Foi mantido em cativeiro por militantes islâmicos durante quase sete anos no Líbano – de 1985 a 1991. Durante esse tempo, foi espancado, esteve acorrentado a uma parede, foi inúmeras vezes ameaçado de morte, teve armas apontadas à cabeça e viveu na solitária durante longos períodos de tempo. Perdeu o pai e o irmão para o cancro durante esse período e não assistiu ao nascimento da filha. Dormia no chão, em cima de um colchão fino e quase não era alimentado. Poucas vezes viu a luz do sol. Em várias entrevistas depois da sua libertação admitiu que quase enlouqueceu e só a fé cristã e a teimosia o impediram de se matar. «Devo ter lido a Bíblia umas 50 vezes do início ao fim», revelou.
O correspondente da Associated Press (AP), Terry Anderson – considerado um dos reféns mais antigos dos EUA –, morreu no domingo aos 76 anos. Apesar da causa da morte ainda ser desconhecida, segundo a sua filha, Sulome Anderson, o pai foi submetido recentemente a uma cirurgia cardíaca. «Ele nunca gostou de ser chamado de herói, mas era assim que todos insistiam em chamá-lo», revelou ao The Washington Post. «Vi-o há uma semana e o meu companheiro perguntou-lhe se tinha uma lista de desejos, alguma coisa que quisesse fazer. Ele respondeu: ‘Eu vivi muito e fiz muito. Estou contente’», continuou. «Embora a vida do meu pai tenha sido marcada por extremo sofrimento durante o tempo em que foi refém, ele encontrou uma paz tranquila e confortável nos últimos anos. Sei que escolheria ser lembrado não pela sua pior experiência, mas pelo seu trabalho humanitário com o Fundo para as Crianças do Vietname, o Comité para a Proteção dos Jornalistas, veteranos sem-abrigo e muitas outras causas incríveis», acrescentou Anderson em declarações ao The Guardian.
Um profissional corajoso
«Ele foi uma das pessoas mais corajosas e duras que já conheci», disse ao The Washington Post Bob Reid, de 76 anos, que serviu como chefe do escritório da AP no Cairo enquanto Anderson chefiava o escritório de Beirute na década de 80. Segundo o também jornalista, trabalharam muitas vezes lado a lado, narrando o conflito no Médio Oriente. Quando o seu colega foi sequestrado, obviamente que os seus companheiros ficaram preocupados. «Mas também pensámos que, se havia alguém que pudesse sobreviver a isso, com certeza seria o Terry», admitiu. De acordo com a AP, Anderson alistou-se na Marinha após o ensino médio e chegou ao posto de sargento durante a Guerra do Vietname. «A sua experiência militar foi um motivo de orgulho», disse Reid, e foi, em parte, «o que deu a Anderson a força para suportar o seu sequestro», acrescentou. «Ele tinha uma forte bússola moral pessoal», afirmou ainda o agora editor-chefe da Stars and Stripes. «Sempre pareceu exalar uma certa autoconfiança. Não entrou em pânico», sublinhou. Além disso, revelou o repórter, a dada altura, a AP ofereceu-se para transferi-lo para o Chipre, «para onde muitos meios de comunicação internacionais se mudaram». Mas ele recusou. «Insistiu em permanecer em Beirute. Sentiu que, embora fosse arriscado, também era necessário manter uma presença ali», lembrou à mesma publicação.
Anos de tortura
Terry Anderson saía de um campo de ténis em Beirute, no seu dia de folga – 16 de março de 1985 –, quando três homens o arrastaram para dentro de um carro. O grupo terrorista Hezbollah assumiu a responsabilidade pelo sequestro do jornalista, dizendo que fazia parte de um conjunto de «operações contínuas contra os americanos». Estes exigiram ainda que os muçulmanos xiitas presos no Kuwait por ataques bombistas contra as embaixadas americana e francesa desse país fossem libertados. Recorde-se que Anderson era o principal correspondente da AP no Médio Oriente e há vários anos que reportava a crescente violência no Líbano enquanto o país travava uma guerra com Israel e o Irão financiava grupos com o objetivo de derrubar o Governo local.
Segundo relatos do próprio e também de outros reféns, no seu livro de memórias tornado best seller de 1993, Den of Lions, o jornalista não se deixou abater: durante o cativeiro exigia constantemente melhor alimentação e tratamento, discutia política e religião com os captores, ensinava língua gestual a outros reféns e como esconder mensagens para que conseguissem comunicar às escondidas. Escreve o jornal britânico que outros reféns descreveram-no como «duro» e «ativo». Durante esses quase sete anos, aprendeu também francês e árabe e fazia exercícios regularmente. No entanto, continua o The Guardian, os colegas também contaram que este «bateu com a cabeça contra a parede até sangrar de frustração com os espancamentos, isolamento, falsas esperanças e a sensação de ser negligenciado pelo mundo exterior».
«Há um limite de tempo que podemos durar e alguns de nós estão a aproximar-se desse limite», disse num vídeo divulgado pelos raptores em dezembro de 1987. De acordo com o The Guardian, Marcel Fontaine, o diplomata francês que foi libertado em maio de 1988 após três anos de cativeiro, lembrou a época em que Anderson, seu colega de cela, pensou que a liberdade estava próxima porque lhe foi permitido ver o sol e comer um hambúrguer. No mesmo ano em que gravou o vídeo, o repórter chegou a receber um conjunto de roupas que «usava todos os dias». Mas, uma semana depois, retiraram-lhe as vestimentas «deixando-o desesperado e certo de que havia sido esquecido», acrescentou Fontaine.
Um homem resiliente
Terry acabou por ser libertado em 1991, quando a guerra civil libanesa terminou. Depois disso, segundo o The New York Times, foi professor de jornalismo em Columbia, na Universidade de Ohio, Kentucky e Florida. Além disso, administrou bares e restaurantes e concorreu sem sucesso ao Senado do estado de Ohio pelos democratas, em 2004. O homem que não voltou a ser repórter – apesar apesar de ter apresentado um programa de rádio e outro de televisão – criou ainda a fundação Vietnam Children’s Fund, que construiu mais de 50 escolas no país e era presidente honorário do Comité para a Proteção dos Jornalistas.
Em 2000, Anderson exigiu 100 milhões de dólares ao Governo iraniano, afirmando que este esteve por detrás do seu rapto. Estima-se que tenha arrecadado cerca de 26 milhões antes de declarar falência em 2009. De acordo com a AP, sofreu de stress pós-traumático durante anos e teve muitas ajudas psicológicas.