Telemóveis. Movimento quer regras nas escolas

Telemóveis. Movimento quer regras nas escolas


‘Menos Ecrãs, Mais Vida!’ é o nome do movimento que esteve reunido com o Ministério da Educação na segunda-feira. E promete não dar tréguas na luta pela proteção das crianças.


Autilização de telemóveis por crianças e adolescentes tem vindo a ser tema de aceso debate em Portugal e no mundo nos últimos anos. Principalmente, nas escolas. Por exemplo, em 2017, a Escola EB 2/3 António Alves Amorim, em Santa Maria da Feira, implementou a proibição total do uso de telemóveis no recinto escolar. Na prática, os alunos entregam os seus telemóveis ao professor no início do dia e só os recuperam no final. A infração da regra pode resultar em suspensão, como ocorreu com um aluno que gravou e partilhou um vídeo de um professor. Para emergências, pais e alunos podem comunicar diretamente através da escola.

Além disso, há cada vez mais vozes que se levantam contra a utilização destes dispositivos eletrónicos. No ano passado, em declarações públicas , o psicólogo Eduardo Sá apoiou a iniciativa de limitar o uso de smartphones nas escolas, destacando os riscos associados ao seu uso excessivo por adolescentes. Segundo o profissional de saúde, não se pode permitir que os smartphones e as redes sociais se tornem uma «droga leve» acessível a todos os jovens.

Mas também cidadãos mais anónimos decidiram pôr mãos à obra. Mónica Pereira criou uma petição em maio de 2023 intitulada VIVER o recreio escolar, sem ecrãs de smartphones!, motivada por relatos de crianças que se sentiam excluídas por colegas estarem constantemente ao telemóvel. A petição ganhou rapidamente 10 mil assinaturas e foi discutida na Assembleia da República. O objetivo era alterar o Estatuto do Aluno para proibir o uso de telemóveis nos recreios e salas de aula, mas o Governo anterior não implementou mudanças significativas.

Assim, Mónica uniu-se a outras pessoas preocupadas com o uso de telemóveis nas escolas, resultando na criação do movimento voluntário ‘Menos Ecrãs, Mais Vida!’. «Fomos reunindo forças e encontrámos mais pessoas interessadas nesta causa», explica, em declarações ao Nascer do SOL. Esse grupo reuniu-se com partidos políticos e, na segunda-feira, com o Ministério da Educação, em busca de apoio. Pedem a proibição do uso de smartphones até ao 9º ano e a suspensão dos projetos piloto de manuais digitais.

Embora o Ministério da Educação tenha prometido guias informativos para as escolas, não houve avanços concretos na legislação. Mónica também destaca «a insatisfação dos professores com os manuais digitais e o impacto negativo dos telemóveis na aprendizagem», além de questões como «o ciberbullying e o acesso a conteúdos impróprios». «Pode parecer que somos contra as tecnologias, mas não! Tem de ser usada de forma controlada e as salas de aula têm de ter os recursos adequados, como computadores, em vez de depender dos smartphones», declara.

Quem vai ao encontro da perspetiva de Mónica Pereira é Laura Sanches, psicóloga clínica especializada em aconselhamento parental. Em entrevista ao Nascer do SOL, começa por argumentar que «os telemóveis são prejudiciais tanto para a socialização quanto para a aprendizagem das crianças». Acredita que a escola, como espaço de desenvolvimento social, deve proibir o uso de telemóveis para evitar que os alunos passem os intervalos «agarrados ao telemóvel», o que tem «prejuízos graves para a socialização». Além disso, cita estudos que mostram que até mesmo a presença de um telemóvel desligado em cima da mesa pode diminuir o desempenho cognitivo dos alunos.

Por exemplo, o relatório PISA 2022 revela que a distração dos alunos com telemóveis é uma preocupação significativa em Portugal. Cerca de 34% dos alunos portugueses admitiram que se distraem com dispositivos digitais durante as aulas, um valor superior à média da OCDE. Adicionalmente, 25% dos alunos distraem-se com colegas que usam telemóveis.

O relatório também destaca que em países onde o uso de telemóveis é proibido nas escolas, os alunos relatam menos distrações. Esta questão voltou a ser discutida no início do ano letivo do ano passado, com algumas escolas, como o agrupamento de Almeirim, a implementarem proibições semelhantes. Em 2023, o então ministro da Educação solicitou um parecer ao Conselho das Escolas, que recomendou que as escolas decidam individualmente sobre a proibição, considerando tanto os riscos quanto as vantagens.

Deste modo, Laura Sanches também menciona que, embora alguns professores incentivem o uso de telemóveis para fins pedagógicos, considera isso um erro. «Estamos a estimular o uso de um objeto que sabemos que provoca dependência pelos mesmos mecanismos das drogas», alerta. Para ela, o foco deve ser na aprendizagem profunda, algo que os telemóveis prejudicam devido às constantes distrações.

Ainda alerta para os perigos associados ao uso dos telemóveis e à internet, incluindo a exposição a conteúdos inapropriados, como pornografia, e o contacto com predadores online. Relata casos de crianças pequenas que, após verem conteúdos inadequados online, imitam esses comportamentos na vida real. «Sei de casos de crianças que, por exemplo, simulam atos de sexo oral nas casas de banho das escolas», lamenta. Também discute a questão do vício, especialmente em jogos online, onde há «uma quantidade enorme de predadores» que se fazem passar por crianças.

Quanto ao uso do telemóvel fora da escola, recomenda que os pais estabeleçam «regras claras» e que conversem com os filhos sobre os riscos, especialmente no que diz respeito à dependência e à autoimagem. Antes dos 15 ou 16 anos, a profissional de saúde acredita que não faz sentido dar telemóveis com acesso à internet. Mesmo quando os adolescentes já têm idade para usar telemóveis, sugere que os dispositivos sejam mantidos fora do quarto e não sejam usados durante as refeições. «Mas os pais têm de dar o exemplo. Se dizemos a uma criança para não usar o telemóvel, ela aceita. Mas isso não acontece com um adolescente», frisa.

O exemplo da Grécia

Laura Sanches também observa que alguns países, como a Grécia, já estão a avançar com medidas de proibição do uso de telemóveis em escolas. Lamenta que, em Portugal, não se espere mudanças a curto prazo. De facto, o novo regulamento e sistema de sanções nas escolas gregas, anunciados pelo ministro da Educação, Kyriakos Pierrakakis, têm como objetivo combater o uso indevido de telemóveis nas instituições de ensino e prevenir o ciberbullying. As regras, que entram em vigor a 11 de setembro, obrigam os alunos a manter os telemóveis dentro das mochilas durante o horário escolar.

Estas normas foram divulgadas após uma reunião entre o primeiro-ministro, Kyriakos Mitsotakis, e o ministro da Educação. Mitsotakis explicou que os telemóveis representam uma grande distração no ambiente escolar, prejudicando o processo de aprendizagem. Destacou que as evidências científicas sobre os efeitos negativos do uso de telemóveis na educação são claras.

As novas regras permitem que os alunos tenham os seus dispositivos, mas o uso durante o horário escolar é proibido. Os alunos que desrespeitarem a norma serão suspensos por um dia e, em caso de reincidência, podem ser afastados das aulas por vários dias. A gravação não autorizada de colegas ou professores pode resultar na expulsão.

O regulamento é uma extensão de medidas anunciadas em março para coibir o ciberbullying, que incluía a expulsão de alunos que ridicularizassem colegas online. No entanto, esta é a primeira vez que a Grécia implementa um sistema abrangente de sanções para regular o uso de telemóveis nas escolas. Anteriormente, já existia uma proibição desde 2002, mas os professores enfrentavam dificuldades em aplicá-la.

As novas regras gregas são semelhantes a medidas adotadas na região belga da Valónia, onde os telemóveis foram proibidos em 373 escolas. Na Bélgica, muitas escolas estão a implementar restrições rigorosas ao uso de smartphones para combater distrações e ciberbullying. A título de exemplo, na Escola Internacional Bogaerts, perto de Bruxelas, os alunos devem guardar os seus telemóveis em cacifos e, se forem ‘apanhados’ com um aparelho, este é confiscado até ao final do dia.

Centenas de escolas em Bruxelas e na Valónia estão a seguir esse modelo e o governo da comunidade francófona anunciou planos para uma proibição geral de smartphones em escolas primárias e nos três primeiros anos do ensino básico. Algumas instituições anteciparam-se e já implementaram as suas próprias proibições. Esse movimento também está a ocorrer noutros países, como os Países Baixos, França e Irlanda, que estão a ponderar medidas semelhantes. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, destacou a importância de abordar o impacto dos smartphones na saúde mental dos jovens.

Em abril, foi anunciado que o Governo britânico está a considerar a possibilidade de proibir a venda de smartphones a menores de 16 anos, uma medida que pode ser implementada após algumas sondagens terem revelado um alto nível de apoio público. Um inquérito recente mostrou que 58% dos pais acham que a proibição seria benéfica e que mais de 80% acreditam que os smartphones são prejudiciais para os jovens.

Embora a UNESCO tenha destacado que menos de um quarto dos países possui legislações sobre o uso de telemóveis nas escolas, apontando que esses dispositivos podem causar distrações e problemas de privacidade, no Reino Unido, o Departamento de Educação já havia dado autonomia aos diretores escolares para decidir sobre a proibição.

Recentemente, novas diretrizes foram publicadas, mas a proposta de proibição total ainda não foi confirmada. A medida é criticada por alguns membros do partido conservador, que consideram que o Governo não deve intervir tanto na vida familiar e sugerem que os pais devem usar mais ferramentas de controlo parental.