Com a desistência de Joe Biden no passado domingo, Kamala Harris, ainda vice-presidente, parece ser a candidata mais que provável do Partido Democrata para enfrentar Donald Trump nas eleições presidenciais de novembro.
Os democratas encontravam-se perante duas opções no que à escolha do novo candidato diz respeito, sendo a primeira, e mais provável, uma decisão já no princípio de agosto através de uma votação virtual. A segunda, e menos desejável para o partido, seria adiar a escolha para a Convenção Nacional Democrata que decorrerá entre os dias 19 e 22 de agosto, em Chicago.
A primeira hipótese parece certa, com 85% dos delegados a demonstrarem já o seu apoio a Harris, que apenas necessita da maioria dos votos. Um apoio interno desta dimensão demonstra união, é certo, mas mais do que isso reflete a necessidade de colocar um ponto final no processo para que seja o menos desgastante possível dada a proximidade das eleições.
É de realçar que, para além do apoio generalizado, a vice-presidente dos Estados Unidos conta com o aval de alguns ‘pesos pesados’ do partido, como Nancy Pelosi e a família Clinton. Os Obamas, talvez por motivos estratégicos, ainda não o fizeram.
Uma máquina de angariar fundos
A campanha de Joe Biden dispunha de 240 milhões de dólares no início deste mês, mas certamente que o valor atual é já bastante inferior. De qualquer modo, paira a dúvida se o restante pode ser canalizado para a nova campanha liderada por Harris. As opiniões dos especialistas dividem-se, mas, seja como for, o dinheiro não parece ser um problema para a nova candidata do Partido Democrata.
Estima-se que a vice-presidente tenha conseguido já angariar 126 milhões de dólares desde domingo, sendo que 81 desses 126 foram atingidos nas primeiras 24 horas – um recorde, como revelou a própria campanha.
Segundo o USA Today, 64% deste valor é proveniente de novos patrocinadores, o que é revelador da desconfiança que recaía sobre as capacidades de Joe Biden em garantir a reeleição.
Alguns analistas reconhecem que Kamala Harris tem condições para derrotar Trump, principalmente depois de publicada a sondagem da Reuters em parceria com a Ipsos – onde Harris aparece à frente do candidato republicano –, na quarta-feira, causando uma histeria generalizada um pouco por toda a parte.
Porém, há vários fatores a ter em conta.
A relevância das sondagens
É certo que as sondagens a nível nacional são um indicador geral das intenções de voto, mas a sua significância e objetividade é relativamente baixa dado o sistema eleitoral americano. Um candidato pode até conseguir mais votos e mesmo assim perder a eleição. Veja-se o caso recente de 2016, onde Hillary Clinton obteve mais três milhões de votos que Donald Trump e acabou por não ser eleita para a Sala Oval.
Posto isto, as sondagens que permitem analisar e fazer previsões com um certo rigor são aquelas que discriminam os Estados de forma isolada, principalmente nos decisivos ‘swing states’ e ‘battleground states’.
Dias antes de Biden anunciar a sua desistência, as sondagens nestes Estados apresentavam Trump à frente com uma margem confortável, sendo que os números em dois dos mais importantes – a Pensilvânia e a Geórgia – e que decidiram as duas últimas eleições, são também altamente favoráveis ao ex-Presidente.
Para além disto, Trump está com valores bastante significativos em Estados tendencialmente democratas. É o caso da Virgínia, onde o Partido Republicano conseguiu pela última vez os treze votos em 2004 com George W. Bush.
Há ainda outro aspeto de incontornável importância a ser considerado: o impacto dos acontecimentos só começa a ser realmente verificado nas sondagens após duas semanas, significando isto que a tentativa de assassinato contra Trump e a Convenção Nacional Republicana só agora começam a ter um peso considerável nos inquéritos. Faz, então, pouco sentido assumir que as sondagens já refletem de forma precisa a desistência de Biden e a consequente nomeação (ainda não oficial) de Harris.
Assim, pressupor que Kamala é a favorita através da sondagem de quarta-feira – mesmo havendo outras sondagens que dão Trump na dianteira – é impreciso e pode ter apenas fins estratégicos, uma vez que ainda não foi oficialmente nomeada nem escolheu o seu candidato para a vice-presidência – algo que pode também ter impacto nas intenções de voto.
As possíveis escolhas de Kamala
A escolha do parceiro na corrida à Casa Branca é uma das decisões mais importantes no processo eleitoral. Kamala Harris tem um leque de opções que podem ser tomadas consoante a necessidade.
Entre os nomes que estão em cima da mesa há dois que inevitavelmente se destacam: o senador Mark Kelly e o governador da Pensilvânia Josh Shapiro.
O primeiro, que representa o Estado do Arizona no Senado, foi astronauta na NASA e piloto da marinha americana, carregando consigo, ao mesmo tempo, um aspeto importante: a sua esposa foi alvejada em 2011 e, daí em diante, o casal tornou-se ativista no que à segurança de armas diz respeito – uma das bandeiras agregadoras do eleitorado democrata. Também o facto de ser senador de um dos Estados decisivos pode aumentar a possibilidade de vitória no Arizona.
Também Shapiro, governador de outro Estado bastante importante, pode ser escolhido de modo a aumentar as hipóteses dos democratas na Pensilvânia. É de salientar que Josh Shapiro ficou à frente tanto de Hillary Clinton como de Joe Biden neste Estado, o que o torna automaticamente num ativo eleitoral para Kamala Harris, que não se pode dar ao luxo de perder a Pensilvânia.
Andy Beshear, Gretchen Whitmer e J.B. Pritzker constam da lista de possíveis escolhas, ainda que sejam pouco prováveis.
Com a desistência de Biden, o Partido Democrata demonstrou que realmente tentou encobrir a incapacidade física e cognitiva do Presidente – que ontem se dirigiu ao país, ainda que não especificando o porquê do abandono nem como pretende continuar à frente dos EUA – e agora, num momento em que as previsões eram tudo menos favoráveis, optou por forçar a sua saída.
Com isto, Kamala Harris não teve de passar pelo processo das primárias que normalmente provoca um desgaste político significativo.
Num momento delicado e desafiante para o Ocidente, as próximas presidenciais americanas serão decisivas para o rumo do país… e do mundo.