Os números são contraditórios. Se há estudos que revelam que o orçamento para férias das famílias portuguesas para o verão deste ano aumentou para 1961 euros, o valor mais elevado de sempre – embora abaixo da média europeia, de 2.446 euros -, há outros que indicam que os portugueses vão cortar nas férias para este ano e 40% admitem mesmo que estão a planear ficar em casa.
Os primeiros dados são do Barómetro Anual de Férias de Verão da Europ Assistance e revelam que, entre os 21 países considerados no estudo, o orçamento português encontra-se em 17.ª posição na tabela, sendo o da Suíça o mais elevado (4073 euros). “Apesar de ter um dos orçamentos mais baixos desta análise, Portugal destaca-se como o país europeu mais entusiasta em relação a viagens, com 86% das pessoas expressando o desejo de viajar, em comparação com uma média europeia de 80%”, refere o relatório, acrescentando que Portugal e Espanha são os “países da Europa com a maior proporção de pessoas (74%) a planear fazer férias de verão”. Alemanha e Polónia “são os países onde há menos pessoas a planear férias de verão, com apenas 63% da população a considerar essa possibilidade”.
Já o segundo, realizado pela plataforma, aponta o clima de incerteza e contenção financeira como as principais razões para os portugueses ponderarem cortar nos gastos. Entre os que escolheram ficar em casa, 46% apontam a falta de disponibilidade financeira como a principal razão, o que revela uma preocupação crescente com a economia doméstica e com a situação profissional. Além disso, 26% referem motivos familiares ou pessoais, enquanto 29% mencionam outros motivos.
A análise dos orçamentos destinados às férias em 2024 mostra uma tendência de redução: em comparação com o ano passado, 44% dos inquiridos afirmam ter um orçamento inferior, enquanto 42% mantêm o mesmo valor e apenas 14% indicam que vai aumentar o valor gasto em férias.
Dos restantes inquiridos, 31% indicam que vão viajar dentro do país e 20% vão passar férias no estrangeiro. Apenas 9% recorrem a casas de familiares.
“Há de tudo” Ao i, Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira da Deco, reconhece que o comportamento não vão vai ser igual para todas as famílias. “Aquelas famílias que têm crédito à habitação com taxas de esforço elevadas possivelmente vão ficar em casa ou vão fazer férias mais económicas, as que não têm essas preocupações provavelmente vão abrir os cordões à bolsa”.
E chama a atenção para o facto de a situação ser mais preocupadamente junto daqueles que têm menores rendimentos e que apresentam taxas de esforço mais elevadas com o crédito à habitação. Apesar da tendência de diminuição das taxas juros e das prestações mensais a pagar ao banco, ainda assim, afirma que os juros continuam a ser muito elevados. “Essas famílias vão ter que continuar a controlar muito bem as suas contas e possivelmente não vão poder entrar em grandes euforias”.
Já quando questionada sobre se são estes que têm maior tendência para recorrer ao crédito para férias, Natália Nunes diz que “existe um bocadinho de tudo”. E explica: “Existem aquelas pessoas que não conseguem fazer poupanças para as férias e, como tal, recorrem ao crédito. E depois temos aquelas pessoas que não têm essa dificuldade porque têm algum rendimento disponível e foram amealhando para as férias, mas depois durante as férias acabam por se descontrolar, muitas vezes, com a utilização do cartão de crédito”.
De acordo com a coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira da Deco, uma das outras questões com que nos deparamos é que, antes das férias, muitas vezes assistimos ao recurso ao crédito para financiar a compra das férias. E, às vezes, a tomada de decisão até dos produtos a adquirir não é a melhor. Outro aspeto a ter em conta é que, durante as férias, “porque estamos em férias e tentamos não controlar tanto as contas, acabamos por utilizar de forma às vezes menos controlada o cartão de crédito. E, depois, nos meses seguintes isso acaba por ser um problema.
Qual a melhor solução? Para a responsável, o ideal é o consumidor fazer uma boa compra. “Desde logo olhar para o seu orçamento familiar e ver o que em termos de endividamento o seu orçamento suporta, se tem ou não taxa de esforço que lhe permita suportar mais um crédito, mesmo que seja sem juros. Não se pode esquecer que vai ser repartido e que nos próximos meses vai ter de suportar o pagamento dessa prestação, até porque não se pode esquecer que em setembro há um aumento das despesas por causa do regresso à escola e essa é uma avaliação que tem que ser feita. Outra avaliação é ver qual é o produto de financiamento que vai escolher, se vai escolher o crédito pessoal ou se vai escolher um crédito que é proposto pela própria agência, por exemplo, e aí vai ter de ver qual é que tem o menor o menor custo”.
Natália Nunes reconhece, no entanto, que nem sempre é fácil fazer as contas, até porque considera que muitas famílias continuam a ter falta de algumas competências em termos de literacia financeira e, muitas vezes, não têm essas competências para fazer essa avaliação. “Acabam muitas vezes até por se deixarem influenciar por quem lhe está a apresentar, por exemplo, a viagem e acabam por não fazer uma boa boa avaliação”.
Alternativas Para a responsável, o subsídio de férias é, muitas vezes, usado para financiar parte das férias, mas lembra que esta verba extra também é usada para face a despesas adicionais, como é o caso do pagamento dos seguros, do pagamento do IMI, ou de outras despesas.
Mas é certo que há outras alternativas. A par do cartão de crédito e do crédito para férias, há quem recorra à conta-ordenado e ao crédito pessoal. Mas também aqui a Deco deixa alertas: “Se pretender usar o descoberto autorizado associado à conta-ordenado lembre-se que ficará com uma dívida e vai pagar juros a contar logo do momento em que começar a usar o crédito. E quando receber o próximo ordenado ser-lhe-á descontado na totalidade o montante gasto. Já o crédito pessoal não tem fim específico e pode lhe ser exigida uma livrança e um seguro de vida ou de proteção de crédito. Incorrerá em juros e vai ter de pagar comissões. Deve ainda avaliar a TAEG [taxa anual de encargos efetiva global] associada”.
Quanto ao cartão de crédito, a associação diz que se trata de uma opção simples e prática, já que está limitado a um plafond (teto máximo disponibilizado pelo banco) , que comporta alguns riscos, mas também vantagens. “Se tiver condições de pagar a totalidade do crédito nos 20 a 50 dias seguintes não lhe serão cobrados juros, mas pondere se terá condições para o fazer”. Mas salienta as mais-valias: “Porque imprevistos acontecem, ter um cartão de crédito pode resolver uma emergência que poderá surgir”. Já se tiver a modalidade cashback, permite receber uma percentagem sobre o valor que gastar (em regra entre 1% e 3%). Por outro lado, aconselha a confirmar que seguros inclui. “Por exemplo, se pagar a viagem de avião com o cartão de crédito poderá beneficiar de seguro de viagem (modalidade incluída nos cartões mais caros). Informe-se também sobre as coberturas associadas ao cartão, que poderão incluir assistência em viagem, acidentes pessoais, internamento hospitalar, despesas médicas e repatriamento, por exemplo, não necessitando de contratar um seguro à parte”.
Outra hipótese passa por recorrer a um crédito com penhor. “Se tiver uma aplicação financeira – por exemplo, um fundo de investimento ou conta-poupança -, pode pedir um empréstimo com essa garantia e pagará menos juros do que outro crédito. No entanto, deverá ser de montante igual ou superior ao montante que pedir e não poderá ser mobilizado enquanto mantiver a dívida”.