Os principais pontos do relatório preliminar

Os principais pontos do relatório preliminar


O caso Alexandra Reis é o que mais consta no relatório preliminar, que iliba o Governo de responsabilidades. Mas fala-se também de Neeleman, do processo de restruturação, dos fundos Airbus, entre outros.


Foram três meses, 46 audições e cerca de 170 horas. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à TAP chegou ao fim e por ela passaram muitos dos nomes mais importantes ligados à companhia e ao Governo. O relatório preliminar redigido pela deputada socialista Ana Paula Bernardo já saiu, com um total de 181 páginas.

O caso Alexandra Reis

É dos que mais palavras teve a dizer e o que causou mais polémica – o seu nome aparece 125 vezes no relatório. O relatório preliminar da CPI à tutela política da gestão da TAP iliba o Governo de responsabilidades na atribuição da indemnização de 500 mil euros à ex-administradora da empresa Alexandra Reis.

O relatório conclui que a cessação de funções de Alexandra Reis teve como culpada a então CEO Christine Ourmières-Widener uma vez que foi de sua “exclusiva vontade e iniciativa”. E acrescenta, ainda, que o processo foi “integralmente gerido” por Christine Ourmières-Widener que “só num momento final e depois de concluído o processo negocial, foi dado a conhecer a todos os membros do Conselho de Administração”. Já no que diz respeito aos motivos do despedimento, de acordo com a relatora, não foram apurados com “exatidão”. “Fica igualmente por compreender a razão de tal urgência” da CEO, diz o relatório.

Já o Governo fica isento de culpa. “A CPI apurou não existirem evidências de que a tutela acionista da TAP, o Ministério das Finanças, tivesse tido conhecimento do processo de saída de Alexandra Reis, não tendo existido comunicação nem por parte da TAP, nomeadamente do PCA ou do CFO enquanto principais interlocutores com esta tutela, nem por via do MIH, nem pela própria Alexandra Reis”, lê-se. No que diz respeito ao Ministério das Infraestruturas e Habitação, na altura liderado por Pedro Nuno Santos, diz que “nem Pedro Nuno Santos, nem Hugo Mendes conheciam o clausulado do acordo, ainda que conhecessem a discriminação das várias parcelas englobadas no montante da indemnização”. 

E acrescenta ainda que a Inspeção Geral de Finanças “considerou nulo o acordo de cessação das relações contratuais” que foi celebrado entre a TAP S.A. e Alexandra Reis, que dava direito a uma compensação de 500 mil euros, “exceto nas partes que reportam à indemnização por cessação do contrato individual, que naquele momento se encontrava suspenso por se encontrar designada para a Comissão Executiva (56.500 euros), bem como a direitos vincendos, como o pagamento da retribuição do mês de fevereiro, em que Alexandra Reis se manteve em funções”.

Ainda no que diz respeito a Alexandra Reis, o relatório conclui que não existe ligação entre a sua saída e depois a sua nomeação para presidente da NAV. “Não existem evidências de qualquer conexão entre a saída da TAP e o convite e respetiva nomeação para a NAV”, acrescentando que “todas as declarações sobre esta matéria, como as de Hugo Mendes, Christine Ourmières-Widener e a própria Alexandra Reis, apontam para o desconhecimento de tal possibilidade, aquando do processo de renúncia na TAP”.

O documento continua detalhando que “o perfil, as sólidas competências e o conhecimento profundo do setor por parte de Alexandra Reis foram os motivos apontados pelos então governantes para esta escolha”. E refere que “não existiu qualquer pressão ou intervenção política por parte das tutelas da NAV, tendo Alexandra Reis rejeitado que tenha existido interferência do Governo na gestão corrente da empresa, durante os cincos meses no exercício de funções”.

Os 55 milhões a David Neeleman

E se a indemnização de Alexandra Reis deu pano para mangas, a do ex-acionista David Neeleman, no valor de 55 milhões de euros, também foi tema. Mas não há consenso quanto à obrigação de os valores a pagar. “O valor alcançado resulta de uma negociação até um ponto de entendimento entre as partes. Porém a existência de uma obrigação de pagamento a David Neeleman não foi amplamente consensual, sobretudo num contexto de alguma incerteza jurídica sobre os termos em que foi realizada a privatização em 2015, com recuso ao mecanismo ‘Fundos Airbus’”, lê-se no documento que recorda o processo de privatização da TAP. “Após uma negociação difícil com os acionistas privados, num processo intermediado por consultores externos, foi possível obter um acordo, nos termos do qual o Estado passa a deter 72,5% do capital social [da TAP] e os respetivos direitos económicos”. E, como contrapartida, “o Estado teve de pagar o valor de 55 milhões a David Neeleman”, montante resultante de um acordo, “cujas componentes estão devidamente discriminadas” no decreto-lei de 16 de julho”. “Acresce que, nesse acordo, Neeleman aceitou abdicar de qualquer litigância no futuro, condição relevante para a negociação do Plano de Reestruturação com Bruxelas”.

Reestruturação

O processo de reestruturação da companhia aérea levou à redução de trabalhadores, o que trouxe problemas. “O plano de reestruturação teve também impactos negativos sobre os trabalhadores. Desde logo, e após suspensão dos acordos coletivos de trabalho, foram celebrados entre a TAP e todos os sindicatos Acordos Temporários de Emergência”, diz o relatório que acrescenta que estes acordos “foram vistos pelos sindicatos como acordos defensivos para salvaguardar postos de trabalho, tendo sido aceites cortes salariais entre 20% a 50%”. E que “tal não impediu, todavia, uma forte redução do número de efetivos por via de mecanismos como a não renovação de contratos a termos, rescisões por acordo e despedimentos coletivos”.

Fundos airbus

O relatório fala ainda sobre o recurso aos chamados “Fundos Airbus”, pagos pelo fabricante europeu a David Neeleman no âmbito do negócio de renovação da frota, e que o empresário usou para capitalizar a TAP na privatização em 2015. E diz que tanto a proposta vinculativa como a final para comprar 61% da TAP “são omissas em relação ao mecanismo de capitalização que só mais tarde viria a ser conhecido como ‘Fundos Airbus’”. Só depois, meses mais tarde, foi explicada a origem do dinheiro que foi aplicado para a compra da TAP.

“A capitalização da TAP far-se-ia com a VDR assinada a 24 de junho, com recurso a capitais próprios das empresas constituintes da Atlantic Gateway (conforme confirmado em carta assinada pelos acionistas, com a mesma data) – o que, na verdade, não se verificou”, diz.