Está a terminar o ano mais quente de sempre. Durante ele, a temperatura média global do planeta superou em 1,5 graus Celsius os valores da era pré-industrial. Esse aumento não deveria ser ultrapassado até o final do século para evitar os piores efeitos da crise climática. E a má surpresa veio acompanhada de eventos climáticos extremos, mais frequentes e mais intensos. São muitos os que falam em salvar o planeta mas continua a faltar salvá-lo! Com este artigo, pretendo dar eco a um movimento lançado neste final de ano que reflete a urgência de encontrar soluções para a crise climática global. Foi iniciado com um editorial publicado na revista FEMS Microbiology Ecology (1) que apela à implementação, imediata e generalizada, de soluções baseadas na atividade de microrganismos para resolver ou mitigar a crise climática mundial. Publicado por 13 outras revistas científicas editadas por reputadas e influentes editoras e sociedades científicas internacionais, este movimento, inédito, é prova de um amplo consenso com vista à implementação de medidas tangíveis que aproveitem o poder dos microrganismos para a proteção do planeta. Nesta ótica, é urgente que agências financiadoras e decisores políticos trabalhem com seriedade com cientistas, engenheiros e empresas para enfrentar, a nível global, a emergência climática com base em conhecimento científico e de forma eficaz.
Não é possível ignorar as catastróficas consequências que a atividade humana tem tido nas comunidades ecológicas em que a diversidade microbiana representa uma grande parcela das perdas globais de biodiversidade. A vida no nosso planeta depende dos microrganismos; salvemo-los para salvar o planeta! (2). Os microrganismos foram o primeiro tipo de vida a aparecer no planeta, estão presentes mesmo em ambientes inóspitos e desempenham papéis críticos na saúde humana, animal, climática. Embora microscópicos e frequentemente ignorados, conduzem os ciclos biogeoquímicos do nosso planeta, são responsáveis pela emissão, captura e transformação dos gases com efeito de estufa e controlam o destino do carbono nos ecossistemas terrestres e aquáticos. Todos os organismos e ecossistemas dependem da atividade de um microbioma (conjunto de microrganismos associado) que os auxilia na aquisição de nutrientes, na defesa contra agentes patogénicos e noutras funções essenciais. Os microbiomas têm um potencial pouco explorado e ainda não implementado em grande escala para Terapias Microbianas (aplicação de probióticos, pósbióticos e prebióticos, mitigação de microbiomas nocivos, restauração de microbiomas benéficos em hospedeiros e ecossistemas). A boa gestão dos microbiomas permitirá melhorar a saúde humana, animal e ambiental, restaurar e reabilitar a vida selvagem e de ecossistemas, implementar uma agricultura sustentável. Em Biorremediação, a decomposição microbiana de poluentes é essencial à saúde ambiental, permitindo a gestão de resíduos industriais e a restaurações de terrenos contaminados e sedimentos. O aumento do Sequestro Microbiano de Carbono nos solos e oceanos, na redução do CO2 atmosférico e no controlo da redução do pH dos oceanos, permite aumentar a sustentabilidade agrícola e florestal e a vida marinha. A Gestão de Azoto com base em bactérias simbióticas permite a fixação do azoto atmosférico, melhorando a fertilidade dos solos, reduzindo o uso de fertilizantes, diminuindo a eutrofização e as emissões de gases com efeito de estufa e aumentando a produção agrícola. A Oxidação do Metano por bactérias metanotróficas mitiga o efeito deste gás com efeito de estufa pela sua transformação em compostos menos nocivos. Contudo, embora os microrganismos possam ajudar a mitigar os impactos das alterações climáticas, poderão também até agravar o problema, e as alterações climáticas podem mudar a relação microbioma-hospedeiro de benéfica para prejudicial. Estas interações, delicadas e complexas, que não podem ser detalhadas aqui, implicam a necessidade de compreender e monitorizar as respostas microbianas ao aquecimento global.
A enorme diversidade do metabolismo dos microrganismos permite-lhes atuar como microfábricas celulares na produção biotecnológica de múltiplos bioprodutos de valor, entre eles os biocombustíveis avançados (3) para o transporte aéreo e rodoviário que é uma das principais fontes de emissão de gases com efeito de estufa e de poluição atmosférica. Preservar e explorar a biodiversidade microbiana é essencial e são notáveis os recentes avanços das biociências e das biotecnologias para alavancar esses bioprocessos. Considerada um pilar da transformação com vista à descarbonização dos processos de produção, à valorização dos recursos microbiológicos e à aplicação da economia circular, a Bioeconomia é um paradigma emergente para encontrar soluções para a transição de uma economia centrada em combustíveis fósseis e enfrentar os desafios inerentes (3).
Dentro de uma semana terminará um ano bem revelador da crise climática. Resta ainda a oportunidade de uma maior cooperação global em torno de soluções inovadoras e a adoção acelerada de práticas sustentáveis para mitigar mais danos e criar resiliência às alterações já em curso. A ciência microbiológica na vanguarda da resposta global à crise climática!
Nesta época natalícia, há que colocar no sapatinho das novas gerações um conjunto de soluções poderosas para a proteção do planeta e a resolução de problemas muito difíceis de resolver. É uma prenda para a Vida!
(1) https://doi.org/10.1093/femsec/fiae144
(2) https://ionline.sapo.pt/2023/09/12/a-vida-no-nosso-planeta-depende-dos-microrganismos/
(3) https://ionline.sapo.pt/artigo/728099/-as-biorrefinarias-a-economia-circular-e-a-microbiologia?seccao=Opini%C3%A3o_i
Professora Emérita do Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa