 208 de Lincoln Street em Santa Cruz, Califórnia, na esperança de temperaturas mais agradáveis e de um patrão compreensivo que desse emprego a um perneta, e ZaSu acabou por ser encafuada na Santa Cruz High School, um bocado aborrecida com as disciplinas que era obrigada a empinar, mas feliz da vida por poder inscrever-se nas aulas de teatro. Seria esse o seu futuro.
Auge de popularidade
Das estrelas perdidas da Idade de Ouro de Hollywood, Miss Pitts foi uma das mais fagueiras. E com o seu quê de ominosa. Também se não fosse não andava para aqui a perder o meu e o vosso tempo com ela. Vou num instante até ao ano de 1920. Depois, se for preciso volto para trás, se me perdoarem a prolepse. Ou, em linguagem cinematográfica, o flash forward. Foi precisamente nesse ano que ZaSu deixou de ser solteira ao casar-se com um figurão chamado Thomas Patrick Sarsfield Gallery, seu colega de bastidores. Chegara a Hollywood quatro anos antes e estava num tremendo auge de popularidade, tendo granjeado essa paixão do público por via de êxitos como Poor Relations, de King Vidor, Patsy, de John McDermott, Is Matrimony a Failure?, de James Cruze, For theDefense, de Paul Power, Youth to Youth, de Emile Chautard, ou A Daughter of Luxury, também de Paul Powell. A Paramount pagava-lhe e bem. Muito bem. Pitts, como teimou sempre em ser chamada apesar do(s) matrimónio(s), levava uma vida desafogada e divertida e tornara-se a melhor amiga da já famosa atriz Barbara La Marr, tão amiga, aliás, que ajudá-la-ia a manter secreto um filho, Sonny, queBarbara tivera por acaso já depois de separada do marido, e conservava escondido enquanto pudesse até que o tamanho do garoto se tornou tão substancial que foi obrigada a metê-lo no orfanato de Hope Cottage, em Dallas. Só para não deixar o episódio dependurado, Barbara, depois de uns tempos, fez uma conveniente visita de beneficência à instituição e resolveu adotar um dos indigentes:Sonny, claro! Por pouco tempo: a tuberculose levou-a logo a seguir para esse país misterioso de que falava Shakespeare.
Los Angeles era mesmo assim e ZaSu sentia-se por lá mais em casa do que alguma vez se sentira no malditoKansas. Foi mãe de uma menina, à qual deu o nome de ZaSu Ann e, inevitavelmente, acolheu Sonny juntamente com o marido, o tal maganão que alardeava as suas amizades fulgurantes com moças como Shirley Temple eElizabeth Taylor. Com um canudo de Direito na mão, conseguido sem grande esforço na Universidade de Stanford, também não tardou a cumprir as suas obrigações para com a pátria e para com a Humanidade ao ir combater nazis e japoneses como elemento da AmericanAir Corps na IIGrande Guerra. Viria a ser membro dos Serviços Secretos mas isso agora também já é entrar por caminhos que não dizem respeito a ZaSu que, por seu lado, ainda antes de se divorciar dele, passou a ser uma espécie de urubu pousado no ombro das suas melhores amigas.Eu explico. Reparem na macabra casualidade: depois da morte de La Marr, tornou-se inseparável de outra das suas colegas, Thelma Todd, conhecida por ‘The Ice Cream Blonde’, uma daquelas belezas descoloridas que entrou em várias comédias dos irmãos Marx e contracenou com Buster Keaton.Tinha uma queda natural para o dichote fácil. Não tardou muito a aparecer morta na garagem de sua casa em Castillo del Mar, sentada ao volante do carro. Mistério?Sim.Mas ninguém o resolveu.
Tanta desgraça alheia
Hollywood é Hollywood e não sobreviverá a partir do dia em que os escândalos amorosos e os divórcios acabem. ZaSu não escapou, nem quis, a essa sina. Em 1933, farta de abrir a carteira para pagar o vício do jogo de Gallery, tratou de se ver livre dele. E não perdeu tempo: amarrou-se, de aliança no dedo, a um tenista playboy, John Woodhall, que, vá lá saber-se porque carga d’água, todos tratavam por Eddie. Uma bela peça, sete anos mais novo do que ela e, pelos vistos, uma paixão assolapada já que se manteve casada com o mamífero até à hora da sua morte (dela, não dele), no dia 7 de Junho de 1963. Que o rapaz merecia desconfiança parecia ser óbvio, já que nenhum dos amigos de Pitts ia à bola com ele e só o suportavam por consideração com a esposa que, depois de torrar dinheiro com os vícios de Thomas, passou a esbanjar notas com os vícios escondidos do seu apessoado atleta.
Pelo caminho, casos misteriosos acumulavam-se em redor de ZaSu. Atraía-os como pétalas de papoilas. Parecia que trazia dentro de si os quatro Cavaleiros do Apocalipse trotando todos juntos e largando atrás de si um rasto de destruição. A sua amiga mais íntima do início dos anos 40 foi Madge Meredith. Outro inferno! Meredith foi acusada, no dia 2 de Julho de 1947, por rapto de Nick Gianaclis, o seu agente, e de Verne Davis, o seu guarda-costas. Ela e os três capangas que lhe tinham feito o servicinho. Bem clamou inocência. Depois de quatro semanas reunido, o júri condenou-a a pena perpétua e fechou atrás dela os portões de ferro da California Correctional Institution. ZaSu ficou devastada. Ao ponto de ter recorrido ao grande Erle Stanley Gardner, escritor e advogado, que bem ao estilo da sua personagem,PerryMason, conseguira desencarcerar Madge. (Mais tarde entrou na série televisiva).
Como é de calcular, com todas estas preocupações a atormentarem-lhe o espírito e já não sendo propriamente uma mocinha excitante face ao quadro de exigência de promotores e directores, Pitts viu a sua carreira escoar-se como a água se escoa para dentro das sarjetas. Entre 1947 e 1963, participou em apenas sete películas, a última das quais It’s a Mad, Mad, Mad, Mad World, de Stanley Kramer, um daqueles filmes que pôs toda a América a rir, coisa que, conhecendo nós o humor americano, metia muita confusão e muitos automóveis barbaramente esgalhados. Com Spencer Tracy à cabeça de um elenco bastamente numeroso, coube a ZaSu um papelzinho banal como Gertie, uma daquelas senhoras das centrais telefónicas que vão tirando e metendo as fichas de ligação no quadro de comunicações. Nunca chegou a ver o filme. Nessa altura estava carcomida pelo cancro que a levaria deste mundo, provavelmente louco, louco, louco, louco, apesar de jurar a toda a gente que já estava livre do medonho bicho. Uma mentira que a terá feito feliz. Foi sepultada no Holy Cross Cemetery, de Culver City.Os obituários referiram-lhe a idade: 63 anos. Tinha mudado a data de nascimento para 1900 no dia em que casou com Gallery. Não queria ser assim tão mais velha do que ele.