Amadeu Guerra estreou-se, esta segunda-feira, como orador do arranque do Ano Judicial, depois de ter tomado posse como Procurador-Geral da República, há 3 meses.
Na sua intervenção, reiterou algumas das preocupações que já tinha manifestado na sua tomada de posse.
“Lembro, nomeadamente, a necessidade de uma justiça mais célere e mais próxima dos cidadãos. Mas também as matérias relativas à mobilização do Ministério Público no combate aos novos tipos de criminalidade, ao comprometimento com as causas sociais, com a defesa da justiça ambiental, a proteção do meio ambiente, um esforço de capacitação para compatibilizar a defesa da ação climática com outros interesses sociais legítimos, bem como a preservação do segredo de justiça”.
Destacou também, ao nível da Lei de Política Criminal, os elevados números relativos aos crimes de homicídio em contexto de violência doméstica e os crimes de violência doméstica, a criminalidade económico-financeira – com particular incidência para a corrupção e crimes conexos – o branqueamento, a cibercriminalidade, a criminalidade grupal e a criminalidade praticada por menores de 16 anos.
“Estamos atentos, igualmente, ao crime de terrorismo, aos crimes de tráfico e de pessoas, ao auxílio à imigração ilegal, à criminalidade praticada contra pessoas vulneráveis, em particular os idosos e menores”, acrescentou.
Em seguida, Amadeu Guerra deu destaque a “quatro temas estruturantes, os quais não podem ser ignorados” este ano: a Autonomia Financeira da Procuradoria-Geral da República, o Tratamento de dados pessoais dos inquéritos, a Carência de Magistrados e de Oficiais de Justiça e a Estratégia de Recuperação de Ativos.
Em relação à autonomia financeira, Amadeu Guerra lembrou que Portugal beneficia de vários fundos comunitários, mas que a Procuradoria-Geral da República “não obteve ganhos significativos ao nível das tecnologias e sistemas de informação, dos quais está carenciada, não dispondo, sequer, de verba para assegurar a interoperabilidade dos seus sistemas com o CITIUS”.
“As verbas disponíveis foram concentradas, tanto quanto se sabe, no IGFEJ e na DGAJ”, acrescentou, sublinhando que o atual estado das coisas “afeta a autonomia dos Tribunais, que – não recebendo os meios destas entidades governamentais – ficam condicionados”.
“Só a concretização da autonomia financeira da Procuradoria-Geral da República – que se espera seja operacionalizada no orçamento para 2026 – permitirá ao Ministério Público gerir, de forma mais criteriosa, as verbas disponibilizadas, sem aumento de encargos para o erário público. Recorda-se que o Conselho Superior da Magistratura e o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais já dispõem de autonomia financeira, com resultados muito significativos”, acrescentou.
Já sobre o tratamento de dados pessoais dos inquéritos, o PGR lamentou que o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ) não tenha demonstrado disponibilidade para integrar, no sistema CITIUS, qualquer aplicação vocacionada para o inquérito.
“Pelo contrário, tem criado dificuldades que, neste momento, se traduzem numa situação, no mínimo, insólita: os inquéritos do DCIAP anteriores a junho de 2023 estão registados na aplicação que o DCIAP sempre utilizou (ainda instalada em servidor da PGR) e os inquéritos posteriores a junho de 2023 estão registados no CITIUS”, disse.
A Procuradoria-Geral da República investiu numa aplicação informática capaz de colmatar essas limitações, adiantou Amadeu Guerra, sublinhando que esta solução permitiria, “para além de uma maior celeridade dos inquéritos, um controlo rigoroso em relação ao acesso e consulta dos dados dos inquéritos do DCIAP e dos DIAP Regionais, através de servidor alojado na PGR”.
“Queremos que os inquéritos do DCIAP e dos DIAP’s – com informação sensível e mediática – estejam sob o nosso controlo e não sob o controlo do IGFEJ, entidade dependente do Ministério da Justiça. É uma questão de princípio e não implica qualquer desconfiança concreta em relação às pessoas que ocupam cargos no Ministério da Justiça ou no IGFEJ”, disse.
Relativamente, à falta de profissionais no setor, Amadeu Guerra destacou os oficiais de Justiça, onde existe uma “enorme carência”, que limita, “em muito e de forma significativa”, a celeridade processual.
“O mais preocupante é que nem o recente concurso de oficiais de justiça – que pretende colocar nos tribunais 750 pessoas – contribui para colmatar, ao nível do Ministério Público, as insuficiências sentidas”, disse enumerando as comarcas e o número de oficiais em falta.
Por último, o PGR abordou a questão da recuperação de ativos, cuja estratégia já se encontra “elaborada e disponível” no site da PGR.
“Todos os magistrados do Ministério Público interiorizam a indispensabilidade de realizar uma investigação patrimonial e financeira tendente a confiscar, aos criminosos, as vantagens que obtiveram com a prática do crime. Só deste modo conseguiremos intervir, eficazmente, numa das principais (senão a principal) causas da corrupção e crimes conexos”, garantiu, adiantando que já reuniu com o diretor da PJ, que “se mostrou disponível e entusiasmado com a vontade de assegurar outra dinâmica ao Gabinete de Recuperação de Ativos.
O PGR defendeu que os “bens recuperados devem ser vendidos mais rapidamente, evitando que se degradem e percam valor, como acontece com os automóveis que permanecem anos a fio em armazéns”.
A terminar, manifestou o desejo de que 2025 traga a concretização de todas as propostas já citada, “em benefício da boa administração justiça e dos seus destinatários: os cidadãos”