Impreparados


O sismo sentido com intensidade, em Lisboa, o maior desde 1969, ocorre 36 anos depois da tragédia do incêndio do Chiado e no rescaldo dos incêndios na Madeira que evidenciaram a impreparação ou soberba dos decisores políticos perante a ocorrência do risco.


A reiterada desvalorização individual e comunitária dos riscos nos modelos de organização e nos nossos quotidianos, dos cidadãos aos decisores, faz emergir toda uma evidência de impreparação, que é muito mais que um epifenómeno, é um perigoso padrão.

O risco existe e tem de ser incorporado nas decisões, nas ações e na interiorização de rotinas em função da probabilidade ou da inevitabilidade.

Em Portugal, o risco sísmico existe, mas tirando uns maduros e alguma legislação mais no papel do que na aplicação, este é normalmente desvalorizado. É claro que existem regiões do país, como os Açores, com um maior nível de consciência do risco e de prontidão cívica e institucional para as ocorrências, mas o nosso padrão de ponderação e de antecipação do risco é indigente. É proporcionalmente oposto à facilidade com que os media e alegados especialistas falam sobre tudo nos suportes existentes em modo de “encher chouriços” em antena.

O sismo sentido com intensidade, em Lisboa, o maior desde 1969, ocorre 36 anos depois da tragédia do incêndio do Chiado e no rescaldo dos incêndios na Madeira que evidenciaram a impreparação ou soberba dos decisores políticos perante a ocorrência do risco, sem os meios adequados para o combate e sem a humildade para solicitar apoio para o ataque inicial.

É preciso incorporar o risco nas vidas e colocá-lo no radar das decisões, mesmo que isso não tenha a visibilidade política, pública e mediática de outras opções mais rentáveis sob o ponto de vista eleitoral. É preciso fazê-lo de forma estruturada e sustentada, implacável no caso da aplicação de legislação antissísmica na construção em território de risco acrescido, como é o caso da grande Lisboa, onde se tem brincado com o fogo. Aqui, não pode haver nem quintais, nem quintinhas, de orgulhos bacocos que ficarão soterrados em caso de ocorrência, com relevo na perda de vidas, na destruição do edificado e na capacidade operacional de socorro. É que da minha experiência na área, o nível de integração operacional de Lisboa com o nível distrital e o plano nacional era sempre um caso à parte, sem a existência de rotinas de articulação e de agilização do socorro em caso de emergência. E no caso de uma ocorrência com relevantes impactos humanos e físicos, importa ter socorro posicionado no território com capacidade de resiliência para agir, mas boa parte da intervenção terá de vir do exterior, em função das disponibilidades de mobilidade no acesso às zonas sinistradas.

O risco não nos pode bloquear, mas tem de ser incorporado na organização e nos quotidianos, fazendo com que exercícios correntes anuais de consciencialização como o “A terra treme” da proteção civil, seja muito mais que uma nota de rodapé da atualidade ou uma coisa para as escolas.

Portugal tem em aplicação um Plano de Recuperação e Resiliência, o famoso PRR, com apoios da União Europeia, orientado para tanta coisa, por vezes com recurso a investimentos inconsequentes, a suporte de despesas correntes e à criatividade da necessidade de gastar o dinheiro num determinado prazo, mas sobre a resiliência ao risco sísmico é um vazio. A displicência com que se desvaloriza o risco, sem relevância estratégica, cívica e eleitoral, projeta-se na pacatez com que aceitamos a inexistência de impulsos estruturais de reforço da resiliência face aos sismos, a outros riscos presentes na sociedade portuguesa ou a construção de infraestruturas hospitalares sem proteção em relação a esse risco.

Há uma triste tendência para sermos intolerantes com o acessório, em especial em função do umbigo, e complacentes com o que verdadeiramente importa, no imediato ou na emergência de uma expressão de risco. Ao considerar-se que a realidade só o é se tiver projeção mediática ou relevância eleitoral, entra-se numa dimensão em que se negligencia o que é estrutural, razão pela qual não se investe na manutenção e renovação dos sistemas de abastecimento de água com enormes perdas até ao consumidor, não se acautela a manutenção das infraestruturas após a sua construção e inauguração ou não se ataca o que alegadamente não dá votos porque incomoda o eleitor ou perturba as bolhas idílicas construídas em torno dos direitos, sem deveres.

É tempo de arrepiar caminho, de incorporar os riscos nas nossas vidas, sem bloquear, mas sendo conscientes e eficazes.

É tempo de exigir mais ação, sustentada, consequente e estável, até porque as opções e investimentos não podem estar dependentes da circunstância de quem está de turno no governo ou na presidência, na Câmara ou na junta, no comando ou na estrutura operacional de emergência e proteção civil.

É tempo de reforçar a consciência individual e comunitária dos riscos, sem alaridos excessivos, soberbas dos decisores ou proatividades inconsequentes que ainda induzem mais alarme e incerteza.

A história dá-nos avisos. Os especialistas sublinham os riscos reais existentes. As ocorrências sublinham as impreparações. É tempo de agir, de forma sustentada. Ontem, já era tarde.

NOTAS FINAIS

RIDÍCULO ALBUQUERQUE. A evidente incompetência do decisor político regional nos incêndios na Madeira foi elevada à máxima potência com a sustentação de que havia partidos (os que viabilizaram a governação, como o Chega ou a Iniciativa Liberal) que queriam aproveitar a ocorrência para deitar o governo abaixo. Tal só acontecia porque havia maioria simples. Imagine-se Montenegro a verberar que o sismo só aconteceu porque o governo não tinha maioria no parlamento. Tudo demasiado ridículo, com a soberba do poder de sempre.

A EXPETATIVA É O DIABO. Em breve reentrados nas rotinas do pós-férias, em rota do Orçamento de Estado para 2025, os protagonistas políticos estão cada vez mais enleados nas expetativas que geraram. Uns no poder, alimentaram a ideia das amplas disponibilidades orçamentais para ajustes positivos nos rendimentos, entremeadas com anúncios positivos pendentes de aprovação parlamentar. Outros na oposição, constrangidos entre a expetativa da oposição cristalizada a quem vigora ou a convergência mínima do compromisso, a bem do país. O diabo pode ser a expetativa gorada.

Impreparados


O sismo sentido com intensidade, em Lisboa, o maior desde 1969, ocorre 36 anos depois da tragédia do incêndio do Chiado e no rescaldo dos incêndios na Madeira que evidenciaram a impreparação ou soberba dos decisores políticos perante a ocorrência do risco.


A reiterada desvalorização individual e comunitária dos riscos nos modelos de organização e nos nossos quotidianos, dos cidadãos aos decisores, faz emergir toda uma evidência de impreparação, que é muito mais que um epifenómeno, é um perigoso padrão.

O risco existe e tem de ser incorporado nas decisões, nas ações e na interiorização de rotinas em função da probabilidade ou da inevitabilidade.

Em Portugal, o risco sísmico existe, mas tirando uns maduros e alguma legislação mais no papel do que na aplicação, este é normalmente desvalorizado. É claro que existem regiões do país, como os Açores, com um maior nível de consciência do risco e de prontidão cívica e institucional para as ocorrências, mas o nosso padrão de ponderação e de antecipação do risco é indigente. É proporcionalmente oposto à facilidade com que os media e alegados especialistas falam sobre tudo nos suportes existentes em modo de “encher chouriços” em antena.

O sismo sentido com intensidade, em Lisboa, o maior desde 1969, ocorre 36 anos depois da tragédia do incêndio do Chiado e no rescaldo dos incêndios na Madeira que evidenciaram a impreparação ou soberba dos decisores políticos perante a ocorrência do risco, sem os meios adequados para o combate e sem a humildade para solicitar apoio para o ataque inicial.

É preciso incorporar o risco nas vidas e colocá-lo no radar das decisões, mesmo que isso não tenha a visibilidade política, pública e mediática de outras opções mais rentáveis sob o ponto de vista eleitoral. É preciso fazê-lo de forma estruturada e sustentada, implacável no caso da aplicação de legislação antissísmica na construção em território de risco acrescido, como é o caso da grande Lisboa, onde se tem brincado com o fogo. Aqui, não pode haver nem quintais, nem quintinhas, de orgulhos bacocos que ficarão soterrados em caso de ocorrência, com relevo na perda de vidas, na destruição do edificado e na capacidade operacional de socorro. É que da minha experiência na área, o nível de integração operacional de Lisboa com o nível distrital e o plano nacional era sempre um caso à parte, sem a existência de rotinas de articulação e de agilização do socorro em caso de emergência. E no caso de uma ocorrência com relevantes impactos humanos e físicos, importa ter socorro posicionado no território com capacidade de resiliência para agir, mas boa parte da intervenção terá de vir do exterior, em função das disponibilidades de mobilidade no acesso às zonas sinistradas.

O risco não nos pode bloquear, mas tem de ser incorporado na organização e nos quotidianos, fazendo com que exercícios correntes anuais de consciencialização como o “A terra treme” da proteção civil, seja muito mais que uma nota de rodapé da atualidade ou uma coisa para as escolas.

Portugal tem em aplicação um Plano de Recuperação e Resiliência, o famoso PRR, com apoios da União Europeia, orientado para tanta coisa, por vezes com recurso a investimentos inconsequentes, a suporte de despesas correntes e à criatividade da necessidade de gastar o dinheiro num determinado prazo, mas sobre a resiliência ao risco sísmico é um vazio. A displicência com que se desvaloriza o risco, sem relevância estratégica, cívica e eleitoral, projeta-se na pacatez com que aceitamos a inexistência de impulsos estruturais de reforço da resiliência face aos sismos, a outros riscos presentes na sociedade portuguesa ou a construção de infraestruturas hospitalares sem proteção em relação a esse risco.

Há uma triste tendência para sermos intolerantes com o acessório, em especial em função do umbigo, e complacentes com o que verdadeiramente importa, no imediato ou na emergência de uma expressão de risco. Ao considerar-se que a realidade só o é se tiver projeção mediática ou relevância eleitoral, entra-se numa dimensão em que se negligencia o que é estrutural, razão pela qual não se investe na manutenção e renovação dos sistemas de abastecimento de água com enormes perdas até ao consumidor, não se acautela a manutenção das infraestruturas após a sua construção e inauguração ou não se ataca o que alegadamente não dá votos porque incomoda o eleitor ou perturba as bolhas idílicas construídas em torno dos direitos, sem deveres.

É tempo de arrepiar caminho, de incorporar os riscos nas nossas vidas, sem bloquear, mas sendo conscientes e eficazes.

É tempo de exigir mais ação, sustentada, consequente e estável, até porque as opções e investimentos não podem estar dependentes da circunstância de quem está de turno no governo ou na presidência, na Câmara ou na junta, no comando ou na estrutura operacional de emergência e proteção civil.

É tempo de reforçar a consciência individual e comunitária dos riscos, sem alaridos excessivos, soberbas dos decisores ou proatividades inconsequentes que ainda induzem mais alarme e incerteza.

A história dá-nos avisos. Os especialistas sublinham os riscos reais existentes. As ocorrências sublinham as impreparações. É tempo de agir, de forma sustentada. Ontem, já era tarde.

NOTAS FINAIS

RIDÍCULO ALBUQUERQUE. A evidente incompetência do decisor político regional nos incêndios na Madeira foi elevada à máxima potência com a sustentação de que havia partidos (os que viabilizaram a governação, como o Chega ou a Iniciativa Liberal) que queriam aproveitar a ocorrência para deitar o governo abaixo. Tal só acontecia porque havia maioria simples. Imagine-se Montenegro a verberar que o sismo só aconteceu porque o governo não tinha maioria no parlamento. Tudo demasiado ridículo, com a soberba do poder de sempre.

A EXPETATIVA É O DIABO. Em breve reentrados nas rotinas do pós-férias, em rota do Orçamento de Estado para 2025, os protagonistas políticos estão cada vez mais enleados nas expetativas que geraram. Uns no poder, alimentaram a ideia das amplas disponibilidades orçamentais para ajustes positivos nos rendimentos, entremeadas com anúncios positivos pendentes de aprovação parlamentar. Outros na oposição, constrangidos entre a expetativa da oposição cristalizada a quem vigora ou a convergência mínima do compromisso, a bem do país. O diabo pode ser a expetativa gorada.