Combustíveis sobem, ao contrário do que era esperado

Combustíveis sobem, ao contrário do que era esperado


Apesar dos ajustes do Governo ao ISP e à taxa de carbono, os combustíveis contam com a maior subida desde 2022. Mas este aumento tão significativo não era esperado e era suposto que não houvesse grande impacto para o consumidor, como esperavam os especialistas ouvidos pelo Nascer do SOL. 


Os preços dos combustíveis pouco têm variado nas últimas semanas, mesmo com a decisão do Governo em subir o imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e baixar a taxa de carbono, causando pouco impacto para quem abastece. No entanto, esta semana o valor disparou.

Este aumento, que é o maior desde 2022, não era esperado pelos especialistas ouvidos pelo Nascer do SOL.

Paulo Monteiro Rosa, economista do Banco Carregosa, explica que quando o preço do petróleo sobe, o Governo tende a ajustar a taxa de carbono. «Esse ajuste é feito para que a carga fiscal sobre os combustíveis não aumente de forma desproporcional e agrave ainda mais o preço final pago pelos consumidores», acrescentando que o ‘ajuste’ «é feito reduzindo o valor da taxa de carbono em períodos de alta do petróleo, mas o Governo geralmente compensa essa redução com aumentos de outros impostos, sobretudo do ISP, para manter a arrecadação fiscal estável».

No entanto, diz que a redução da taxa de carbono «não significa necessariamente que haja menos queima de petróleo», adiantando que «o principal motivo para o Governo reduzir a taxa de carbono em períodos de alta do preço dos combustíveis é aliviar o impacto imediato no bolso dos consumidores, sem necessariamente alterar o consumo de combustíveis fósseis». Para o economista, reduzir a taxa de carbono em períodos de alta dos preços do petróleo «pode desincentivar a transição para energias mais limpas, já que o preço normalmente elevado seria um estímulo para os consumidores optarem por soluções mais sustentáveis». Contudo, «o Governo muitas vezes prioriza a estabilidade económica e social a curto prazo sobre os objetivos ambientais de longo prazo nesses contextos». Com as explicações dadas, o economista é da opinião de que «a redução da taxa de carbono é mais uma medida de equilíbrio fiscal e alívio económico do que uma ação diretamente ligada à redução da queima de combustíveis fósseis». 

Paulo Monteiro Rosa defende que esta medida do Governo pode ser interpretada «como uma tentativa de manter o preço final dos combustíveis estáveis para o consumidor, apesar das alterações na taxa de carbono». No entanto, atira: «O benefício para quem abastece acaba sendo, na prática, inexistente, pois o ajuste entre os impostos não representa necessariamente uma redução efetiva no preço dos combustíveis, mas sim uma redistribuição da carga fiscal».

O economista explica que a redução da taxa de carbono, «que à primeira vista pode parecer um colapso fiscal, acaba por ser neutralizada pelo aumento do ISP, resultando, na prática, em nenhum impacto significativo no preço final dos combustíveis para o consumidor».

E atira que o Governo implementou essa medida «para evitar que a sua arrecadação fiscal seja prejudicada, mas o preço na bomba continua elevado devido a outros fatores, como o preço internacional do petróleo e a elevada carga fiscal em Portugal. Assim, o que ocorre é uma redistribuição da carga tributária, sem um benefício claro para quem abastece».

Já Vítor Madeira, analista da XTB, que considera que, com estas alterações do Governo, «o preço final dos combustíveis acaba por ficar virtualmente inalterado» e que «quem abastece não sai beneficiado nem prejudicado de forma direta». 

Combustíveis caros…

Mas a verdade é que os preços dos combustíveis continuam a preços elevados, principalmente se formos comparar com anos anteriores. Se olharmos, por exemplo, para 2019, o preço médio da gasolina 95 simples era 1,466 euros. Hoje é de 1,795 euros. Já no caso do gasóleo, o preço em 2019 era 1,072 euros e hoje encontra-se numa média de 1,697 euros. Paulo Monteiro Rosa adianta que o aumento significativo dos preços dos combustíveis nos últimos anos está relacionado com diversos fatores. «O preço do barril de petróleo está cerca de 10% a 20% mais caro, influenciado pelos conflitos geopolíticos e pelos cortes na produção de grandes exportadores», adiantando que, entretanto, «o euro está mais baixo cerca de 10% relativamente à moeda americana e como o petróleo é cotado em dólares, uma moeda europeia mais fraca aumenta o custo de importação».

Já Vítor Madeira recorda que os preços dos combustíveis são influenciados por diversos fatores como é o caso do preço do petróleo nos mercados internacionais, a carga fiscal, os custos, a cotação do euro e do dólar e o efeito da inflação. «Os recentes períodos de elevada inflação que se sentiram nos últimos anos provocaram um aumento generalizado dos preços, pelo que esta tendência não se identifica apenas com os combustíveis», diz ao nosso jornal acrescentando que analisando o valor do Euro face ao Dólar Americano, verifica-se que, em 2019, o EUR/USD estava a ser negociado entre os 1,252 e 1,128. Atualmente, o EUR/USD está entre 10 a 20% mais baixo do que estava há cinco anos. «Além das variações no mercado cambial, os preços do petróleo continuam elevados, contribuindo ainda mais para os preços altos».

Mas defende que a carga fiscal nos combustíveis diminuiu, baseando-se em dados da Deco Proteste. «Em 2019, o peso dos impostos no preço da gasolina era de 61,9% e o peso dos impostos no preço do gasóleo era de 52,2%. Em setembro de 2024, estas taxas tinham diminuído para 57,1% e 51,5%, respetivamente».

Carga fiscal, a eterna culpada

É, no fundo, a carga fiscal que, nos últimos anos, tem sido acusada de ser a principal responsável pelos preços dos combustíveis em Portugal. E Paulo Monteiro Rosa concorda com esta ‘culpa’. «Os impostos, como o ISP e o IVA, representam uma grande parte do preço final pago pelos consumidores», diz, lembrando que, «apesar de ajustes ocasionais, como a redução temporária do ISP ditada pela inflação elevada e pelos preços elevados do barril de petróleo, a carga fiscal global continua alta, limitando uma descida significativa dos preços».

Já Vítor Madeira baseia-se em dados de setembro do ano passado, lembrando que, por essa altura, a carga fiscal representava cerca de 51,5% no preço final do gasóleo simples e de 57,1% no preço da gasolina simples. «Esta taxa tem, obviamente, um impacto direto nas contas dos consumidores», diz. No entanto, adianta que «é importante ter em conta que, de modo geral, a carga fiscal é elevada em Portugal, representando perto de 36% do PIB. A elevada taxa fiscal é, portanto, uma questão que afeta vários setores da economia portuguesa e não apenas o mercado dos combustíveis».

E Espanha?

É certo e sabido que os preços são mais acessíveis na vizinha Espanha. Para se ter uma noção, atualmente, em Espanha, a gasolina simples 95 custa uma média de 1,555 euros o litro e em Portugal 1,795 euros. Já o gasóleo, custa 1,479 euros no país vizinho. Por cá, a média é 1,697 euros. Paulo Monteiro Rosa explica que essa diferença deve-se, «em grande parte, à carga fiscal superior em Portugal», lembrando que, em Espanha, o ISP e o IVA aplicados aos combustíveis são mais baixos. «Além disso, existem diferenças logísticas e de mercado também internas e mais favoráveis a Espanha, mas os impostos explicam grande parte da disparidade». Em períodos diferentes, acrescenta, «a diferença no preço da gasolina simples pode variar entre 20 e 30 cêntimos por litro, tornando o abastecimento em Espanha atrativo para quem vive próximo da fronteira».

Já Vítor Madeira pede «cautela» na comparação de preços de combustíveis entre países «uma vez que há diferentes fatores que condicionam a comparação direta do preço final de produtos». Valores que dependem, por exemplo, dos custos associados ao transporte, do preço do petróleo no mercado internacional e da carga tributária num determinado país, entre outros. «Por exemplo, existem países com um poder de compra superior ao de Portugal, mas que registam preços semelhantes no abastecimento de combustíveis», diz.

E se voltarmos a 2008?

Olhemos para 2008. Em Portugal pagava-se 1,391 euros pela gasolina e 1,199 euros pelo gasóleo. Valores que até foram mais baixos em 2009 e 2010. Como é que o preço aumenta tanto em 17 anos? «Não é fácil justificar esse aumento de preço», diz o economista do Banco Carregosa. Mas explica: «O que é certo é que a carga fiscal tem aumentado ao longo dos anos, com a subida de impostos aplicados aos combustíveis, como o ISP e o IVA, e sobretudo taxas ambientais», fatores a que se junta a valorização da cotação do petróleo que se reflete diretamente no preço final. «Outros fatores, como a inflação e o aumento dos custos indiretos, também desempenham um papel importante na formação dos preços, já que os custos de logística, refinação e distribuição aumentaram ao longo do tempo», diz Paulo Monteiro Rosa acrescentando que, para agravar, «o contexto global e as crises recentes, incluindo a pandemia e os conflitos internacionais, têm afetado as cadeias de abastecimento, gerando maior volatilidade e preços mais elevados no mercado de energia».

Por sua vez, o analista da XTB alerta que é preciso também analisar o salário das pessoas e a evolução do seu poder de compra. «No caso específico dos combustíveis, o poder de compra no que toca aos combustíveis é praticamente imutável em relação à década passada», adianta.