Governo. Aperta-se o cerco

Governo. Aperta-se o cerco


O Conselho de Estado anunciado para julho mantém a pressão de Belém sobre o Governo. Com a oposição determinada a não largar o tema do SIS, António Costa ainda pode apostar na remodelação para acalmar os ânimos. Mas a crise espanhola volta a colocar o foco em Bruxelas.


por Raquel Abecasis

Para o que der e vier, o Conselho de Estado está marcado para o final de julho. Marcelo faz uma aposta tripla e deixa todos os cenários em aberto. Daqui até julho deixa a porta aberta para António Costa resolver o buraco em que se meteu. Uma remodelação? Deixar tudo na mesma e apostar nos bons resultados económicos como saída para a crise política? Uma coisa é certa, ao empurrar uma nova avaliação para julho, o Presidente sinaliza que uma degradação da situação política fica nas mãos do chefe do Governo e que a sua aposta continua a ser na estabilidade política. Embora a necessidade desta avaliação demonstre que o Presidente tem dúvidas de que o primeiro-ministro consiga endireitar a crise em que o Governo está mergulhado. Em Belém aguarda-se, no mínimo, uma remodelação até julho que garanta pelo menos substituição de João Galamba, fonte dos problemas mais complicados entre Belém e S. Bento… e não só.

«Faz sentido ouvir os conselheiros de Estado logo a seguir aos partidos», anunciou logo no início da semana o Presidente da República. E, para evitar leituras definitivas quanto às suas intenções, Marcelo logo acrescentou que «a ideia não é dar passos», mas antes «ouvir» os conselheiros e «fazer apreciação das várias perspetivas que há neste momento». Ou seja, Marcelo indica um horizonte temporal, e até lá deixa tudo em aberto com a certeza de que mantém «vigilância ainda mais atenta à ação do governo». O Presidente explica que o Conselho de Estado será marcado para o final de julho, altura em que já estará encerrada a sessão legislativa na Assembleia da República, a Comissão de Inquérito à TAP já terá concluído o seu trabalho e, Marcelo não o diz, mas sabe, terá tido também desenvolvimento o episódio Galamba e a intervenção do SIS na recuperação do computador de Frederico Pinheiro.

 

Ambiente político não acalmou

As dúvidas sobre a atuação do SIS na noite em que o Ministério das Infraestruturas foi palco de episódios de alegada violência e roubo não se esclareceram e, pelo contrário, adensaram-se. O Presidente entrou como protagonista nesta história ao contraiar o que tinha sido assegurado por António Costa, de que terá sido o primeiro-ministro a informá-lo sobre o pedido de intervenção do SIS no episódio Galamba.

Numa nota enviada à agência Lusa na noite de quarta-feira, o Presidente esclarece que «desde os acontecimentos e até hoje, só teve contactos sobre a matéria que tratou na sua comunicação de 4 de maio com uma só entidade oficial – aquela que lhe falou no dia 29 de abril e que era competente para propor a exoneração de um membro do Governo». Mais à frente, na mesma nota, frisa: «A mesma que declarou na Assembleia da República, no dia 24 de maio, que tinha conversado com o Presidente da República no dia 29 de abril e que não tinha então abordado o assunto SIS».

A leitura dos acontecimentos é clara. Marcelo deixou de facilitar o caminho a António Costa. Como disse Santana Lopes numa entrevista esta semana publicada pelo jornal i: «Convocar um Conselho de Estado para julho é manter a instabilidade no ar. Não é que o Conselho de Estado tome grandes decisões, mas sabemos que quando Marcelo convoca e diz que vai ouvir os partidos…ou agora de cada vez que promulga um diploma faz uma nota crítica a dizer quais são os defeitos, entramos numa guerrilha institucional permanente». E Santana diz mais: (Por este andar) «ou Marcelo e Costa vão passar um fim de semana à República Dominicana e compõem as coisas, ou, a manter-se assim o clima, não acredito que chegue às Europeias». 

Do lado do Governo as ordens são para cavalgar os resultados económicos e esperar que os seus efeitos cheguem ao bolso dos portugueses. Para já, vão sendo dados sinais, como é o caso da proposta de alterações na progressão de carreiras na função pública, que vai permitir aumentos já no próximo ano a mais de 300 mil funcionários públicos, ou a decisão de manter a idade da reforma nos 66 anos e quatro meses, apesar de os dados do INE conhecidos esta semana indicarem que devia aumentar.

As notícias da economia são boas, resta saber se suficientes para eliminar a crise política. Até porque quer do lado da saúde, quer do lado da educação continuam os problemas. Prova disso é o concurso para admissão de médicos de família conhecido na semana passada ou o pré-anúncio de mais uma greve de professores para as datas dos exames.

 

A crise espanhola e as contas de Costa

Embora os calendários políticos sejam diferentes em Espanha e em Portugal, a antecipação das eleições em Espanha não é indiferente à situação política portuguesa. A viragem à direita ditada pelas eleições regionais e locais é vista como um sinal de esperança pela direita portuguesa e a iniciativa de Pedro Sánchez de dissolver as Cortes e convocar eleições para junho é analisada à lupa tanto por António Costa, como pelos principais líderes europeus e da NATO.

Os resultados eleitorais do passado fim de semana e a antecipação das eleições são o cenário ideal para Pedro Sánchez poder sonhar com outros voos. O socialista espanhol tem sido indicado como um sério candidato à liderança da NATO, lugar que o próprio tem feito saber que lhe agradaria ocupar. O processo de sucessão de Jens Stoltenberg inicia-se na cimeira de 10 de julho e as eleições no final do mesmo mês abrem a porta a que o nome do atual primeiro-ministro espanhol seja considerado como o candidato mais bem posicionado.

E o que tem isto a ver com a política portuguesa? Pode ter muito. Como já noticiámos, a eleição do novo secretário-geral da NATO está relacionada com a escolha dos nomes que irão ocupar os lugares das principais instituições europeias a partir de 2024. António Costa é o socialista mais bem posicionado para ocupar o lugar de presidente do Conselho Europeu (que deverá caber aos socialistas). As hipóteses do primeiro-ministro português aumentam se Pedro Sánchez deixar de estar na corrida – aliás,joga também a favor deste cenário uma eventual decisão do Governo que valide a recomendação do Conselho de Segurança do Ciberespaço de riscar as empresas chinesas do 5G em Portugal (ver págs. 54-55).

No arranjo das posições de topo, Ursula Van der Leyen, também ela com ambição  à NATO, deverá ser pressionada pelo seu próprio partido a fazer mais um mandato à frente da Comissão Europeia. Esta é a aposta do demissionário chefe do Governo espanhol, embora fonte conhecedora destes processos garanta ao Nascer do SOL que quem tem um peso decisivo na chefia da NATO são os Estados Unidos e a Casa Branca aposta tudo em Van der Leyen. Se assim for, Sánchez arrisca-se a deitar tudo a perder. E os calendários até podem precipitar-se.

Ao Nascer do SOL, Paulo Sande, especialista em política internacional, sublinha que, ao antecipar as eleições espanholas, Pedro Sánchez está a abdicar de um papel preponderante que deveria ter durante a presidência espanhola da União Europeia que se inicia no próximo semestre. Por outro lado, diz, «António Costa é um dos líderes europeus mais influentes, não só pela antiguidade, mas também pela forma hábil como liderou a última presidência portuguesa». Paulo Sande garante que isso foi notado em Bruxelas e que os problemas caseiros que Costa enfrenta neste momento não têm qualquer influência em Bruxelas.

Em resumo: Costa deseja, Bruxelas quer, Sanchez ajuda. Só falta desatar o nó do calendário eleitoral português. A grande questão é se Marcelo e Costa vão entender-se para desatar o nó a contento dos ambos os lados.