A ocupação da Palestina vista pelo TIJ


“Para além dos episódios televisionados de violência e de sofrimento, o conflito na Palestina também percorre a via judiciária internacional.”


No dia 19 de Julho o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) divulgou o Parecer Consultivo requerido pela Assembleia Geral da ONU sobre “as consequências jurídicas resultantes das práticas e políticas de Israel nos territórios palestinianos ocupados, incluindo Jerusalém Oriental”. O Parecer foi requerido a 17 de Janeiro de 2023 e, não obstante o elevado número de casos entretanto submetidos ao TIJ (incluindo o litígio iniciado pela África do Sul contra Israel a propósito das operações militares na Faixa de Gaza) e o elevando número de intervenientes (Estados e organizações internacionais) neste processo (mais de 60), a decisão do TIJ foi, quando comparada com a prática noutros casos, célere.

            Do ponto de vista da matriz de um tribunal colectivo (15 juízes), em que os votos de vencido e as declarações de voto são frequentes, o Parecer é sólido, com  uma decisão unânime, 3 decisões 14-1, 3 decisões 13-2 e duas decisões 11-4. Com um paralelo com o que aconteceu nos sucessivos  decretamentos, pelo TIJ, de medidas provisórias no litígio que opõe a África do Sul a Israel, o reconhecimento da factualidade é pesado: “violação sistemática baseada, inter alia, na raça, religião, origem étnica, em violação […] do Pacto dos Direitos Civis e Políticos, […] do Pacto dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais e […] da Convenção Internacional sobre a eliminação de todas  a formas de discriminação racial.” (§ 223).

            A primeira metade do Parecer analisa detalhadamente a factualidade, concluindo que a deliberada fragmentação, por Israel, do território palestiniano afecta a respectiva integridade territorial e esta é uma condição necessária para o exercício do direito a auto-determinação pelo povo palestiniano. O direito à auto-determinação gera, como resulta da jurisprudência constante do TIJ (maxime caso de Timor Leste, Portugal v. Austrália – 1995, e nos Pareceres relativos à construção do muro em território ocupado – 2004, e sobre o estatuto do Sudoeste Africano – Namíbia, 1950) obrigações erga omnes. Tal significa que todos os Estados estão obrigados a não reconhecer a ocupação ilícita do território palestiniano. As convenções internacionais em vigor (desde logo o acordo de associação entre a União Europeia e Israel…) terão de ser aplicadas em conformidade com aquela obrigação. Adivinha-se uma vaga de litigância nos tribunais dos vários Estados-membros da UE e nos tribunais da União.

            A multiplicação de instâncias jurisdicionais que se debruçam sobre o estatuto do território palestiniano poderá contribuir para a fragmentação do direito aplicável (já existem exemplos em relação ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem quanto à qualificação da “ocupação”). Perante o Tribunal Penal Internacional e perante o Supremo Tribunal de Israel correm diversos casos em que se discute a ocupação, actual e pretérita mas também as consequências futuras em caso de retirada de Israel da Faixa de Gaza.

            O Parecer do TIJ opta por uma abordagem funcional ao conceito de ocupação, aplicável a Gaza depois da retirada de Israel em 2005, na medida em que manteve um controlo absoluto das fronteiras terrestres, marítimas e aéreas. Este controlo é feito com recurso à força ou com ameaça de  uso da força. No caso de Jerusalém Oriental e da margem ocidental do Jordão, a ocupação é feita com recurso aos poderes (legislativos, jurisdicionais e administrativos) do Estado ocupante.

A ocupação da Palestina vista pelo TIJ


"Para além dos episódios televisionados de violência e de sofrimento, o conflito na Palestina também percorre a via judiciária internacional."


No dia 19 de Julho o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) divulgou o Parecer Consultivo requerido pela Assembleia Geral da ONU sobre “as consequências jurídicas resultantes das práticas e políticas de Israel nos territórios palestinianos ocupados, incluindo Jerusalém Oriental”. O Parecer foi requerido a 17 de Janeiro de 2023 e, não obstante o elevado número de casos entretanto submetidos ao TIJ (incluindo o litígio iniciado pela África do Sul contra Israel a propósito das operações militares na Faixa de Gaza) e o elevando número de intervenientes (Estados e organizações internacionais) neste processo (mais de 60), a decisão do TIJ foi, quando comparada com a prática noutros casos, célere.

            Do ponto de vista da matriz de um tribunal colectivo (15 juízes), em que os votos de vencido e as declarações de voto são frequentes, o Parecer é sólido, com  uma decisão unânime, 3 decisões 14-1, 3 decisões 13-2 e duas decisões 11-4. Com um paralelo com o que aconteceu nos sucessivos  decretamentos, pelo TIJ, de medidas provisórias no litígio que opõe a África do Sul a Israel, o reconhecimento da factualidade é pesado: “violação sistemática baseada, inter alia, na raça, religião, origem étnica, em violação […] do Pacto dos Direitos Civis e Políticos, […] do Pacto dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais e […] da Convenção Internacional sobre a eliminação de todas  a formas de discriminação racial.” (§ 223).

            A primeira metade do Parecer analisa detalhadamente a factualidade, concluindo que a deliberada fragmentação, por Israel, do território palestiniano afecta a respectiva integridade territorial e esta é uma condição necessária para o exercício do direito a auto-determinação pelo povo palestiniano. O direito à auto-determinação gera, como resulta da jurisprudência constante do TIJ (maxime caso de Timor Leste, Portugal v. Austrália – 1995, e nos Pareceres relativos à construção do muro em território ocupado – 2004, e sobre o estatuto do Sudoeste Africano – Namíbia, 1950) obrigações erga omnes. Tal significa que todos os Estados estão obrigados a não reconhecer a ocupação ilícita do território palestiniano. As convenções internacionais em vigor (desde logo o acordo de associação entre a União Europeia e Israel…) terão de ser aplicadas em conformidade com aquela obrigação. Adivinha-se uma vaga de litigância nos tribunais dos vários Estados-membros da UE e nos tribunais da União.

            A multiplicação de instâncias jurisdicionais que se debruçam sobre o estatuto do território palestiniano poderá contribuir para a fragmentação do direito aplicável (já existem exemplos em relação ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem quanto à qualificação da “ocupação”). Perante o Tribunal Penal Internacional e perante o Supremo Tribunal de Israel correm diversos casos em que se discute a ocupação, actual e pretérita mas também as consequências futuras em caso de retirada de Israel da Faixa de Gaza.

            O Parecer do TIJ opta por uma abordagem funcional ao conceito de ocupação, aplicável a Gaza depois da retirada de Israel em 2005, na medida em que manteve um controlo absoluto das fronteiras terrestres, marítimas e aéreas. Este controlo é feito com recurso à força ou com ameaça de  uso da força. No caso de Jerusalém Oriental e da margem ocidental do Jordão, a ocupação é feita com recurso aos poderes (legislativos, jurisdicionais e administrativos) do Estado ocupante.