Durante os últimos anos, o crescimento do alojamento local foi celebrado como um motor para o turismo e a economia. No entanto, ao lado desse sucesso, surgiu uma série de desafios para os residentes das áreas mais afetadas, onde a subida dos preços de arrendamento e o esvaziamento dos bairros tradicionais trouxeram consigo o desgaste social e cultural das comunidades.
A recente aprovação do Decreto-Lei n.º 76/2024, que entrou em vigor a 1 de novembro, representa um avanço significativo na regulamentação do alojamento local em Portugal. Com esta medida, o Governo reconhece a necessidade de uma gestão mais local e flexível desta atividade, atribuindo aos municípios o poder de regular o setor conforme as características e necessidades de cada território.
Este novo regime coloca, de maneira clara, o bem-estar das pessoas no centro da discussão, apostando em soluções que buscam harmonizar a expansão do alojamento local com o bem-estar da comunidade local.
Com a nova lei, os municípios ganham a capacidade de atuar em benefício das suas populações, podendo criar um regulamento específico para a atividade de alojamento local. Nos municípios com mais de 1.000 unidades registadas, a assembleia municipal é agora chamada a decidir, no prazo de um ano, sobre a implementação deste poder regulamentar. Esta autonomia é, a meu ver, essencial, uma vez que os desafios de um concelho rural são muito diferentes dos enfrentados por uma cidade com elevada pressão turística, como Lisboa, Porto ou Faro.
A criação da figura do provedor do alojamento local é uma medida inovadora e igualmente importante. Este mediador terá a função de gerir conflitos entre moradores, operadores de alojamento local e condóminos, um papel necessário em áreas onde a convivência entre turistas e residentes tem sido motivo de tensões constantes. Ao atuar também como promotor de boas práticas, o provedor reforça o esforço de humanização e de convivência que deveria ser central a toda atividade turística.
Um dos pontos mais inovadores da nova legislação prende-se com a introdução de regulamentação para as “áreas de contenção” e introduz a figura das “áreas de crescimento sustentável”. Em áreas de contenção, onde a sobrecarga de alojamento local já é crítica, os municípios poderão impor limites rigorosos aos novos registos, uma medida essencial para evitar a gentrificação descontrolada que afeta muitos bairros históricos. Ao mesmo tempo, as áreas de crescimento sustentável permitirão um desenvolvimento monitorizado e mais responsável e prevenindo que se atinjam níveis insustentáveis.. De notar que, as áreas de “contenção” ou as de “crescimento sustentável” sejam definidas ao nível da freguesia freguesias ou da união de freguesias, o que possibilita uma intervenção muito precisas.
Outro ponto de destaque é o compromisso de reavaliação periódica das áreas de contenção e de crescimento sustentável. Ao exigir estudos sobre o impacto e a concentração do alojamento local, a nova legislação garante que as decisões dos municípios sejam tomadas com base em dados concretos e atualizados. Esse tipo de monitorização contínua representa um avanço para a transparência, ajudando a equilibrar os interesses do setor turístico com as necessidades habitacionais dos residentes.
A disponibilização anual de dados desagregados pelo Turismo de Portugal e pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana contribui para essa transparência, fornecendo uma visão clara da situação de alojamento local em cada município. Esta colaboração entre as entidades públicas é essencial para uma resposta informada e adaptada aos desafios locais.
Este diploma preconiza uma estratégia clara: o alojamento local deve ser uma atividade que não comprometa o direito à habitação e a qualidade de vida dos cidadãos numa direção em que o turismo e a habitação possam coexistir de forma mais equilibrada e sustentávelPara isso, o envolvimento direto dos municípios, com poder de regulamentação, é um caminho positivo e necessário.
No entanto, a implementação deste novo regime tará desafios – como a eficácia e a equidade na aplicação das regras ao nível local -, mas a verdade é que oferece ferramentas valiosas aos municípios para que possam modelar o turismo de acordo com a realidade e os valores das suas comunidades.
Especialista em Habitação e coautor do livro “Políticas Locais de Habitação”