Futebol. O treinador que soube ser diferente

Futebol. O treinador que soube ser diferente


Sven-Göran Eriksson morreu ontem, aos 76 anos, mas deixa um legado que devia ser respeitado em Portugal, ondeo futebol é, muitas vezes, mal tratado pela sua própria gente. Respect!


O treinador que marcou uma época no futebol português perdeu a luta contra o cancro no pâncreas e faleceu ontem, com 76 anos. A notícia era esperada desde janeiro deste ano, quando os médicos lhe deram “na melhora das hipóteses um ano de vida. Na pior das hipóteses, ainda menos”, disse na altura de forma crua e aberta ao mundo. Confirmou-se o pior cenário.

O próprio Eriksson estava consciente disso como se depreende da mensagem de despedida divulgada na semana passada. “Tive uma boa vida. Acho que todos nós estamos com medo do dia em que morremos. Espero que me lembrem como uma pessoa positiva que fez tudo o que podia fazer. Não se lamentem, sorriam. Obrigado por tudo, treinadores, jogadores e público. Tem sido fantástico. Cuidem de vocês e cuidem das vossas vidas. E vivam-nas. Adeus», finalizou. Esta emocionante mensagem aparece num documentário biográfico da Amazon Prime Video, que vai estar disponível em breve, onde além de falar sobre futebol, aborda também a doença e como deseja ser lembrado após a sua morte. Eriksson viveu os últimos dias em Sunne, na Suécia, onde teve a companhia da família e dos amigos mais próximos, que o acompanhavam no seu passeio preferido pelo lago Fryken. O passeio era bonito, mas acabou!

Reconhecimento Desde que anunciou o seu problema de saúde e a expectativa médica, Eriksson lutou contra a maldita doença de modo a tornar os seus últimos meses menos pesados depois de uma vida de sucesso. Apesar de se sentir cada vez mais frágil, Eriksson arranjou forças para estar presente nas diversas homenagens realizadas nos estádios por onde passou como treinador. Foram homenagens bonitas e emocionantes que o deixaram feliz, bastava ver o seu sorriso, que foi coisa que nunca perdeu… até ontem. Teve igualmente a oportunidade de concretizar um sonho antigo: treinar o mítico Liverpool, nem que fosse por um dia. “Quando era treinador sempre sonhei orientar o Liverpool, mas isso nunca aconteceu. O meu pai é adepto do clube, pelo que o meu amor pelo Liverpool vem daí. Estive perto uma vez, houve conversas”, lembrou. Em março deste ano, subiu ao relvado de Anfield Road como técnico dos reds numa partida amigável de velhas glórias contra o Ajax, que venceu por 4-2. Despediu-se como um grande. O famoso hino do Liverpool, “You’ll Never Walk Alone”, fez todo o sentido nessa tarde.

Em abril, o Benfica organizou uma sentida homenagem ao técnico sueco no Estádio da Luz. Eriksson foi ao relvado acompanhado por 21 dos seus ex-jogadores com as bancadas de pé a aplaudir, num momento que ficou na memória do técnico e na história do clube. Foi uma noite de gente feliz com lágrimas. Na Lazio ergeu troféus europeus com a conquista de uma Taça das Taças e Supertaça europeia, e foi também aí que os adeptos laziale lhe prestaram uma justa homenagem em pleno estádio.

Sven-Göran Eriksson deve ser lembrado como homem, mas também como um excelente treinador, que marcou a diferença relativamente à maioria dos treinadores pela sua forma de estar e de se relacionar com os jogadores e com os agentes ligados futebol. No futebolzinho português dado a arranjinhos e favores, onde muitos se gabavam de dizer que “o que hoje é verdade, amanhã é mentira”, sobressaiu a elegância do técnico sueco, mesmo que isso fosse contra a ordem instituída. Na verdade, Eriksson mudou a mentalidade do futebol português pelo fairplay, educação, cordialidade e, quando era necessário, frontalidade, mas também pelo modo de treinar e jogar.

Aposta vencedora Era quase um desconhecido quando, aos 34 anos, venceu a Taça UEFA com o Gotemburgo, foi esse triunfo que levou o presidente do Benfica Fernando Martins a contratá-lo em 1982 para substituir o húngaro Lajos Baróti. Foi uma aposta ganha, já que o treinador sueco revolucionou o futebol das águias nas duas vezes que esteve em Portugal (1982-1984 e 1989-1992), somando vários sucessos desportivos. Ganhou três campeonatos nacionais, uma Taça de Portugal e uma Supertaça. A nível europeu, levou o Benfica à final da Taça UEFA em 1982/83 frente ao Anderlecht, no cômputo das duas mãos os encarnados perderam (1-2). Na época 1989/90, jogou a final da Taça dos Clubes Campeões Europeus frente ao poderoso AC Milan e nova derrota (0-1).

Durante a sua carreira treinou outros clubes europeus como o Manchester City, Leicester, Lazio, Roma, Fiorentina e Sampdoria, com a particularidade de ter conquistado títulos em todos os países onde treinou. Em 2001, Sven-Goran Eriksson tornou-se o primeiro treinador não britânico a orientar a seleção de Inglaterra. Treinou a chamada geração de ouro com futebolistas como David Beckham, Steven Gerrard, Wayne Rooney e Frank Lampard e levou a seleção dos três leões aos quartos de final em três grandes torneios. Foi ainda selecionador do México, da China e terminou a carreira como técnico das Filipinas. Eriksson trabalhou em vários continentes e treinou 16 equipas e seleções nacionais ao longo de 42 anos de carreira.

Reações O Benfica foi dos primeiros clubes a manifestarem-se sobre a morte de Sven-Göran Eriksson. Num comunicado pode ler-se “Muito para além dos títulos, a marca de Eriksson no futebol português foi a de um revolucionário, de um treinador à frente no seu tempo. No plano social, destacou-se sempre pela elegância, educação e urbanidade. Um treinador e um homem à Benfica”.

Igualmente sentidas foram as palavras de Toni, antigo adjunto do técnico sueco “Eriksson parte, mas sabe que fica nos corações de todos os benfiquistas e, acredito até, portugueses, pela forma como esteve no desporto. É uma notícia muito triste. Este ano partiram vários amigos e, mesmo sendo uma morte anunciada, foi alguém com quem criei laços desde 1982”, lembrou.

Sporting e FC Porto colocaram a rivalidade de lado e deixaram as condolências aos familiares e amigos de Sven-Göran Eriksson através das redes sociais. A Federação Portuguesa de Futebol, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, o Sindicato de Jogadores, a EUFA e a FIFA também lamentaram a morte do antigo treinador.