Nota prévia: Numa véspera de Natal impõe-se uma reflexão sobre a sociedade portuguesa. Reconheça-se que as coisas não estão bem. O governo tem feito um esforço de recuperação de salários e pensões, mas o país está muito frágil por não haver perspetivas de um verdadeiro crescimento. Interessa menos saber se temos uma variável decimal no défice e mais termos a noção de que há fábricas a fechar semanalmente, atirando gente com bem menos de 60 anos para o desemprego. Os setores ligados ao automóvel estão ameaçados, o que é preocupante para quem tem a Autoeuropa como maior unidade, gerando 1,5% do PIB. O Estado nem sempre pode intervir e corrigir, apenas pode minimizar. Ao menos que as ajudas sejam rápidas e a procura ativa de alternativas de trabalho sejam enquadradas por instituições como a Segurança Social e o IEFP, que são pouco eficientes e muito burocratizadas. Dispensa-se intervenções tipo EFACEC, que nos custa milhares de milhões…para nada. E ainda há quem pense que o génio da proeza, o ex-ministro Siza Vieira, poderia dar um candidato à câmara de Lisboa. Valha-nos Deus!
1. Logo no dia em que deixou o ativo, a escassas horas de passar de Almirante a Henrique, Gouveia e Melo soube que meteu água na forma como agiu sobre os militares do guarda-costeiro Mondego, que se recusaram a integrar uma missão de escolta de um navio russo ao largo da Madeira. As sanções aplicadas foram anuladas por um tribunal. Convém recordar que os militares tinham tanta razão que o navio avariou uns dias depois em alto mar, sendo humilhantemente rebocado para gáudio de muitos e hilaridade dos russos. No momento em que se prepara para entrar como favorito na corrida à presidência da república, é desejável que Gouveia e Melo tome consciência de que, muito mais do que nas Forças Armadas, a política com responsabilidade exige uma ponderação rigorosa das decisões, sejam elas executivas ou de outra ordem, como, por exemplo, as dezenas de promulgações complexas que competem ao chefe de Estado. Ultimamente, há quem tente colocar no Governo e no Parlamento a condução política do país, remetendo a presidência para uma mera função arbitral, ainda que dotada de poderes extremos. É uma simplificação excessiva. Para não falar de episódios de natureza mais pontual com Marcelo, lembre-se os embaraços e dificuldades que Eanes criou a Soares e os obstáculos sistemáticos que Soares colocou a Cavaco. Apesar do nosso regime ter um maior pendor parlamentar do que presidencial (ao contrário do francês), não é isso que transforma o presidente num verbo de encher, se ele não quiser. Daí que a postura desejável de um chefe de Estado seja criar pontes, formas de diálogo e desenvolver uma colaboração institucional estratégica a nível interno e ainda mais externo. A multiplicação de tensões públicas numa altura em que tudo é escrutinado ao minuto contribui para o ruído e a criação de uma tensão excessiva na sociedade. Os problemas e as divergências só em última instância devem chegar à opinião publica e é precisamente por isso que os presidentes e os chefes de governo se reúnem semanalmente desde sempre. Marques Mendes, cuja decisão de candidatura parece estar a ser antecipada, tem tido o cuidado de sublinhar precisamente a necessidade de colaboração institucional como fator decisivo de progresso do país. As suas longas experiências executivas e parlamentares conferem-lhe os atributos necessários para uma função presidencial construtiva e pedagógica, uma vez que conhece como poucos os meandros e as armadilhas que a vida política tece aos que nela desembarcam sem preparação específica, como é notoriamente o caso de Gouveia e Melo. A falha jurídica deste protocandidato ao validar uma decisão considerada ilegal não abona a seu favor e da sua preparação nesse campo. Antes pelo contrário.
2. É altamente provável que venhamos a ter dois Andrés na corrida a Belém. Embora ambos morenos, distinguem-se bem quando abrem a boca. um, o Ventura, é de direita retinta e o outro, o Pestana, é de esquerda radical, apesar de ter nome de milionário. O de direita incomoda os moderados daquelas bandas, designadamente os liberais e o CDS. O de esquerda pode causai estragos irreparáveis ao aburguesado Bloco ao PCP, uma vez que é um ativíssimo sindicalista concorrente da CGTP. O Pestana foi lesto e adiantou-se a todos os da sua área, numa jogada à Sampaio. O Ventura ainda pondera, mas vai ter de ir à luta, mesmo que não queira. Os extremos já estão cobertos e veremos se se tocam mesmo.
3. Operações semelhantes à que a PSP levou a efeito, na sexta feira, no Intendente, em Lisboa e noutros pontos, aconteceram no tempo do PS e antes, com a diferença de que não eram tão mediatizadas e muito menos criticadas por políticos de esquerda, uma vez que governavam. É especialmente irónico ouvir Ferro Rodrigues comparar aquilo com fascismo e comunismo. Logo ele que quando era presidente do parlamento era frequentemente acompanhado de um guarda costas dentro do Palácio. As intervenções aparatosas não são realmente as mais eficazes. Até porque a marginalidade sinaliza a chegada e tem tempo para desaparecer. O que serve para dar segurança e a respetiva perceção é uma presença policial constante, especialmente à noite. Ora ela não existe. E poderia ter mínimos se a polícia municipal de Lisboa não fosse uma inutilidade e uma simples entidade fiscalizadora e autuante de automobilista, que fecha aos fins de semana. Em múltiplas cidades francesas e não só, essas polícias assumem o controlo e intervêm nas zonas mais problemáticas. Atuam à vista e bem armadas. Está tudo inventado. É só uma questão de o governo e, por exemplo, a Câmara de Lisboa quererem mudar os paradigmas de ação. Tal como estão, por mais operações aparatosas que se façam, as coisas não vão mudar. Antes pelo contrário. Mas uma coisa é a criminalidade de rua que incomoda e perturba a cidadania no seu quotidiano e outra é a que está a montante e que importa drogas, produz contrafações, envolve lavagem de dinheiro em grande escala, tudo escondido atrás de negócios de fachada. Associados a esse tipo de práticas têm surgido crimes de altíssima violência, designadamente no norte do país. Aí a escala é outra. Já não são pequenos marginais, mas verdadeiros padrinhos, que não hesitam em mandar matar. Reconheça-se que nesse campo tem havido intervenções positivas da Justiça e das diversas polícias. Mas mesmo assim, há indicadores que começam a ser muito preocupantes, como reconhecem os especialistas.
4. Mais uma vez um mercado de Natal foi alvo de um ataque terrorista. Voltou a ser na Alemanha, mas já sucedeu noutros países. O autor foi um louco, terrorista em potência, saudita e médico psiquiatra. Foi esse, mas podia ter sido um outro cidadão de qualquer nacionalidade. Há loucos e terroristas em todo o lado. E as grandes concentrações de pessoas em épocas festivas são alvos potenciais. Há medidas de segurança que em circunstância alguma podem ser aligeiradas. Até mesmo num país que se acha de brandos costumes.
5. Estamos a entrar na primeira fase decisiva da construção e remodelação da situação aeroportuária de Lisboa. Há que estar muito atento a tudo para que o Estado consiga mesmo minimizar o seu risco, a fim de não suceder o que se passou com algumas experiências derrapantes no campo rodoviário. A primeira notícia menos boa foi é que vai ser preciso um estudo de impacto ambiental para mexer provisoriamente na estrutura do aeroporto Humberto Delgado. Além de uma inutilidade, a decisão vai gerar mais um atraso. Quanto ao estudo que a ANA entregou para se responsabilizar por grande parte da construção de Alcochete, todo o cuidado é pouco. É que há uns dois anos falava-se em algo como 5 ou 6 mil milhões e agora já circulam números que atiram para 9 mil milhões. Se o nível de derrapagem for esse teme-se o pior com os subsequentes ajustamentos, que nos podem deixar novamente de tanga, como um dia lucidamente disse Durão Barroso.