O Governo reviu o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) de forma a dar mais autonomia às instituições. Qual é o seu parecer?
É indispensável. É essencial trabalhar no âmbito de autonomia, que está expressa na nossa Constituição e vai ficando na gaveta. As universidades têm-se sistematicamente portado bem do ponto de vista orçamental e não há exemplos de casos de falências ou extravagâncias. Essa confiança já deveria ter sido ganha. A Universidade de Lisboa tem uma promessa de uma autonomia reforçada, há dez anos, quando houve a fusão das duas universidades e ainda estamos à espera que aconteça.
Em que pontos na autonomia?
Não só na autonomia financeira, que neste momento é um mecanismo complicado porque regemo-nos por uma série de regras, algumas delas muito válidas e outras que são obstáculos completos à evolução. Não conseguimos fazer planeamentos mais do que a um ano, porque não há sobras orçamentais e porque temos de pedir autorização para tudo e mais um par de botas. Isto limita tudo o que seja opções estratégicas a médio e a longo prazo.
Por exemplo?
A construção das residências que só agora começam a aparecer. Falou-se sobre o descongelamento das propinas que o ministro da Educação já disse que não ia acontecer, mas esse é o menor dos males: o valor das propinas é uma renda de um mês. Estamos há muito tempo à espera disto e ainda vai levar muitos anos a ser concretizado. Às vezes é pena que não nos oiçam um bocadinho mais.
Este ministro assumiu para si a pasta do Ensino Superior e é de facto área dele. Acha que isso se tem refletido nas políticas dirigidas ao Ensino Superior?
Começa a refletir-se. O ministro está na fase de pegar no trabalho que foi iniciado pela professora Elvira Fortunato (ex-ministra da Ciência e Ensino Superior) talvez sem grande norte e está a tentar dar-lhe algum sentido. Ele tem uma tarefa incrível que não sei se algum dia vai ter um fim à vista, principalmente com o ensino pré-universitário, porque este é um ciclo que a sociedade considera muito mais importante. O ensino superior tem muito menos impacto do ponto de vista social. Vê-se isso no impacto que as greves têm num e noutro. Não temos tido essa capacidade de afirmação e o próprio grupo de instituições não tem demonstrado essa união.
Acha que recebem do OE menos do que o necessário?
Tem que haver um equilíbrio. O ensino superior está sub-financiado e os números não mentem. Basta comparar com outros países da Europa e até com países fora da Europa. A nível europeu, estamos com financiamentos para o mesmo número de alunos cinco vezes, oito ou dez vezes inferior. Se calhar há 30 anos tínhamos financiamento a mais e não se sentia a obrigação de fazer alguma coisa para angariar financiamento. O que é essencial. Mas há limites. Somos as únicas instituições públicas em Portugal a viver com um orçamento que não chega para pagar salários. Desta forma não podemos implementar estratégias ou fazer projetos a cinco ou dez anos porque vivemos no limite, quase em duodécimos. Claramente que é preciso um financiamento maior, o que me parece que seria justo.
E o que seria justo?
O financiamento tem que ser otimizado. Temos demasiadas universidades e politécnicos e ainda por cima estamos desnorteados. Neste momento já não sabemos o que são universidades e o que são politécnico. Também já não sabemos o que são as universidades melhores ou piores, porque as há.
Não há mecanismos de avaliação?
A senhora ministra anterior, por estranho que pareça, porque vinha da área de investigação, resolveu que a dotação orçamental para as universidades era meramente indexada ao número de alunos, independentemente da qualidade do corpo docente ou da qualidade científica e protelou para quatro anos indexar o financiamento à investigação. A qualidade do ensino, o número de alunos, a qualidade com que os alunos entram no mercado de trabalho, a recetividade no mercado de trabalho, a empregabilidade, etc. deve ser considerado. E neste momento, a única coisa que se faz é contar-se o número de alunos. O ensino superior não é só ensino, senão era ensino pré-universitário, é também investigação e inovação. Não se tem em conta a produção científica, a capacidade de encontrar financiamentos internacionais, os reconhecimentos nacionais, a capacidade de ligação às empresas, de produção de empresas ou a internacionalização. O que está inscrito nas nossas carreiras é simplesmente ignorado pelo orçamento. Se quisermos ser muito estritos, olharíamos para o orçamento, dávamos algumas aulas e íamos para casa.
Vão sair da Faculdade de Ciências cerca de 100 docentes até 2029. Temos aqui um problema igual ao do ensino pré-universitário?
Portugal está com mais de 2 mil concursos abertos para docentes e investigadores de carreira o que não é brincadeira. Estamos todos a contratar e vamos ter uma grande renovação. Mas depende das áreas, em algumas áreas da informática, por exemplo, é muito difícil convencer alguém a vir ganhar um ordenado de professor auxiliar. Também é muito difícil ir buscar pessoas ao estrangeiro.
É forçoso que haja uma renovação geracional?
Temos aqui algumas pessoas que passaram uma série de tempo a fazer um tipo de ensino que hoje em dia dificilmente se coaduna com as vontades dos mais novos. A quantidade de informação com que os alunos têm de lidar todos os dias é tão grande que ter um professor com ar magistral a debitar matéria não tem efeito. As aulas apenas começam a ficar cada vez mais vazias.
Quanto à ligação da indústria às universidades, as coisas estão a correr bem?
A academia viveu muitos anos de costas para a indústria. Vivia-se num castelo de erudição e depois ficámos sem dinheiro. Mas hoje em dia não faz sentido falar em universidade sem ligação à indústria que tem de ser feita de várias maneiras. A universidade cria os recursos humanos que vão para a indústria e a indústria não se pode alhear disso. Depois há a questão financeira, claramente. A necessidade que a indústria tem de resolver alguns problemas que se calhar não são imediatos e não se compadecem com a pressa de produção, vão poder ser colmatadas pela capacidade de conhecimento da universidade. Há um casamento óbvio, em teoria e simplificando, a universidade tem o conhecimento e gera os recursos e a indústria precisa dos recursos. Ou seja, a indústria tem o financiamento e a universidade o conhecimento. É um casamento de conveniência de ambas as partes.
Por que não se aproveitam mais os doutorados?
O mercado de doutorados nas empresas fora deste país é muito grande e posso dizer que todos os meus doutorados, exceto um que é meu colega, estão em indústrias de topo. Mas nenhum deles está em Portugal.
Então o problema de doutorados não está na academia mas na economia?
Acho que a indústria já começou a perceber isso. Agora é preciso que esteja disponível a correr algum risco e aproveitar a disponibilidade das universidades em resolver os problemas da indústria a longo prazo, que tipicamente são mais abstratos, mais teóricos. Tem que ser a indústria a perceber as apostas de futuro. É preciso uma visão mais de longo prazo, que pode ser colmatada pela tutela do ponto de vista de financiamento ou por indústrias mais visionárias.
As nossas universidades, entretanto, vão formando jovens para emigrarem.
Nós estamos a formar os alunos para o mundo o que é importante. Estamos a exportar talentos, sim, mas na esperança de que esses talentos voltem e alguns deles voltam mesmo. Alguns para academia.
Por outro lado há cursos que não têm qualquer empregabilidade. Acha que se devia regular mais a oferta do ensino superior público e privado?
Tenho um bocadinho medo das tentativas de regulação do mercado porque tipicamente dão mau resultado. Quando há uns anos se dizia que as vagas no interior iriam aumentar e diminuir as vagas de Lisboa e Porto, o resultado foi nulo ou pior. O mercado vai acabar por atuar e até de forma um bocadinho preocupante. O número de alunos vai descer nos próximos dez anos porque a nova geração, resultado das migrações, ainda vai levar alguns anos a chegar à universidade. Este ano já se sentiu este declínio e o número de candidatos ao ensino superior baixou drasticamente. Nos politécnicos sentiu-se muito e há politécnicos com muitos cursos. No entanto, bem que podemos tentar lutar contra as tendências sociais, mas a sociedade vai acabar por levar a melhor.
Também não se percebe bem qual a diferença entre politécnicos e universidades.
O ensino superior está desnorteado. Sou adepto da clarificação, mas também sou muito adepto da avaliação. Um bom modelo de avaliação separará o trigo do joio.
Concorda que os politécnicos façam doutoramentos?
Não. É errado porque confunde o sistema. Há casos em que o mérito cientifico dessas instituições é indiscutível mas então essas escolas deviam ser escolas universitárias. E outros casos em que as universidades deviam ser politécnicos. Mas só se pode desenhar uma estratégia depois de se avaliar.