A obra de J.R.R.Tolkien (1892-1973), já difundida mundialmente na forma de livros, se popularizou ainda mais nos filmes dirigidos pelo cineasta australiano Peter Jackson no início do Século XXI, e em 2022 foi lançada uma série derivada da trilogia original, ambientada milênios antes, chamada de “Os anéis do poder”, e que está centrada na forja dos anéis que tem papel relevante na parte mais conhecida da obra original.
A adaptação mostra o poder sedutor dos anéis frente aos povos da Terra Média, por se apresentarem como soluções fáceis frente aos problemas complexos e aparentemente insolúveis que padeciam cada um dos grupos da mitologia naquele momento.
Dialoga essa questão com os chamados wicked problems (problemas perversos), que como trazido por texto de 1967 de C.W. Churchman, referem-se àquela classe de problemas que são mal formulados, onde a informação é confusa, onde há muitos clientes e tomadores de decisão com valores conflituantes, e onde as ramificações em todo o sistema são complexas e as soluções acabam sendo mais danosas que os sintomas.
Assim, transitam em instâncias de poder em todo o mundo textos e documentos, formais e informais, repletos de soluções fáceis, algumas imorais, por vezes fantasiosas, e de efetividade duvidosa e as suas consequências podem ser danosas a médio ou longo prazo, assim como foram os anéis do poder ao longo da literatura de Tolkien.
Uma solução fácil, de superfície, tampão, por vezes é um mero protelador de consequências dos problemas, fazendo esses ressurgirem de forma mais complexa. Por vezes é uma formosa deturpação de uma ideia tradicional e amplamente aceite, e que vale para uma coisa, mas não vale para outras, e nesse sentido, quando falamos da agenda anticorrupção, repleta de “problemas perversos”, essa ideia de soluções fáceis e erradas sempre surge.
A detecção, prevenção e punição da corrupção é tão complexa quanto é esse fenômeno, e cuida se atentar para as soluções que são adotadas frente a casos concretos de grande repercussão ou em planos estruturantes. Soluções onerosas, pouco efetivas e com incentivos perversos são acompanhadas de doses de populismo e imediatismo, sem entender a complexidade do contexto que envolve determinado caso de corrupção, que mais que um caso isolado, sempre tem uma raiz sistêmica.
A trajetória da sociedade na mitigação do fenômeno da corrupção tem sido morosa e trabalhosa, e não há indicativos que haverão mudanças nesse sentido, e o que fugir dessa visão mais realista pode ser uma bela armadilha.