Diretores dos serviços prisionais não queriam demitir-se

Diretores dos serviços prisionais não queriam demitir-se


Depois de receber o relatório preliminar sobre a fuga, Rita Alarcão Júdice não deu alternativa ao diretor dos serviços prisionais e ao subdiretor com o pelouro das prisões: demitam-se!


Ao contrário da versão oficial, Rui Abrunhosa Gonçalves foi demitido do cargo de diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais após a fuga dos cinco reclusos do Vale de Judeus. Depois de ter afirmado publicamente que não se demitia e que se mantinha no «posto enquanto a tutela assim o entender», o ex-diretor-geral foi pressionado pela ministra Rita Júdice para sair pelo próprio pé ou seria exonerado por ordem da tutela. Rui Gonçalves optou por se demitir, assim como o subdiretor geral Pedro Veiga Santos, até agora responsável pela segurança das prisões.

Rui Gonçalves, que ocupava o lugar desde Agosto de 2022, recusou-se sempre a assumir a responsabilidades pela fuga dos cinco reclusos, apontando o dedo à juíza do Tribunal de Execução de Penas que assinou a sentença da transferência do argentino Rodolf Lohrman, considerado o mais perigoso dos cinco. ‘El Ruso’ foi condenado a 18 anos e 10 meses tendo sido transferido da prisão do Monsanto para Vale de Judeus em março deste ano. No entanto, a responsabilidade da transferência do argentino e de alguns dos outros reclusos, todos com antecedentes de fuga, de Monsanto para Alcoentre não é da juíza mas sim dos serviços prisionais.

Entretanto, Luís Neves, diretor da Polícia Judiciária, chamou a si o processo da evasão dos cinco reclusos.

Clique na imagem para ver melhor [Infografia de Ana Gonçalves]

Decisões erradas

Na conferência de imprensa que Rita Júdice fez ao país terça-feira Rui Gonçalves já não a acompanhou. A ministra foi perentória nas acusações que fez aos serviço prisionais, dizendo que a fuga «resultou de uma cadeia sucessiva de erros e falhas muito graves, grosseiras, inaceitáveis que queremos irrepetíveis». Frisou também que não foi uma evasão, foi uma fuga orquestrada: «Não resultou do aproveitamento de uma distração, não foi uma fuga oportunista. Foi, como garantem os peritos de segurança, um plano preparado com tempo, com método e com ajuda de terceiros». Foi ainda mais longe afirmando aos jornalistas: «Nos relatos recebidos vimos desleixo, vimos facilidade, vimos irresponsabilidade e vimos falta de comando. Também vimos decisões erradas ou ausência de decisões nos anos mais recentes».

Uma dessas decisões foi a de permitir a transferência de dois dos reclusos do Estabelecimento Prisional de Monsanto para Vale de Judeus. O facto de quatro dos prisioneiros já terem tentado antes, e alguns com sucesso, fugir das prisões por onde passaram é uma das razões. A outra é que Monsanto é considerado o único estabelecimento prisional de onde «não se consegue fugir», segundo disseram ao Nascer do SOL fontes dos serviços prisionais. Por último, quase todos os reclusos tinham passado por Monsanto na mesma altura, sendo que Fábio Santos Loureiro, conhecido pelas alcunhas ‘Terror do Algarve’ e ‘Fábio Cigano’, conta no cadastro com uma tentativa de fuga deste estabelecimento prisional, a qual foi orquestrada e tentada com Jairo Casanova, cúmplice de Rodolfo Lhormann ‘El Ruso’.

Em 2018 Jairo Casanova, o argentino que integrava o gangue que raptou e matou a filha do ex-presidente do Paraguai e do filho do ministro da Saúde da Argentina, tentou fugir da prisão de alta segurança de Monsanto com ‘Fábio Cigano’. Segundo divulgou a PJ na altura e noticiou o Correio da Manhã, Casanova estava no recreio a jogar futebol e aproveitou um momento sem vigilância de guardas, tendo os reclusos lançado uma corda de lençóis para uma vedação de arame farpado. O argentino foi o primeiro a escalar a parede, enquanto ‘Fábio Cigano’ e outro prisioneiro o esperavam. No entanto, ao chegar ao topo, a vedação cedeu, provocando a queda.

Já na altura, o diretor dos serviços prisionais se queixava de falta de meios. «Nada substitui a presença de guardas», afirmou.

‘Fábio Cigano’ foi também um dos dos protagonistas da greve de fome que 13 reclusos fizeram em Monsanto meses depois da tentativa de fuga, desta vez com El Russo. Os reclusos contestavam as «más condições da alimentação servida» e a «redução dos tempos de visita de familiares devido à escassez de guarda». Os grevistas mantinham-se nas celas e recusavam ingerir quaisquer alimentos. Do grupo dos 13, faziam parte, além de Pedro Dias, o triplo homicida de Aguiar da Beira, e de Abdessalam Tazi (os porta-vozes da iniciativa), Fábio Cigano, ‘El Ruso’ Lohrman e Jairo Henry Ramirez Casanova, que também usava o nome de José Maidana. A greve de fome durou cerca de dez dias e só acabou depois de negociações que alcançaram o compromisso de reforço de compra de leguminosas e vegetais para as refeições na prisão.

Além desta ligações entre estes dois fugitivos, também o fugitivo Mark Cameron Roscaleer deu entrada em Vale de Judeus a 12 de agosto de 2020, transferido do Estabelecimento Prisional do Monsanto. Todos os reclusos em fuga, com excepção do georgiano Shergili Farjiani, têm no seu currículo várias tentativas de fuga por todos os estabelecimentos por onde passaram.

A transferência de El Russo

Apesar de o Conselho Técnico da Direcção Geral ter enviado para o Tribunal de Execução de Penas um parecer alertando para a «existência de um perigo sério de evasão» e que ‘El Ruso’ devia manter-se «em regime de segurança» em Monsanto, foi autorizada a sua transferência. Escreveu a juíza do Tribunal de Execução de Penas em março deste ano que a decisão que levou a adotar o regime de segurança, em razões de perigosidade criminal, e de perigosidade penitenciária, «parece ter assentado mais em factores remotos (naqueles que justificaram a sua afectação inicial a tal regime), do que na perigosidade actual do recluso (quer criminal, quer penitenciária)».

No entanto, e ao contrário do que foi dado a entender pelo ex-diretor dos serviços prisionais, não é a juiza que decide mas sim o próprio. Segundo a lei, artigo 22.º do Código de Execução de Penas, «A decisão de transferência é fundamentada e compete ao director-geral dos Serviços Prisionais, por sua iniciativa, sob proposta do estabelecimento ou a requerimento do recluso, sendo comunicada aos tribunais competentes e, salvo fundadas razões de ordem e segurança, ao próprio e a pessoa ou pessoas por ele indicadas».  Ou seja, apesar da sentença a última palavra é sempre do diretor-geral.

Ligação a Tancos

O currículo de ‘Fábio Cigano’ é conhecido há muitos anos por quem investiga crimes violentos. Além do elenco de crimes pelos quais foi condenado, Fábio mantinha ligações com outros grupos violentos e muitas vezes as coisas não corriam bem. Foi o caso de um episódio que envolveu um dos acusados do assalto à base militar de Tancos. Numa discussão que quase foi fatal para ‘Fábio Cigano’, ‘Caveirinha’, um dos envolvidos no assalto da base militar, atingiu a tiro o agora fugitivo. ‘Caveirinha’ era também residente no Algarve, e além do assalto a Tancos tem também um passado ligado a negócio de armas e de droga.