O falcão-peregrino é conhecido como o animal mais rápido do mundo. Segundo o Guinness World Records este pássaro chega aos 320 quilómetros por hora quando está em posição de mergulho e há registos ainda mais impressionantes que dizem que pode bater os 385 quilómetros por hora.
Em novembro do ano passado, a ave voltou a surpreender: os cientistas observaram que “um representante da espécie foi capaz de capturar uma presa a três mil metros do solo”. Este é o registo mais alto de predação já realizado segundo os investigadores holandeses que estudam os hábitos da tarambola-cinzenta (uma ave que migra em elevada altitude). Estes procuram entender por que é que esses animais voam tão alto durante a migração. Apesar de ainda não terem a resposta, garantem que o registo “surpreendente” referido acima, já fez o estudo valer a pena.
De acordo com Michiel Boom, ecologista de migração da Universidade de Amesterdão, numa entrevista ao The New York Times, a tarambola – que virou refeição – estava a ser monitorizada pelos cientistas, que foram apanhados de surpresa pelos dados registados durante o voo do pássaro. “A primeira coisa que notámos foi uma súbita mudança de direção”, revelou. Enquanto as outras tarambolas seguiam na direção noroeste, apenas uma começou a ir para o sudeste. “Também baixou muito de altitude e parou numa pedreira – o que é incomum para a espécie. Logo depois, o rastreador parou de se mover. Assim, as evidências apontaram para a hipótese do pássaro ter sido caçado”, descreveu.
O ecologista adiantou que os restos mortais da ave, bem como o seu rastreador, foram encontrados a 200 metros de um ninho de falcão-peregrino.
Segundo o artigo publicado na revista Ecology, isto aconteceu na Suécia e a equipa de cientistas holandeses cruzou diversos outros dados para chegar à conclusão de que a tarambola havia sido caçada por um falcão.
Boom alertou ainda que são várias as mortes nas encostas de montanhas ou planaltos de alta altitude. No entanto, quanto a uma luta pela sobrevivência envolvendo predador e presa a quase 10 mil pés de altura no céu? É algo raro. “Da perspetiva de um predador, se houver grandes bandos de pássaros migratórios a voar nessas altitudes realmente altas, pode ser realmente benéfico subir tão alto e caçar”, disse ainda o ecologista à mesma publicação. O especialista acrescenta que, ao capturar a presa tão alto, o predador pode “economizar energia descendo lentamente até um local seguro onde se possa abrigar”.
Proteger os aeroportos
O controlo da avifauna nos aeródromos e aeroportos é importante, pois permite às aeronaves aterrarem e descolarem em segurança, evitando incidentes entre as aves e as aeronaves que acabariam por custar milhares de euros às companhias.
Dadas as suas características, os falcões são utilizados para combater os perigos – patos, gaivotas, pombos ou estorninhos, por exemplo –, que ameaçam os aviões e, consequentemente, os seus passageiros.
“São aves de rapina que têm a característica de voar a grandes altitudes. Chamadas as aves de alto voo têm a capacidade de assumir grandes velocidades devido a forma aerodinâmica de voo que assumem, pois como sobem muito, fazem voos picados sobre as suas presas, que na sua maioria são outras aves, explica Paulo Pereira, falcoeiro da Falcões no Oeste a realizar Controlo no Aeroporto de Cascais. A Falcões no Oeste é uma empresa que se dedica à educação ambiental e ao controlo biológico de avifauna com recurso às aves de rapina. “Somos parceiros oficiais da Tapada Nacional de Mafra, tal como somos o falcoeiro do aeroporto de Cascais”, acrescenta o responsável.
As aves de rapina, nomeadamente os falcões, são utilizados desde meados dos anos 90 em Portugal para controlar a avifauna. “No aeroporto de Cascais esta forma de controlo só teve início em 2018, sendo que nós nos encontramos a realizar a mesma desde 2022”, conta Paulo Pereira.
Segundo o falcoeiro, utiliza-se as aves de rapina para se “usufruir da causa/efeito que a presença e pressão de um predador exerce sobre um determinado indivíduo/ou grupo – leia-se presa -, contribuindo assim no afastamento destas espécies do local pretendido”.
Interrogado se, desde essa altura, se alterou muita coisa no método utilizado, este garante que não, “pois estamos a falar de uma atividade exercida com animais com uma génese muito primitiva”. “São predadores e é graças a isso que existe eficácia no procedimento – a pressão que estes exercem como predadores junto das presas. Cada falcoeiro terá o seu método de trabalho, mas a base é sempre a mesma”, afirma.
Relativamente aos treinos destes animais, Paulo Pereira diz ser necessário “muita dedicação, paciência, tempo, e aquisição de confiança de ambas as partes”. “Não nos podemos esquecer que estamos a falar de um predador… É uma ave sim, mas um predador… Não é um objeto de adoração, nem uma coisa fofinha. Por mais belo que seja, não deixa de ser aquilo que é. Não nos são fiéis, e o elo de confiança que têm com o seu falcoeiro é uma linha muito frágil que tem que ser cuidada diariamente”, assegura.
As diferentes espécies
E claro que existem várias espécies. Para esta atividade, os melhores, enumera Paulo, são: os Falcões Peregrinos, Falcões Sacres e Falcões Híbridos de Sacre x Gerifalte.
Segundo a Green Savers, o falcão peregrino é uma ave de médio porte, com o pescoço curto, corpo compacto e cabeça arredondada com grandes olhos negros. As asas são longas e pontiagudas e a sua cauda é curta. Se observado a pequena distância, são visíveis as patas amarelas, as barras transversais finas (no adulto) e o espesso “bigode”.
É uma espécie ornitófaga, ou seja, alimenta-se quase exclusivamente de aves, lê-se na revista sobre sustentabilidade e ambiente. “Apesar de ser um especialista, a sua ação predatória pode incidir sobre um número notavelmente alargado de presas. Em todo o mundo são reconhecidas mais de 20 subespécies”, acrescenta.
Os Falcões Sacres são grandes, com a plumagem castanha e branca e asas ligeiramente arredondadas. A cauda estende-se além das pontas das asas em repouso, dando-lhe uma aparência de “asas curtas”. Atualmente estão ameaçados devido à fragmentação de habitat e ao tráfico de animais selvagens, alerta a National Geografic num artigo de 2020.
Já o Falcão híbrido gerifalte x sacre mistura a plumagem alva dos falcões gerifalte do ártico à tenacidade e valentia dos falcões sacre do deserto. O cruzamento resulta numa mistura, onde ressalta o seu grande vigor híbrido. Estes resistem bem às condições climáticas. São os falcões de eleição em todo o mundo árabe.
Cuidados e perigos
De acordo com o falcoeiro, estas aves têm de ser todas nascidas e criadas em cativeiro e portadores de documentos CITES. Recorde-se que a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção, também conhecida como Convenção de Washington ou CITES, é um Acordo Internacional ao qual os países aderem voluntariamente, envolvendo atualmente um total de 183. De acordo com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), o seu objetivo é “o de assegurar que o comércio de animais e plantas não ponha em risco a sua sobrevivência no estado selvagem”.
“A CITES atribui diferentes Graus de Proteção a cerca de 5.800 espécies de animais e 33.000 espécies de plantas, inscritas em três Anexos consoante o Grau de Proteção”, acrescenta.
Os falcões, continua Paulo Pereira, têm que ter acompanhamento veterinário periódico e cuidados de higienização diários extremamente apertados para se evitar doenças.
Tal como acontece aos animais que pressionam e afugentam, estas aves de rapina podem ser alvo de predação por outras rapinas selvagens de maior porte. “Como predadoras que são, elas caçam-se umas às outras de acordo com a sua espécie e tamanho. Além disso, podem ser alvo de eletrocussão – morte provocada pela exposição do corpo a uma carga letal de energia elétrica. Estes são os de maior impacto e mais preocupantes”, lamenta.
O especialista adianta que, neste momento, tem dois falcões a patrulhar o aeroporto de Cascais.
Atividade no Aeroporto de Lisboa
Foi a partir de 2006 que a ANA – Aeroportos de Portugal começou a desenvolver medidas para as várias ameaças aos aviões, ao implementar o Sistema de Gestão da Segurança Operacional (Safety Management System). Segundo uma reportagem do Público, de 2018, o objetivo era gerir a ameaça através de vários intervenientes: o núcleo de gestão ambiental da empresa, as operações aeroportuárias, o gabinete de segurança, as principais companhias aéreas, o serviço de controlo de tráfego aéreo e o prestador externo de controlo da vida selvagem (falcoeiro) que “passaram a trabalhar em conjunto para definir táticas e estratégias de controlo, mitigação, ou exclusão dos riscos que este perigo representa para a operação do aeroporto”.
Foram então criados comités dedicados ao estudo e análise de problemas relacionados com a segurança operacional: Comité de Segurança de Pistas, Comité de Segurança de Plataformas e Comité de Emergências. Nessa altura, escreve a mesma publicação, o responsável de segurança operacional do Aeroporto de Lisboa, Paulo Medo, propôs que fosse criado mais um: o Comité de Vida Selvagem. Para si, “era fundamental existir uma abordagem a todos os assuntos relacionados com a vida selvagem e sua afetação da segurança operacional do aeroporto, estudando e propondo medidas a implementar no sentido de salvaguardar as operações das aeronaves”.
O responsável revelou também ao mesmo jornal que a licença que tinham do ICNF era clara “quanto a não causar danos físicos ou stress às aves no processo de afugentamento daquelas das áreas operacionais, salvo raras exceções”.
Entre as várias espécies que coabitam ou sobrevoam o aeroporto de Lisboa, Paulo Macedo referiu na altura que são sobretudo gaivotas, andorinhas, pombos selvagens, patos selvagens e os estorninhos, que normalmente voam em bando.