A Ucrânia e o futuro da União Europeia


Ao dia de hoje não sabemos, talvez porque ainda não exista, o detalhe da política para a Ucrânia por parte da Administração Trump.


Damos por adquirido um regresso dos EUA ao isolacinismo (uma dominante na sua história), uma exigência de fair Burden Sharing nas despesas com defesa (começando pela NATO), uma abordagem proteccionista à economia americana (que inclui um poderoso sector da indústria de defesa que se multiplica pelos segmentos dual use) e uma forma transaccional de fazer política por parte do recém-eleito Presidente.

Com estes ingredientes o que é que a União Europeia, acompanhada por um Reino Unido  assustado com os ruídos provenientes de Washington, pode “cozinhar” e apresentar a Trump? A Europa continua sem capacidade efectiva para fornecer à Ucrânia, em tempo útil e na quantidade adequada, as armas e munições necessárias à guerra de desgaste (ou, em caso de cessar fogo, à reposição dos stocks). Trump não quer que o contribuinte americano continue a pagar esta despesa. Poderão os europeus organizar-se para comprar, a benefício da Ucrânia, as armas e munições, mantendo empregos e criando riqueza nos EUA?

O processo de tomada de decisão na UE é lento e, no caso da defesa e da política externa, sensível ao veto, sendo certos os da Hungria e da Eslováquia e, quiçá, no futuro próximo, o da Roménia. Mesmo que seja tomada a decisão política, o seu financiamento obrigaria à emissão de dívida pela UE e o veto da frugal Alemanha, num contexto de provável regresso da CDU ao Governo federal, já em Fevereiro, torna impossível a substituição dos dólares americanos pelo euro.

A “paz” resultará de uma negociação liderada pelos EUA, num package deal que começará por procurar o acordo em torno da low hanging fruit (alargar a troca de prisioneiros, visitas de funcionários da Cruz Vermelha aos locais de detenção) e confidence building measures (cessar fogo na época natalícia, somando a católica e a ortodoxa, aplicação do regime das Convenções de Genebra: tratamento dos prisioneiros de acordo com o direito internacional humanitário e não segundo o direito penal de cada uma das Partes). A neutralização ou a finlandização da Ucrânia não são opções realistas, pelo que sopa de pedra negocial incluirá o reconhecimento de fronteiras provisórias (para contornar a proibição constitucional de alienação de território e a ilicitude da guerra de agressão), um calendário para negociação da adesão à UE, o congelamento por vários anos da possibilidade de adesão à NATO, garantias de neutralidade (para evitar que o artigo 42º(7) do Tratado da União Europeia se transforme, em relação à Ucrânia e depois da adesão, numa cláusula automática de legítima defesa colectiva), desmilitarização de um corredor de ambos os lados da fronteira (como previsto nos acordos de Minsk), com presença de peace keepers, eventualmente com um mandato conferido pelo Conselho de Segurança da ONU.

À mesa da negociação ucranianos e russos poderão ter a tentação de acenar com referendos para reforçarem a respectiva posição (“legitimando” a aquisição de território com base na força ou autorizando a “cedência” provisória de território). Como o artigo 52º da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados qualifica os tratados desiguais, celebrados sob ameaça ou com emprego da força, como nulos, é provável que o resultado das negociações seja vertido para declarações unilaterais simultâneas, procurando evitar um texto convencional formal, sujeito a um maior risco de litigância. Teremos assim um novo conflito congelado, ou seja, a situação que existiu até 24 de Fevereiro de 2022, alargado do ponto de vista geográfico e no número de mortos (1 milhão).

A Ucrânia e o futuro da União Europeia


Ao dia de hoje não sabemos, talvez porque ainda não exista, o detalhe da política para a Ucrânia por parte da Administração Trump.


Damos por adquirido um regresso dos EUA ao isolacinismo (uma dominante na sua história), uma exigência de fair Burden Sharing nas despesas com defesa (começando pela NATO), uma abordagem proteccionista à economia americana (que inclui um poderoso sector da indústria de defesa que se multiplica pelos segmentos dual use) e uma forma transaccional de fazer política por parte do recém-eleito Presidente.

Com estes ingredientes o que é que a União Europeia, acompanhada por um Reino Unido  assustado com os ruídos provenientes de Washington, pode “cozinhar” e apresentar a Trump? A Europa continua sem capacidade efectiva para fornecer à Ucrânia, em tempo útil e na quantidade adequada, as armas e munições necessárias à guerra de desgaste (ou, em caso de cessar fogo, à reposição dos stocks). Trump não quer que o contribuinte americano continue a pagar esta despesa. Poderão os europeus organizar-se para comprar, a benefício da Ucrânia, as armas e munições, mantendo empregos e criando riqueza nos EUA?

O processo de tomada de decisão na UE é lento e, no caso da defesa e da política externa, sensível ao veto, sendo certos os da Hungria e da Eslováquia e, quiçá, no futuro próximo, o da Roménia. Mesmo que seja tomada a decisão política, o seu financiamento obrigaria à emissão de dívida pela UE e o veto da frugal Alemanha, num contexto de provável regresso da CDU ao Governo federal, já em Fevereiro, torna impossível a substituição dos dólares americanos pelo euro.

A “paz” resultará de uma negociação liderada pelos EUA, num package deal que começará por procurar o acordo em torno da low hanging fruit (alargar a troca de prisioneiros, visitas de funcionários da Cruz Vermelha aos locais de detenção) e confidence building measures (cessar fogo na época natalícia, somando a católica e a ortodoxa, aplicação do regime das Convenções de Genebra: tratamento dos prisioneiros de acordo com o direito internacional humanitário e não segundo o direito penal de cada uma das Partes). A neutralização ou a finlandização da Ucrânia não são opções realistas, pelo que sopa de pedra negocial incluirá o reconhecimento de fronteiras provisórias (para contornar a proibição constitucional de alienação de território e a ilicitude da guerra de agressão), um calendário para negociação da adesão à UE, o congelamento por vários anos da possibilidade de adesão à NATO, garantias de neutralidade (para evitar que o artigo 42º(7) do Tratado da União Europeia se transforme, em relação à Ucrânia e depois da adesão, numa cláusula automática de legítima defesa colectiva), desmilitarização de um corredor de ambos os lados da fronteira (como previsto nos acordos de Minsk), com presença de peace keepers, eventualmente com um mandato conferido pelo Conselho de Segurança da ONU.

À mesa da negociação ucranianos e russos poderão ter a tentação de acenar com referendos para reforçarem a respectiva posição (“legitimando” a aquisição de território com base na força ou autorizando a “cedência” provisória de território). Como o artigo 52º da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados qualifica os tratados desiguais, celebrados sob ameaça ou com emprego da força, como nulos, é provável que o resultado das negociações seja vertido para declarações unilaterais simultâneas, procurando evitar um texto convencional formal, sujeito a um maior risco de litigância. Teremos assim um novo conflito congelado, ou seja, a situação que existiu até 24 de Fevereiro de 2022, alargado do ponto de vista geográfico e no número de mortos (1 milhão).