Não obstante este quadro assustador, a Cimeira de Washington teve um só ponto na agenda: Trump, desdobrado nas tentativas de prova das capacidades cognitivas de Biden, de cumprimento das promessas de apoio dos EUA à Ucrânia depois das eleições no dia 5 de Novembro e na dupla ficção de que os europeus, mesmo a prazo, se conseguem defender sozinhos e, antes disso, defender os ucranianos.
O ensaio de blindagem feito, por via legislativa, no final de 2023, pelo Congresso dos EUA, para proibir o abandono da NATO por mera decisão presidencial, é irrelevante porque o simples anúncio do não respeito pela cláusula de legítima defesa colectiva (como feito por Trump na Cimeira da NATO de 2018 em Bruxelas e repetido na campanha eleitoral em Fevereiro deste ano) tem os mesmos efeitos da denúncia do Tratado de Washington. Se o Presidente dos EUA anuncia o não cumprimento do artigo 5º, o Tratado não vale o papel em que está escrito.
A Cimeira de Washington revisitou decisões com implicações financeiras importantes. A obrigação de gastar pelo menos 2% do PIB em defesa foi assumida pelos Estados-membros da NATO, em 2014, na Cimeira de Gales. Em Portugal incluímos criativamente neste valor as reformas e pensões dos militares, uma componente importante da actividade da GNR e dedicamos o grosso do orçamento a despesas correntes e com pessoal, sobrando pouco para a aquisição de novos equipamentos. E mesmo assim não atingimos a meta. A Lei de Programação Militar é sistematicamente incumprida, vítima de repetidos adiamentos e de cativações contra legem.
O apoio militar dos Estados-membros da NATO à Ucrânia não deve ser inferior a 40 mil milhões de euros por ano. Com base na chave de distribuição de custos do orçamento da NATO temos a pagar 1%: 400 milhões de euros por ano (a recuperação do tempo de serviço dos professores custa 470 milhões entre 2024 e 2028, segundo a UTAO).
Estes são os encargos sem que os EUA ponham fim ao seu patrocínio. Em cima da mesa está a necessidade de transformar o PIB da dos membros europeus da NATO (comparável ao dos EUA, cerca de 25% do PIB mundial) em poder militar. Mesmo que os europeus emitissem nova dívida pública para investimento em defesa (e que fosse dispensada dos limites de endividamento estabelecidos pela UE) há um problema de indisponibilidade em mercado de equipamentos de defesa, em particular os mais sofisticados (o ciclo de aquisição é incompatível com necessidades imediatas de defesa).
A NATO foi desenhada, pelos EUA, como solução provisória até estar concluída a re-militarização da Europa ocidental (em particular da RFA). Eisenhower, o primeiro Comandante Supremo Aliado na Europa, deixou, em 1951, testemunho: “[w]e cannot be a modern Rome guarding the far frontiers with our legions if for no other reason that because these are not, politically, our frontiers. … If in ten years, all American troops stationed in Europe for national defense purposes have not been returned to the United States, then this whole [NATO] project will have failed.” Ironicamente muitas construções humanas nascidas sob o signo do provisório tornam-se definitivas. Durante a guerra fria os europeus consideraram a continuação dos EUA na Europa como sendo menos perigosa, vista de Moscovo, do que a remilitarização dos Estados da Europa ocidental. Em 2024 a remilitarização de vários Estados no Leste europeu consome mais de 3% do respectivo PIB. 75 anos depois, a lenta remilitarização da Europa não deixará de continuar a inspirar guerras preventivas.