Para quase toda a gente, as férias são sinónimo de “pausa”. Pausa no trabalho, na rotina, nos horários. Momento para visitar a família, outras cidades, outros países, outras culturas. Há quem escolha um destino com o objetivo de deitar-se na areia e mergulhar o corpo no mar. Outros, preferem locais urbanos, onde visitam museus, percorrem ruas e experimentam novos sabores. Mas, em qualquer que seja a escolha, principalmente dentro da Europa, por norma, há um elemento que compõe esta altura do ano: o vinho. E, ao que parece, são cada vez mais aqueles que para além de o beberem, procuram conhecer a sua produção pagando para apanhar e pisar uva.
Sabemos que Portugal é o quinto país europeu com maior área de vinha plantada e o nono a nível mundial. Mesmo assim, a cada ano que passa, os vinhos portugueses ganham maior projeção internacional. Talvez seja por isso que quando o nome de Portugal surge no estrangeiro uma das primeiras imagens seja precisamente o bom vinho e a gastronomia. Por isso, para muitos que cá chegam, começa a tornar-se comum que uma das paragens obrigatórias sejam as vindimas de norte a sul do país.
Aumento do enoturismo em Portugal
Este ano, segundo os dados da Associação Portuguesa de Enoturismo (APENO), Portugal foi considerado o segundo maior destino mundial de enoturismo – segmento da atividade turística que se baseia na viagem motivada pela apreciação do sabor e aroma dos vinhos e das tradições e cultura das localidades que produzem esta bebida. À frente deste “campeonato”, surge apenas Itália, enquanto países como Espanha, França, Nova Zelândia, Argentina ou Austrália, ficam atrás.
De acordo com os dados, o mercado do enoturismo deverá render, em 2030, 30 mil milhões de euros a nível global. Valor que ganha relevo se notarmos que, em 2020, gerou cerca de 9 mil milhões de euros. Destes, revela a APENO, Itália contribuiu com 745 milhões, e Portugal com quase 700 milhões.
No mesmo ano e “considerando o peso atual no mercado”, Portugal pode “ganhar” algo como 2,1 mil milhões de euros, acredita a mesma associação.
‘Meter o pé na uva’
Na Adega João Portugal Ramos, em Estremoz, desde os anos 90 que se realizam as vindimas. Aqui, a experiência de enoturismo já está plantada há muitos anos. “Ao longo do tempo fomos desenvolvendo mais programas atendendo à procura das pessoas. O número de visitantes tem vindo a crescer todos os anos”, afirma Vera Magalhães, responsável pelo enoturismo no local. No entanto, só há 6 anos é que, na época das vindimas, os visitantes “podem meter a mão na massa”: “Ou neste caso, o pé na uva”, brinca a responsável. Os visitantes são sobretudo turistas americanos, canadianos e brasileiros.
Para si, o que as pessoas procuram nesta atividade é uma “experiência real”, um momento de “divertimento” e “aprendizagem”: “É um momento bem passado, onde as pessoas têm contacto com a cultura do local, com a sua vivência. Querem estar em contacto com a natureza”, acrescenta Vera Magalhães.
Nesta adega, as pessoas que compram o programa – com o custo de 80 euros onde está incluído um kit de trabalho composto por um chapéu e uma t-shirt – começam o dia no campo, onde selecionam e apanham uvas com a orientação do pessoal responsável. Segue-se a adega, onde fazem a experiência de “pisa pé” nos lagares de mármore. “É lá que se faz a fermentação”, explica. “O ‘pisa uva’ é feito com um fato e uma espécie de meias, tal como os fatos dos pescadores que vêm até cá acima e possuem umas botas incorporadas de borracha”, revela. Ou seja, na Adega João Ramos de Portugal, a pessoa não está descalça nos lagares. Infelizmente, como os lagares “não têm altura”, as crianças não podem participar.
Depois disso, segue-se uma visita à adega, onde as pessoas ficam a conhecer todo o funcionamento do espaço. “A pessoa é depois encaminhada para o almoço onde se dão as provas”, conclui a responsável. Na adega alentejana, esta experiência só está disponível nesta época e durante 15/20 dias.
Na Adega de Palmela o enoturismo só começou a 100% em janeiro do ano passado. “Esta é uma adega cooperativa que trabalha com as uvas dos seus 300 associados. Fundámos a adega em 1955. Nessa altura, tínhamos 50 associados – viticultores da região de Palmela. Começámos com 1,5 milhões de litros de vinho anual de produção e, atualmente, os associados são 300, o que perfaz 1000 hectares de vinhas espalhados pelo concelho. Produzimos já muito acima dos 8 milhões de vinho anuais”, revela Teresa Grilo.
A experiência do “pisa uva” só surgiu no ano passado. “Foi a primeira vindima partilhada com os clientes. Aquilo que oferecemos é um dia de vindima na adega. Rececionamos as pessoas às 9 horas, damos um kit com um chapéu, uma t-shirt e uma sacola, depois vamos para as vinhas, cortamos a uva… Segue-se um piquenique na vinha com produtos regionais e, depois, regressamos à adega onde vamos pisar a uva que colhemos”, detalha a responsável pelo enoturismo da Adega de Palmela. O programa termina com um almoço na cave “onde os vinhos envelhecem”.
Ao contrário da adega alentejana, aqui, o “pisa uva” é feito com os pés nus. “É feita uma higienização e pisa-se a uva ao som de música”, conta. Segundo Teresa Grilo, as pessoas chegam à quinta com “muita curiosidade”. “Acho que, cada vez mais, as pessoas sentem necessidade de momentos simples que, por norma, são os que nos transmitem mais energias positivas. São momentos de partilha. Depois da pandemia queremos experiências ao ar livre, em que estejamos em contacto com a natureza”, afirma Teresa Grilo. Os clientes são sobretudo turistas, alguns nacionais, mas sobretudo brasileiros. A experiência tem o custo de 90 euros por pessoa.
Uma alternativa para as crianças
Na Filipe Palhoça Vinhos – uma das mais dinâmicas empresas vitivinícolas da região da Península de Setúbal -, a experiência do “pisa uva” só acontece uma vez no ano (neste caso, a 16 de setembro).
“Nós somos associados da Casa Mãe da Rota dos Vinhos e como tal temos vários programas que trazem as pessoas às adegas. Neste momento, temos um espaço para provas e eventos e o enoturismo serve precisamente para alavancar os conhecimento dos nossos produtos e espaços”, admite Marta Palhoça. “As pessoas começam pela vinha pedagógica, onde são explicadas as castas, onde se observam as diferenças. Depois, passamos para a parte da vindima, onde se apanha a uva. De seguida, entrega-se a uva na adega onde se assiste aos trabalhos de vinificação que estiverem a ser feitos na altura – descarregar a uva, a uva entrar no tegão, recipiente, geralmente de grandes dimensões e em aço inox, onde são descarregadas as uvas provenientes da vindima -, etc. E, por fim, proporcionamos a experiência de pisar a uva a pé”, exemplifica. As pessoas terminam a experiência – com o custo total de 45 euros -, com uma prova de vinhos.
Segundo a responsável, tal como nas outras adegas, “o momento de pisar as uvas é sempre o mais especial”. “As pessoas vêm em família, divertem-se, descontraem. Têm uma experiência que envolve os sentidos”, frisa. “Se não houvesse esta parte, para as crianças seria mais chato. As provas de vinhos não são divertidas. Assim, podem acompanhar os pais às provas e participarem”, acrescenta Marta Palhoça.
Enquanto a Adega João Portugal Ramos e a Adega de Palmela veem o público estrangeiro a aumentar, aqui, segundo a responsável, os turistas são maioritariamente nacionais. “Claro que devido à proximidade com a estrada nacional – muitos turistas chegam a Lisboa, alugam um carro para irem em direção ao sul e fazem aqui uma paragem -, continuamos a receber muitos portugueses”, reforça.