Ana Paula Martins, o elo mais fraco


Falta à ministra da Saúde capacidade política e uma equipa mais forte de secretários de Estado.


1. Mesmo reconhecendo que o caos na Saúde estava instalado há muito tempo e se agravou imenso durante os oito anos de António Costa, é óbvio que a atual ministra tem cometido erros que acentuam ainda mais o problema. Apesar de ser uma profissional de renome, falta-lhe a capacidade política, o sentido de oportunidade e o método. Além disso, a equipa de secretários de Estado é fraca. É sobretudo o caso de Cristina Vaz Tomé, uma gestora sem experiência da área, que andou pela comunicação social pública e privada, sem deixar impressão positiva. A fraqueza da ministra é tão evidente que obrigou Montenegro e Marcelo a darem-lhe colo, a pretexto de uma deslocação ao Hospital de Santa Maria, casa mãe da maior ULS (Unidade Local de Saúde) do país e que, dentro de um quadro de dificuldades, funciona melhor do que no tempo em que Ana Paula Martins a administrava. Ciente desta debilidade, o líder do PS veio a público há dias criticar a ministra, obrigando Hugo Soares, o secretário geral do PSD, a defendê-la e a assinalar as culpas da herança socialista. Esta ministra entrou a matar logo que tomou posse. Anunciou, irrealisticamente, um plano a apresentar em 60 dias e substituiu, inopinadamente, Fernando Araújo que estava à frente do SNS. Depois veio o caso INEM, tão ou mais grave. Como se não bastasse, a imagem da Saúde tem se vindo a degradar ainda mais com casos sucessivos nas urgências de obstetrícia e ginecologia durante o verão. Além de ser de férias, é uma época em que a comunicação social se torna mais impiedosa na Saúde. As falhas são expostas e comentadas vezes sem conta nas televisões, amplificando o alarme social. Vai ser difícil a Montenegro aguentar a ministra, até porque está também degradada a relação desta com as corporações do setor. E sabe-se a força que elas têm. A história da nossa democracia mostra que os ministros da Saúde são muitas vezes o elo mais fraco, até quando são pessoas bem preparadas política e tecnicamente.

2. Falando em ministros a prazo, é no mínimo estranha a notícia de que Pedro Duarte tenciona candidatar-se à liderança do PSD Porto para eventualmente avançar a seguir para câmara da Invicta, a fim de suceder a Rui Moreira. A ambição política é legítima. Mas convém que assente num trabalho feito e reconhecido. Ora, Pedro Duarte pode até ter alguns atributos profissionais de excelência, mas o seu percurso político, apesar de longo, não lhe criou uma imagem de fazedor, essencial a qualquer autarca. É verdade que do lado dos sociais democratas escasseiam nomes fortes no Porto, enquanto o PS tem no seu naipe figuras como Manuel Pizarro, um topa-a-tudo da política. Há ainda quem admita a hipótese do controverso Nuno Cardoso, que presidiu à Câmara do Porto entre 1999 e 2002, substituindo Fernando Gomes chamado para o governo do PS, avançar para edilidade. Nuno Cardoso foi, depois, associado pelo Ministério Público a alegados atos ilegais, mas acabou sempre ilibado, nunca escondendo a vontade de regressar à política autárquica ativa no Porto. Veremos se avança, ao jeito de troublemaker.

3. Fez dez anos que o Banco Espírito Santos e todo o grupo se desmoronou com estrondo, pondo a nu uma teia criminosa que vinha sendo denunciada por alguma imprensa, designadamente este jornal. A queda do BES arrastou outras. Foi o caso da PT de que os portugueses se orgulhavam. Na passagem da década, muitos especialistas e jornalistas saudaram a circunstância da fórmula encontrada para a resolução do banco e do grupo ter tido um impacto diminuto nos contribuintes. Isto porque, segundo explicam, quem está a pagar são os outros bancos. A explicação é piedosa. De facto, é verdade que não são os contribuintes que pagam diretamente. São os clientes bancários, através, nomeadamente, das comissões brutais e diminutas taxas de juro que lhes pagam. Em Portugal, toda a gente tem uma ou mais contas bancárias. E ninguém se livra dos custos que isso implica. O que se pode dizer da resolução é apenas que ela não aparece nas contas públicas. Mas lá que pesa na carteira de cada um, pesa. Há uma lógica implacável que manda dizer que os custos são sempre sustentados por multidões de consumidores. Veja-se o que se prepara com a ideia de acabar com o ISP, o subsídio aos combustíveis, que terá custado 1040 milhões de euros de impostos em 2023. São milhões que podem ir direitinhos para pagar a corporações e fazer face ao aumento de custos em muitas áreas. Tira-se de um lado para pôr noutro. Sempre assim foi entre nós, onde os ganhos de eficiência são uma raridade em termos de Estado. O dinheiro não estica, como sabem as famílias portuguesas.

4. Os tumultos ocorridos no Reino Unido evidenciaram que tudo o que (verdade ou não) possa ser associado a uma ocorrência negativa resultante da imigração é potencialmente gerador de violência. Desta vez, o esfaqueamento e morte de três crianças por um inglês descendente de ruandeses foi o pretexto, tanto para a extrema-direita como para os radicais de esquerda e os anarquistas saírem à rua para causar distúrbios. O governo trabalhista tem atuado com dureza para aplacar o vandalismo. Mobilizou forças militares e, democraticamente, impôs procedimentos céleres de justiça que, entre nós, seriam impensáveis. Mas sobra uma evidência. O executivo só é maioritário no Parlamento por causa do método eleitoral. A realidade sociopolítica, essa, é profundamente diferente. Os ingleses souberam acolher e integrar, dentro de certos limites. Há mesmo gente originária das suas ex-colónias que é 100% britânica, mantendo as suas tradições, ao ponto de serem governantes de topo. O problema não está nesses. Está nos que chegaram e até lá nasceram, mas não conseguem ou não querem integrar-se. Alguns lutam até para impor valores não europeus e costumes medievais. O que se passa no Reino Unido e em muitos pontos da Europa é também fruto de uma saturação de gente que se sente ameaçada nas suas tradições e costumes na sua própria terra.

5. Do outro lado da Mancha, passados os Jogos Olímpicos, a França política volta a ser o ponto fulcral do espaço da União Europeia. Macron tem de encontrar soluções depois da enorme confusão gerada pelas legislativas. O que se decidir entre o presidente e os políticos pode ter repercussões explosivas nas ruas do país. Mais até do que no Reino Unido, onde a democracia tem uma tradição mais antiga e mais formal, enquanto a França é um país de turbulência sistemática. Há uma crise identitária profunda com o país dividido entre esquerda e direita, rurais e urbanos, e onde só uma pequena parte é moderada, o que torna tudo perigoso e complexo. Tal como no Reino Unido, a questão da imigração e da integração está na base de muitos dos problemas, sendo que o modelo social dos dois países já não produz riqueza para distribuir.

6. Por estranho que possa parecer, a humilhação que o Estado espanhol sofreu com a ida triunfal e fuga magistral de Puigdemont, deu um jeitão político a Pedro Sánchez. Se, apesar de amnistiado, Puigdemont tivesse sido preso a pretexto de peculato era inevitável que os nacionalistas dos Juntos pela Catalunha deixassem cair Sánchez nas cortes de Madrid. A política tem destes casos em que se ganha, parecendo que se perde. Sánchez é um sobrevivente disposto a tudo, mesmo à custa da imagem do país. Puigdemont voltou tranquilamente para Bruxelas, preferindo o conforto e a estratégia à vitimização.

7. Tim Walz, um democrata bastante liberal de 60 anos, foi o escolhido para fazer dupla com Kamala Harris na corrida à Presidência americana. Os especialistas dizem que tem boa aceitação nos meios rurais, o que parece contraditório com as posições esquerdistas como governador do Minnesota, um dos Estados essenciais para definir a vitória. A equipa Harris/Walz teve impacto positivo nas sondagens e encostou Trump ao seu velho discurso fanfarrão, feito de autoelogios e insultos. Estes dois democratas não são de se encolher na confrontação política e ideológica. Tudo em está novamente em aberto.

Ana Paula Martins, o elo mais fraco


Falta à ministra da Saúde capacidade política e uma equipa mais forte de secretários de Estado.


1. Mesmo reconhecendo que o caos na Saúde estava instalado há muito tempo e se agravou imenso durante os oito anos de António Costa, é óbvio que a atual ministra tem cometido erros que acentuam ainda mais o problema. Apesar de ser uma profissional de renome, falta-lhe a capacidade política, o sentido de oportunidade e o método. Além disso, a equipa de secretários de Estado é fraca. É sobretudo o caso de Cristina Vaz Tomé, uma gestora sem experiência da área, que andou pela comunicação social pública e privada, sem deixar impressão positiva. A fraqueza da ministra é tão evidente que obrigou Montenegro e Marcelo a darem-lhe colo, a pretexto de uma deslocação ao Hospital de Santa Maria, casa mãe da maior ULS (Unidade Local de Saúde) do país e que, dentro de um quadro de dificuldades, funciona melhor do que no tempo em que Ana Paula Martins a administrava. Ciente desta debilidade, o líder do PS veio a público há dias criticar a ministra, obrigando Hugo Soares, o secretário geral do PSD, a defendê-la e a assinalar as culpas da herança socialista. Esta ministra entrou a matar logo que tomou posse. Anunciou, irrealisticamente, um plano a apresentar em 60 dias e substituiu, inopinadamente, Fernando Araújo que estava à frente do SNS. Depois veio o caso INEM, tão ou mais grave. Como se não bastasse, a imagem da Saúde tem se vindo a degradar ainda mais com casos sucessivos nas urgências de obstetrícia e ginecologia durante o verão. Além de ser de férias, é uma época em que a comunicação social se torna mais impiedosa na Saúde. As falhas são expostas e comentadas vezes sem conta nas televisões, amplificando o alarme social. Vai ser difícil a Montenegro aguentar a ministra, até porque está também degradada a relação desta com as corporações do setor. E sabe-se a força que elas têm. A história da nossa democracia mostra que os ministros da Saúde são muitas vezes o elo mais fraco, até quando são pessoas bem preparadas política e tecnicamente.

2. Falando em ministros a prazo, é no mínimo estranha a notícia de que Pedro Duarte tenciona candidatar-se à liderança do PSD Porto para eventualmente avançar a seguir para câmara da Invicta, a fim de suceder a Rui Moreira. A ambição política é legítima. Mas convém que assente num trabalho feito e reconhecido. Ora, Pedro Duarte pode até ter alguns atributos profissionais de excelência, mas o seu percurso político, apesar de longo, não lhe criou uma imagem de fazedor, essencial a qualquer autarca. É verdade que do lado dos sociais democratas escasseiam nomes fortes no Porto, enquanto o PS tem no seu naipe figuras como Manuel Pizarro, um topa-a-tudo da política. Há ainda quem admita a hipótese do controverso Nuno Cardoso, que presidiu à Câmara do Porto entre 1999 e 2002, substituindo Fernando Gomes chamado para o governo do PS, avançar para edilidade. Nuno Cardoso foi, depois, associado pelo Ministério Público a alegados atos ilegais, mas acabou sempre ilibado, nunca escondendo a vontade de regressar à política autárquica ativa no Porto. Veremos se avança, ao jeito de troublemaker.

3. Fez dez anos que o Banco Espírito Santos e todo o grupo se desmoronou com estrondo, pondo a nu uma teia criminosa que vinha sendo denunciada por alguma imprensa, designadamente este jornal. A queda do BES arrastou outras. Foi o caso da PT de que os portugueses se orgulhavam. Na passagem da década, muitos especialistas e jornalistas saudaram a circunstância da fórmula encontrada para a resolução do banco e do grupo ter tido um impacto diminuto nos contribuintes. Isto porque, segundo explicam, quem está a pagar são os outros bancos. A explicação é piedosa. De facto, é verdade que não são os contribuintes que pagam diretamente. São os clientes bancários, através, nomeadamente, das comissões brutais e diminutas taxas de juro que lhes pagam. Em Portugal, toda a gente tem uma ou mais contas bancárias. E ninguém se livra dos custos que isso implica. O que se pode dizer da resolução é apenas que ela não aparece nas contas públicas. Mas lá que pesa na carteira de cada um, pesa. Há uma lógica implacável que manda dizer que os custos são sempre sustentados por multidões de consumidores. Veja-se o que se prepara com a ideia de acabar com o ISP, o subsídio aos combustíveis, que terá custado 1040 milhões de euros de impostos em 2023. São milhões que podem ir direitinhos para pagar a corporações e fazer face ao aumento de custos em muitas áreas. Tira-se de um lado para pôr noutro. Sempre assim foi entre nós, onde os ganhos de eficiência são uma raridade em termos de Estado. O dinheiro não estica, como sabem as famílias portuguesas.

4. Os tumultos ocorridos no Reino Unido evidenciaram que tudo o que (verdade ou não) possa ser associado a uma ocorrência negativa resultante da imigração é potencialmente gerador de violência. Desta vez, o esfaqueamento e morte de três crianças por um inglês descendente de ruandeses foi o pretexto, tanto para a extrema-direita como para os radicais de esquerda e os anarquistas saírem à rua para causar distúrbios. O governo trabalhista tem atuado com dureza para aplacar o vandalismo. Mobilizou forças militares e, democraticamente, impôs procedimentos céleres de justiça que, entre nós, seriam impensáveis. Mas sobra uma evidência. O executivo só é maioritário no Parlamento por causa do método eleitoral. A realidade sociopolítica, essa, é profundamente diferente. Os ingleses souberam acolher e integrar, dentro de certos limites. Há mesmo gente originária das suas ex-colónias que é 100% britânica, mantendo as suas tradições, ao ponto de serem governantes de topo. O problema não está nesses. Está nos que chegaram e até lá nasceram, mas não conseguem ou não querem integrar-se. Alguns lutam até para impor valores não europeus e costumes medievais. O que se passa no Reino Unido e em muitos pontos da Europa é também fruto de uma saturação de gente que se sente ameaçada nas suas tradições e costumes na sua própria terra.

5. Do outro lado da Mancha, passados os Jogos Olímpicos, a França política volta a ser o ponto fulcral do espaço da União Europeia. Macron tem de encontrar soluções depois da enorme confusão gerada pelas legislativas. O que se decidir entre o presidente e os políticos pode ter repercussões explosivas nas ruas do país. Mais até do que no Reino Unido, onde a democracia tem uma tradição mais antiga e mais formal, enquanto a França é um país de turbulência sistemática. Há uma crise identitária profunda com o país dividido entre esquerda e direita, rurais e urbanos, e onde só uma pequena parte é moderada, o que torna tudo perigoso e complexo. Tal como no Reino Unido, a questão da imigração e da integração está na base de muitos dos problemas, sendo que o modelo social dos dois países já não produz riqueza para distribuir.

6. Por estranho que possa parecer, a humilhação que o Estado espanhol sofreu com a ida triunfal e fuga magistral de Puigdemont, deu um jeitão político a Pedro Sánchez. Se, apesar de amnistiado, Puigdemont tivesse sido preso a pretexto de peculato era inevitável que os nacionalistas dos Juntos pela Catalunha deixassem cair Sánchez nas cortes de Madrid. A política tem destes casos em que se ganha, parecendo que se perde. Sánchez é um sobrevivente disposto a tudo, mesmo à custa da imagem do país. Puigdemont voltou tranquilamente para Bruxelas, preferindo o conforto e a estratégia à vitimização.

7. Tim Walz, um democrata bastante liberal de 60 anos, foi o escolhido para fazer dupla com Kamala Harris na corrida à Presidência americana. Os especialistas dizem que tem boa aceitação nos meios rurais, o que parece contraditório com as posições esquerdistas como governador do Minnesota, um dos Estados essenciais para definir a vitória. A equipa Harris/Walz teve impacto positivo nas sondagens e encostou Trump ao seu velho discurso fanfarrão, feito de autoelogios e insultos. Estes dois democratas não são de se encolher na confrontação política e ideológica. Tudo em está novamente em aberto.