Joana Vasconcelos. A artista que vive no mundo dos sonhos

Joana Vasconcelos. A artista que vive no mundo dos sonhos


Nasceu em Paris, em 1971. Regressou pouco tempo depois a Portugal, de onde a sua família era natural e, como se já estivesse destinado, caminhou sempre com os olhos postos no universo artístico. Hoje, Joana Vasconcelos é uma das artistas plásticas mais importantes do país, mas é lá fora que tem 90% da sua obra.


Vive num mundo dos sonhos. Um mundo mágico onde cria realidades que não existem que a salvam das coisas que a assombram. No entanto, defende que «os artistas têm a responsabilidade de pensar o mundo que os rodeia, e de dar outros modos de ver que contribuam para o alargamento da nossa perceção e conhecimento do mesmo», tal como contou em 2018 numa entrevista à Vogue. «Com o meu trabalho não pretendo que as obras se encerrem num discurso, mas que sejam inquiridoras, imbuídas de uma multiplicidade de discursos e interpretações que nos levam a abrir os nossos horizontes», explicou. Além disso, admite ser artista porque a sociedade e as pessoas «a permitem ser». 

Joana Vasconcelos começa sempre por uma base muito simples: o quotidiano, a vida, as preocupações do presente. Conhecida por recuperar aspetos da identidade nacional – muitas vezes recusados por estarem relacionados como alturas mais negras da história do país -, anda sempre com um caderno onde toma nota das suas ideias em esboços, onde regressa quando assim o sente, já que considera a sua arte «intemporal». 

A imagem mais divertida que temos de si é a de uma mulher simpática mas séria, com dois coques na cabeça, batom vermelho e roupas divertidas. Dentro e além fronteiras, é uma das artistas mais cotadas no mercado, contando com inúmeras exposições individuais e coletivas e projetos de arte pública de grandes dimensões, realizados ao longo de 25 anos. Segundo o seu site oficial, a sua obra «atualiza o movimento de artes e ofícios para o século XXI; incorporando objetos do dia a dia, com humor e ironia, estabelecendo a ponte entre o ambiente privado e a esfera pública, questionando o estatuto da mulher, a sociedade de consumo e a identidade coletiva».

O Bolo de Noiva 

E é nos jardins de uma propriedade em Buckinghamshire, no Sul de Inglaterra, que já se pode encontrar a nova obra da artista plástica. No dia 15 de junho, Joana Vasconcelos apresentou um edifício com mais de dez metros e com quatro andares, que nada mais é do que uma escultura em forma de bolo de noiva e que pode mesmo ser visitada – as pessoas podem entrar no edifício, subir até ao topo e transformarem-se nas figuras que habitualmente colocamos em cima deste tipo de bolos, ou seja, os noivos. 

A peça é revestida de azulejos e peças decorativas vidradas da Fábrica Viúva Lamego, que incluem sereias, golfinhos, velas, fontanários e querubins. Para a artista, o edifício é algo que está «entre a pastelaria e a arquitetura». «Isto é um edifício, mas é uma escultura, um templo, um bolo de noiva. É todo feito de cerâmica, tem quatro andares e de alguma maneira é uma peça que tem um lado construtivo, um lado de arquitetura, um lado de engenharia», explicou à Lusa. 

Encomendada por Lord Rothschild, visa comemorar os 650 anos da aliança luso-britânica. «Este trabalho é um marco diferente da minha obra, pela importância que tem e por estar associada às comemorações, que é sempre um momento da história entre os dois países», contou ainda artista à RTP.

Cada piso do edifício tem uma cor diferente: o primeiro piso é verde, o segundo azul, o terceiro é rosa e o último andar é amarelo. O interior encontra-se decorado com estátuas de Santo António, uma referência aos casamentos que se esperam que venham a ser realizados no espaço. 

O trabalho foi iniciado em 2017. Joana Vasconcelos recuperou moldes e voltou a produzir muitas peças decorativas de edifícios e de fachadas de edifícios comuns no princípio do século XX. Sabe-se que, ao todo, foram usados cerca de 25 mil azulejos, 1.238 peças de cerâmica e 3.500 peças de ferro forjado, todas elas produzidas em Portugal e desmontadas para serem transportadas para Inglaterra.

A peça tem inauguração oficial prevista pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no dia 15 de junho, no âmbito de uma visita ao Reino Unido para celebrar os 650 anos da Aliança Luso-Britânica.

Waddesdon Manor já possui desde 2015 uma escultura da artista portuguesa, ‘Lafite’, duas torres gigantes em forma de castiçais compostas por garrafas de vinho Château Lafite Rothschild, produzido em Bordéus.

Espalhada por 34 países 

Joana Vasconcelos nasceu em Paris em 1971. Filha de pais portugueses emigrados em França, teve contacto com a arte desde cedo, já que o seu pai era fotógrafo e a sua avó pintora. Com 3 anos regressou com a família a Portugal. Mais tarde, estudou na Escola António Arroio, em Lisboa, e depois na Ar.Co, onde se especializou em Artes. 

Foi quando entrou na Galeria 1111, que conheceu Júlio Pomar, Paula Rego, Graça Morais e vários escultores dos anos 1970 que inspiraram o seu trabalho, iniciando a sua carreira com mais de 500 exposições, instalações permanentes e obras de arte pública, em 35 países, em 1994. 

Em 2000, venceu o Prémio Novos Artistas Fundação EDP, ampliando a sua projeção nacional, e, cinco anos depois, conquistou o reconhecimento internacional com a primeira participação na Bienal de Veneza, o mais importante evento mundial dedicado à arte contemporânea, com ‘A Noiva’ – um polémico lustre gigante feito de tampões higiénicos femininos. Em 2010, teve direito à sua primeira retrospetiva no Museu Coleção Berardo, em Lisboa – exposição visitada por 168 mil pessoas em apenas 2 meses, aliás a exposição mais visitada de sempre em Portugal.

De acordo com o seu site oficial, em 2013 voltou a chamar a atenção com ‘Trafaria Praia’, o primeiro pavilhão flutuante da história do certame, a representar Portugal. 

Foi ainda a mais jovem artista e primeira mulher a expor no Palácio de Versalhes, em 2012 a sua exposição foi a mais visitada em França em 50 anos, com um número recorde de 1,6 milhões de visitantes. A peça ‘A Noiva’ foi excluída dessa mesma exposição por ter sido considerada desadequada. «Ao longe, as pessoas dizem ‘que linda peça’, mas quando se aproximam arrepiam-se», contou na época. Em 2012, também expôs ‘Pavillon de Thé’, uma estrutura em ferro forjado em forma de bule de chá, com cerca de cinco metros de altura, a qual vai regressar para acompanhar o ‘Bolo de Noiva’. Já em 2018, tornou-se na primeira artista portuguesa a ter uma exposição individual no Guggenheim de Bilbau, que foi também uma das mais visitadas da história do museu e a quarta melhor desse ano para o The Art Newspaper. 

Das suas peças mais emblemáticas fazem parte, ‘Coração Independente Vermelho’,  de 2005, feito de talheres de plásticos e que tem uma instalação sonora com canções interpretadas por Amália Rodrigues; ‘Néctar’, de 2006, obra realizada com garrafas de vinho e LEDs que iluminam as garrafas a partir do interior; ‘Marylin’, de 2008, uma das seis versões dos sapatos feitos com tachos e panelas; ‘Lilicoptère’, de 2012, um helicóptero revestido com plumas de avestruz, cristais Swarovski, folha de ouro, tinta industrial, revestimentos com pele tingida gravados a ouro fino, e tapetes de Arraiolos e ‘Pop Galo’, de 2016, instalada na Avenida Ribeira das Naus, em Lisboa, que tem 9 metros de altura e é realizada em Azulejos Viúva Lamego, LEDs e sistema de som.