Estado da Nação. Haverá dinheiro para tudo?

Estado da Nação. Haverá dinheiro para tudo?


Luís Aguiar-Conraria fala em folga orçamental e justifica-a com a realidade macroeconómica. César das Neves diz que medidas ‘não auguram nada de bom no campo orçamental’.


O Governo tem vindo a anunciar medidas atrás de medidas e, ao mesmo tempo, acena com promessas. Depois de ter chegado a acordo com as forças policiais, em que prevê um aumento faseado de 300 euros, até 2026, no subsídio de risco para os polícias e na aprovação da recuperação do tempo de serviços dos professores, agora aponta para a tão prometida descida do IRC que foi alvo de fortes críticas por parte dos partidos de oposição durante o debate do Estado da Nação.

Ao Nascer do SOL, o economista João César das Neves alerta para o risco de estarmos perante uma redução de impostos e um aumento da despesa, o que poderá pôr em causa o excedente orçamental. Já em relação às promessas que têm sido feitas pelo Executivo liderado por Luís Montenegro refere que «ainda ninguém conhece os detalhes das medidas e sobretudo o seu calendário, mas esse pacote, junto à fragilidade parlamentar do executivo, não auguram nada de bom no campo orçamental».

Mais otimista está Luís Aguiar-Conraria ao referir que existe «uma nova realidade macroeconómica a que já não estávamos habituados». O economista lembra que o país está a crescer e a somar aos 2% que estão previstos há que contar com 3% de inflação. «Isso quer dizer que, em termos nominais, cresce 5%, o que dá alguma margem». E faz as contas: «Se as medidas custarem qualquer coisa como 1.500 milhões de euros com um PIB de 270 mil milhões dá qualquer coisa como 0,5 ou 0,6% do PIB. Não é nada do outro mundo e a ideia com que fico é que alguma folga que exista dá para fazer algumas dessas medidas».

Já quando questionado se a estas medidas poderão implicar pressões de outras classes profissionais, Luís Aguiar-Conraria elogia as declarações de Luís Montenegro a dizer que não ultrapassava o aumento de 300 euros para as forças policiais. Ainda assim, admite que «se calhar vai ter que fazer isso algumas vezes» e, mesmo reconhecendo algumas folgas acena com a importância da dar prioridades. «Há aqui alguma folga para algumas coisas mas têm de estabelecer prioridades, não pode ser tudo para todos. Já não estamos na situação em que estávamos há quatro, cinco, seis, sete anos, em que tínhamos uma dívida pública que chegou a estar nos 130% e depois tinha que ser uma prioridade absoluta».

É certo que agora uma das políticas de bandeira do Governo e que foi um dos temas centrais deste Estado da Nação diz respeito à redução do IRC, uma das promessas de Luís Montenegro em campanha eleitoral. A ideia é baixar este imposto para os 15% até ao final da legislatura. Mas há muitas divergências à esquerda quanto à aprovação desta medida que pode fazer os partidos baterem de frente. O PS de Pedro Nuno Santos, fala em valores que vão rondar os cerca de 4.5 mil milhões de euros até 2028.

E atacou: «Claramente o senhor primeiro-ministro ainda hoje não sabe que as medidas fiscais quando são tomadas repetem-se todos os anos. E, portanto, o custo não é 500+500+500. Em 2025 custam 500; em 2026 são mil milhões; em 2027 são 1500 e depois são 1500 todos os anos de perda de receita em IRC», detalhou. Uma opinião partilhada por Paulo Raimundo do PCP e, Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, que falam em «ganância».

Mas as acusações dos partidos de esquerda não convencem Luís Aguiar-Conraria. «Por definição, quando baixamos impostos, vamos beneficiar quem paga os impostos. Isso não há volta a dar. Ao baixar o IRC é evidente que vamos beneficiar as maiores empresas, por definição. As cerca de 40% de empresas que não pagam este imposto é porque alguma coisa se passa de errado com elas e, nesse caso, não me parece que devam ser muito mais beneficiadas. Já são beneficiadas por não pagarem e, se não têm lucros nenhuns, se calhar estarão a fazer algum tipo de contabilidade criativa para não terem impostos, isso é esquisito», salienta.

No entanto, o economista lembra que atualmente são poucas as empresas a pagar muito IRC, o que poderá significar que muitas empresas poderão deixar de vir para Portugal por causa deste imposto. «Acho que há uma leitura generalizadamente errada dos partidos muito à esquerda do PS. O facto de haver poucas empresas a pagar IRC tão alto significa que alguma coisa está a impedir que essas empresas existam em Portugal. Empresas que façam lucros, que serão grandes empresas. O que é que se passa? E, se calhar, isso é um sintoma do IRC ser demasiado alto», acrescentando ainda que «as empresas que não têm lucros, vão à falência».

OE: ‘Ainda é cedo’

Há lados opostos entre PS e AD, como sempre. Mas as linhas vermelhas faladas neste Estado da Nação podem ser tratadas. Mas com pinças. O PS diz ser «praticamente impossível» aprovar o OE para o próximo ano se o Governo não pensar nas suas preocupações. E já se sabe: as mexidas no IRS Jovem e no IRC são os principais entraves.

Mas o Governo abriu o jogo e admitiu discutir estas medidas, tal como o PS. Mas Pedro Nuno Santos avisou que «o Governo não tem de pedir lealdade ao Parlamento, antes presta contas ao Parlamento». O primeiro-ministro promete estar disposto a negociar mas sem fazer grandes alterações ao programa que apresentou para governar. Afinal, diz, é «o único em vigor».

Ao nosso jornal, Luís Aguiar-Conraria referiu que ainda é cedo para falar em eventuais chumbos do documento, mas já admite que possa vir a existir «grande pirotecnia», reconhecendo que, apesar de agora se mostrarem muito inflexíveis, nos bastidores vão ter de chegar a acordo. O economista diz ainda que a ameaça de eleições antecipadas não faz sentido para nenhum dos partidos. «Parece-me que o PS está numa situação em que vai ter que aprovar o Orçamento. A minha leitura é política, não é económica. Isto porque, se houvesse eleições antecipadas haveria alguma probabilidade de o PS as perder. E, se isso acontecer, Pedro Nuno Santos, depois de duas derrotas consecutivas em legislativas, tem que sair».