A nação está em acelerado estado de degradação das instituições, do sistema democrático, das vivências comunitárias e do sentido cívico que enforma os comportamentos individuais e o contrato social, mas há sempre quem resolva ir mais além nesse impulso destrutivo em que o “eu” se sobrepõe a tudo o resto, dos valores às circunstâncias. Não há espaço para o compromisso porque tudo é interesse particular, tática, sobrevivência, desenrasca e geração de perceções, sem pingo de preocupação com os problemas estruturais e com a fragilidade das conquistas ou dos avanços de circunstância no exercício de governações de turno, preocupadas sobretudo com os quotidianos, o imediato e os nichos eleitorais relevantes, reais ou simbólicos. Essa volatilização e degradação do exercício político nunca conseguirá ser geradora de compromisso para a resolução dos problemas estruturais, da pobreza à desertificação do interior, da falta de coesão territorial às desigualdades sociais, do amorfismo cívico à falta de explicação do sentido das opções tomadas em nome das comunidades. O foco vigente, ainda que as narrativas enunciem outras ambições, é responder ao imediato, ao que é mais evidente, na substância ou na capacidade de se fazer ouvir junto dos decisores, de modo próprio ou através dos media. A verdade é que descontados os excessos de verve para alimentar os tribalismos partidários, as desculpas esfarrapadas que sustentam determinadas opções e os autoconvencimentos para aplanar a falta de exigência com os resultados, os resultados obtidos nas realidades e nos desafios estruturais são pouco mais do que sofríveis. A capitulação nos resultados reais e percecionados é a mãe de todas as oportunidades de deslaço do país com o que importa como base de uma comunidade soberana num território, gerando oportunidades para quem aposta tudo na degradação generalizada. A novela de má qualidade em torno da negociação do Orçamento do Estado para 2025, com uma profusão de geometrias variáveis de posicionamentos dos protagonistas em presença é sintomática, projetando-se, como exemplo, para a sociedade. Será possível viver, individualmente ou em comunidade, no estado de degradação e selvajaria que vigora no exercício político, entre o delírio e insulto, a inconsistência e o populismo, as oportunidades e os oportunistas? Só mesmo os mínimos de compromisso e de bom senso da maioria dos portugueses com o contrato social e a nação permitem que o ambiente cívico, social, económico e cultural não seja similar ao da política com o exemplo que vem de cima, dos protagonistas investidos em funções públicas ou que as desempenharam recentemente.
A pandemia do destrato instalada no ambiente político, depois de alimentada na ligeireza das redes sociais, quais tascas rascas do tempo moderno, precisa de ser atalhada porque, no limite, gangrena um dos pilares do sistema democrático: a capacidade de se fazer ouvir e de ouvir, com respeito pela diversidade e mínimos de urbanidade. É certo que há muito que alguns foram fazendo tábua rasa de regras básicas vigentes para fazer valer os seus interesses particulares, mas não é possível prosseguir com esta espiral de degradação, de falta de memória e de inconsistência das soluções sem dados irreversíveis no compromisso democrático.
O acosso em que vivem e em que se colocam os protagonistas políticos, despojados de valores, princípios e capacidade de compromisso na construção de soluções, só pode gerar mais degradação como a que está presente quando se apela à unidade em torno de posições políticas partidárias depois de no passado ter sido arauto da divergência e da diversidade ou da desbragada estupefação com a “voz única do partido em público”, tendo no passado sido um dos ativos arautos da coesão em torno das ações governativas.
O caldo de cultura do ambiente político parece ignorar algumas realidades que são incontornáveis e precisam de respostas, sob pena de acentuarem a degradação, o deslaço e o afastamento das pessoas em relação às instituições e aos compromissos mínimos da vida em comunidade:
* O país tem problemas estruturais que, pelas limitações dos recursos disponíveis, ainda com fundos comunitários, nunca serão resolvidos sem um compromisso firme para a concretização de um plano plurianual que passe pelo cumprimento de um programa qualquer que seja o governo de turno. É assim com a pobreza, as desigualdades, as principais funções do Estado, a demografia, a falta de coesão territorial, a prevalência do excesso de burocracia na sociedade, o desfasamento entre os modelos de organização e as dinâmicas sociais ou as inconsistências da economia nacional.
* O país precisa de decência, senso, explicação séria e sentido de equilíbrio que permita estancar o deslaço, o populismo e a persistência de fatores de risco para a vivência individual e comunitária em democracia, com respeito por princípios basilares.
* O país precisa de cidadãos informados, com sólido civismo, e exigência responsável que obrigue os protagonistas políticos, as instituições da República e as dinâmicas da sociedade a nivelar o seu posicionamento e funcionamento por cima.
A não ser assim, bem pode o turno despejar algum dinheiro para alguns que a degradação prosseguirá com expressões mais gravosas que já se registam na Europa e noutros pontos do Mundo.
NOTAS FINAIS
GOVERNAR E ESTAR NA OPOSIÇÃO É DIFÍCIL. Governar é um exercício difícil entre as expectativas e as disponibilidades. Da facilidade dos apoios aos afetados pelos incêndios de setembro ao confronto com as burocracias que bloqueiam a agilização quando o dinheiro é mais preciso para a reposição das vidas e dinâmicas foi um ápice. Razão para não falar sem saber. Liderar na oposição é mais que a circunstância. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.
MARQUES MENDES, O AGRADADO. Depois de empossado no encaixe do perfil presidencial do PSD, pelo seu líder, em entrevista em São Bento com matrizes partidárias, o comentador resplandece nos comentários favoráveis ao governo, fustigando os adversários. Marques Mendes é como o algodão. Tem excelente capacidade de absorção.
AGUIAR BRANCO TEM RAZÃO. A cedência ao populismo como a resposta inadequada nunca pode dar bom resultado. A expressão de descontentamentos profissionais à margem da legislação e das regras nunca deve ser aceitável ou significará a implosão do compromisso cívico individual. Imagine-se cada contribuinte a comportar-se assim perante o que vê? Estiveram mal os partidos a imporem uma exceção para que os bombeiros fardados assistissem a um debate parlamentar. Uma sociedade tem regras. Transigir nas regras é muito do princípio do fim.