Nota prévia: Embora faltem uns dias para 2025, é possível eleger a figura mundial do ano. Não há que ver. Trump leva a palma. O impensável regresso aconteceu mesmo. E não se pode atribui-lo apenas às falhas de Kamala e de Biden. Trump é mais showbiz do que político ou empresário. É um temível populista que simplifica o discurso como ninguém. Tem com ele a metade dos americanos que pensam que os Estados Unidos ainda podem voltar a ser a maior potência do mundo, embora a realidade aponte para a China. Como figura, Trump só poderia ter como rival Javier Milei, eleito há um ano. Apresentado como louco, demagogo e populista de extrema direita, o argentino pôs em marcha uma transformação dolorosa, geradora de pobreza, mas que pode finalmente relançar um país que há pouco mais de cem anos era comparado aos Estados Unidos, dado o seu enorme potencial, delapidado por sucessivos erros e demagogos de esquerda e direita, todos corruptos.
1. Se o ridículo político matasse os aspirantes a grandes cargos, a semana passada teria causado pesadas baixas. Três para ser concreto. Em primeiro lugar, uma figura que poderíamos chamar Almirante-Dom-João-Henrique-Gouveia-e-Melo-Segundo, ridiculamente reproduzido na revista da Armada numa banda desenhada canhestra. Além disso, o almirante ainda aparece em sete fotos na revista. Diz a marinha que a criatura não sabia. Pior a emenda que o soneto! Mau para um chefe militar, pior para um aspirante a Presidente da República. No campo civil veio o inenarrável Augusto Santos Silva pôr-se em bicos de pés no Expresso, dando bitaites políticos. Logo ele que nem conseguiu ser eleito pelos emigrantes para o Parlamento. Apesar de ter andado a circular abundantemente entre eles, foi ignorado e preterido para um desconhecido do Chega, partido onde é tão adorado como um padrinho de crisma. É que no seu mandato de presidente do Parlamento hostilizou tanto Ventura que o ajudou muito a crescer. O terceiro é Pacheco de Amorim. Figura presente na direita radical desde o 25 de Abril, vendeu-se sempre como um homem austero, quiçá inspirado no personagem de Santa Comba, esse, sim, impoluto, embora implacável. Mas no melhor pano caiu a nódoa. Veio a conta do motorista deste vice-presidente da Assembleia da Democracia, adornada com 600 horas extraordinárias. Explicação: Amorim mora longe de Lisboa, representa o Estado e até prescindiu de um subsídio para casos como o dele, seja lá o que isso for em quilómetros. Obrigadinho pelo jeito! Já agora, um conselho. Há um passe ótimo que o dr. Montenegro faculta por 20 euros mês para andar de comboio. E em Lisboa, se não é residente, pode ter um passe simpático por ter mais de 65 anos. O erário público agradecia e, eventualmente, a família do motorista também.
2. Como na roleta, o jogo presidencial segue até o croupier dar o sinal “les jeux sont faits”. Nos últimos dias falou-se de mais dois nomes: António Vitorino e Paulo Portas como novéis “ponderantes”, cumprindo-se no caso do primeiro o adágio de que “não há festa nem festança a que não vá Dona Constança”. As exceções no grupo de ponderadores e putativos candidatos são duas: Marques Mendes e António José Seguro, que admitiram a hipótese, e já foram líderes dos dois maiores partidos nacionais, tendo, portanto, curricula para apresentar, goste-se deles ou não. Já André Ventura recuou na adesão ao almirante. Afinal pondera uma candidatura a Belém, a qual, obviamente, só acontecerá se Passos se mantiver firme na recusa. Ventura percebeu que pode calhar-lhe em Belém uma figura que o ignore, o que é uma desgraça para quem vive do ruído. Mas adiante. O que interessa sublinhar, nesta altura, é que qualquer que seja o próximo Presidente, será o primeiro que não teve qualquer papel no derrube do anterior regime e na construção da democracia nos anos iniciais, ainda que tenha nascido nessa altura para a política. Encerra-se, assim, um ciclo iniciado com a primeira eleição presidencial em 1976. Vejamos, começando pelo atual. Marcelo foi um efetivo dissidente, apesar das ligações familiares ao regime. É indiscutível que não se revia no que tínhamos. No pós-revolução, esteve em todas as frentes da construção democrática. Cavaco, mais discreto, andou mesmo assim pela Capela do Rato antes da revolução, o que já é qualquer coisa. Cedo aderiu ao PPD, sendo o ministro das finanças e homem de confiança de Sá Carneiro para as contas, o que o distinguiu desde logo. Jorge Sampaio foi grande oposicionista do salazarismo, tanto na política pura como na corajosa defesa dos presos políticos, vindo a juntar-se ao PS, depois de militar no MES. Mário Soares fez tanto pela Liberdade, antes e depois de Abril, que é por muitos considerado, legitimamente, o principal lutador pela Democracia, o que dispensa comentários. Eanes, o primeiro presidente eleito, foi fundamental. Teve intervenção no movimento dos capitães, foi decisivo na reposição da via democrática no 25 de Novembro e, na presidência da república, assegurou a transição total das instituições para a sociedade civil. Doravante, o Presidente será diferente. Não teremos mais um dos implantadores do regime, mas alguém que será produto da Democracia, ainda que possa ter grande experiência política e participado nas muitas modificações estruturais. Nada disso deslustra, antes pelo contrário. Com a saída de Marcelo, abre-se outro ciclo. Virá alguém com uma experiência mais marcada pela entrada na CEE e na UE. Há quem possa achar que isso é irrelevante, mas não é. O próximo não terá o escudo protetor de um passado fundador do Estado democrático na sua implantação inicial. Terá mais a ver com aspetos de uma caminhada que não conseguiu tirar Portugal da cauda da Europa.
3. O Partido Comunista Português realizou mais um congresso glorioso. Foi lindo e mobilizador, na boca dos comunistas. Reafirmaram-se as posições e convicções que são mais ou menos as mesmas de sempre, tanto interna como genericamente em termos planetários. No primeiro congresso de Paulo Raimundo, o PCP mexeu umas pedras no seu xadrez e rejuvenesceu muito ligeiramente, o que terá resultado do envelhecimento de muitos. Mas está tudo igual. A culpa mantém-se: do grande capital, dos americanos, da NATO e da extrema-direita. O balanço não podia ser mais óbvio. O PCP é irreformável e caminha inexoravelmente para se tornar uma memória. O seu último bastião são as autarquias que ainda vai governando, mas é forçoso reconhecer que, hoje em dia, nem aí o partido tem conseguido fazer obra comparável à da maioria dos adversários, designadamente socialistas e sociais-democratas.
4. Sem surpresa, Macron foi buscar o centrista François Bayrou para tentar governar a França. Bayrou, que já esteve perto de ser candidato ao Eliseu, é mais moderado e mais hábil do que o infeliz Barnier, que nem teve tempo de aquecer o lugar. Como não pode haver eleições antes do verão, é provável que o seu governo aguente até lá e produza rapidamente um orçamento. Mas não se espere muito mais do que isso. A França tem um problema enorme: os franceses ou, melhor, as pessoas que vivem e votam no hexágono, o que não é bem a mesma coisa. Da soma de todos é que se pode dizer com propriedade que não se governam nem se deixam governar.
5. Logo após a queda do sanguinário Bashar al-Assad, Israel lançou uma ofensiva contra a Síria, onde tomou posições no terreno para alargar a zona tampão. A Síria nunca foi um país. É um espaço onde nem o regime de Assad, apesar dos apoios russo-iranianos, conseguiu controlar o território definido pelos europeus, ao contrário do que sucede em Africa. Ninguém pode assegurar que os novos senhores são diferentes dos movimentos mais radicais do Afeganistão, por exemplo. A ofensiva limitada de Israel é uma ação preventiva. Sempre que os dirigentes hebraicos foram passivos sofreram ataques, levando-os a retaliações criminosas. Em Israel, esperar que aconteça é morrer. Viu-se com o massacre de 7 de outubro, a tomada de reféns pelo Hamas e a brutal destruição de Gaza. Os desenvolvimentos em curso na Síria são também mais uma dificuldade na luta dos curdos pelo direito a um estado. Se há povo mártir, heroico e com princípios naquelas paragens é esse. Vivem ignorados, na pobreza e em guerra permanente contra sírios, iraquianos, iranianos e sobretudo turcos, sem que Guterres se indigne muito com isso.