A taxa de desemprego continua a manter-se em níveis historicamente baixos. Ainda esta semana, o Instituto Nacional de Estatística (INE) apontou para uma taxa de 6,9% em março, o que significa que, nesse mês, encontravam-se menos de um milhão e trezentas mil pessoas desempregadas. Por outro lado, a população empregada rondou cerca de cinco milhões. Se é uma boa notícia para a economia portuguesa – um comportamento que tem sido elogiado pelo ministro das Finanças – para as empresas está a criar uma verdadeira dor de cabeça que querem contratar mão-de-obra e não conseguem.
Para o presidente da Associação Industrial Portuguesa (AIP), a falta de mão-de-obra já está a condicionar a atividade produtiva e é um fenómeno que afeta todos os setores da economia nacional. Ao Nascer do SOL, José Eduardo Carvalho diz que esta «situação resulta da conjugação de três fatores: crescimento económico, alteração do perfil da economia portuguesa e saída de Portugal dos trabalhadores qualificados».
E essa falhas estão, no seu entender, a levar a uma maior pressão salarial. «É a consequência natural do funcionamento do mercado laboral. Não é necessária a intervenção do sistema político para os fazer crescer», enquanto se assiste, ao mesmo tempo, a «uma necessidade do redimensionamento empresarial. Só empresas com maior dimensão e escala poderão pagar melhores salários».
Uma realidade também reconhecida pelo presidente da AEP que, ao nosso jornal, admite que a a dificuldade de contratação de mão-de-obra qualificada é uma das principais preocupações dos empresários, logo a seguir à inflação elevada e ao aumento dos custos com a energia. «O mercado de trabalho é um enorme desafio. À cabeça está a falta de mão de mão-de-obra, que tende a agravar-se no contexto de uma dinâmica demográfica adversa, vincada pela alteração da pirâmide etária – estreitamento da base e alargamento nas idades mais avançadas».
E dá exemplos: «O índice de envelhecimento subiu mais de 140% e o índice de rejuvenescimento da população ativa agravou-se de forma significativa. Potencialmente por cada 100 pessoas que saem do mercado de trabalho, apenas ingressam 76, muito abaixo do valor que permite assegurar a reposição da população em idade ativa», levando Luís Miguel Ribeiro a afirmar que «são estatísticas que devem preocupar toda a sociedade, que exigem reflexão, mas, sobretudo, uma ação imediata».
Sem solução à vista
De acordo com José Eduardo Carvalho, já são muitas as empresas que encontram formas de assegurarem formação e contratação de mão-de-obra em países estrangeiros, nomeadamente em África e na América Latina, para fazer face à escassez em determinadas profissões. «Da mesma forma que os excelentes resultados conseguidos no crescimento da base exportadora nacional se baseou numa concertação virtuosa entre empresas, governos, entidades públicas e associações, também o combate aos efeitos da escassez de mão-de-obra, precisa dessa cooperação», salienta.
Já Luís Miguel Ribeiro sugere uma atuação ao nível da carga fiscal sobre o trabalho, como uma das possíveis soluções para a escassez de mão-de-obra. «Os impostos constituem um duro e duplo golpe para trabalhadores (ao reduzir o seu salário líquido disponível, já de si ‘castigado’ pela inflação) e empregadores (ao onerar os custos das empresas) – penalizando a capacidade de retenção e atração de investimento e de mão-de-obra, sobretudo a mais qualificada, com implicações sérias na atratividade e competitividade do nosso país», salienta.
Além disso, defende uma melhoria dos custos de contexto com o objetivo de promover a melhoria da produtividade empresarial, dando como exemplo, a «necessária desburocratização e o aumento da eficiência da máquina administrativa do Estado ao nível dos fundos europeus, de modo a acelerar a execução do PRR e do Portugal 2030, que são fundamentais para apoiar o investimento das empresas e, dessa forma, o emprego e o crescimento económico».
Mais crítico é Pedro Ferraz da Costa, referindo que «quem quer trabalha e os que não trabalham é porque não querem» e admite que «têm aumentando muito os incentivos para não trabalhar», em que «a diferença entre os que trabalham e os que não trabalham não pode ser assim tão pequena».
O empresário e presidente do Fórum para a Competitividade também aponta o dedo ao Governo, no que diz respeito aos atrasos de execução do Plano de Recuperação e Resiliência.
Queixas transversais
Seja qual for o setor, a opinião é unânime: faltam trabalhadores, principalmente qualificados. Da restauração e hotelaria à agricultura, passando pelo têxtil à construção, entre outros, as queixas vão-se somando e mesmo a aposta na imigração não parece resolver o problema.
O aumento da procura do turismo levou a um agravamento da situação que já tinha dado sinais de alerta em 2019. «A reposição de novos trabalhadores tem sido muito lenta por falta de uma estratégia concertada e efetiva por parte do Estado para tentar resolver esta situação», admite o presidente da Confederação do Turismo de Portugal.
Para Francisco Calheiros, nem os aumentos salariais – afirmando que é o setor que mais tem subido a tabela salarial – consegue atenuar esta falha, apelando que é necessário «facilitar a entrada de pessoas que queiram vir trabalhar para Portugal».
Também a AHRESP reconhece que esta falta de trabalhadores «é mais estrutural do que conjuntural» e, para a secretária-geral da associação, «prejudica, não só os próprios negócios, como o nosso produto turístico no seu todo».
E Ana Jacinto lembra que antes da pandemia estavam em falta cerca de 40 mil trabalhadores neste setor e remete para os dados do INE que mostram que o canal HORECA empregou menos 34 mil trabalhadores em 2022 face a 2019.
Já Daniel Serra, presidente da Pro.var, diz que o que se assiste neste momento é uma maior procura, garantindo que a restauração está, neste momento, «em grande alvoroço». E explica a razão: «No fundo, é reforçar as equipas, muito embora as mesmas já estejam, pelo menos nos restaurantes, minimamente reforçadas por força da pandemia ou de necessidade».
Ainda assim, diz que houve um reforço das equipas, mas com custos elevados para o setor. «Existiu um esforço para tentar assegurar um mínimo de funcionamento», apesar de reconhecer que «hoje existe realmente dificuldade em encontrar mão-de-obra capaz de ultrapassar as exigências que o setor enfrenta e que é necessário».
Pouca formação
A vida não é mais fácil para a agricultura e o problema acentua-se sobretudo na altura das colheitas e onde as soluções mecânicas e tecnológicas ainda não representam uma alternativa. «A oferta nacional tem sido insuficiente para estas necessidades, tornando necessária a contratação de imigrantes. E a disponibilizada pelo IEFP é escassa e apresenta um perfil pouco adequado, com falta de aptidão ou interesse para as tarefas em causa», diz a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP).
O exemplo repete-se na costrução, o que leva o Sindicato da Construção Civil a afirmar que há muitos projetos que não vão avançar, nomeadamente ao nível das grandes obras e da habitação. Também neste setor, o recurso à imigração é cada vez mais um hábito, o que leva Albano Ribeito a garantir que «a segurança no trabalho está ameaçada», referindo que «sai um trabalhador para a reforma com know-how e entram dez não qualificados», justificando assim as mortes que tem havido na construção.
Faltam médicos e enfermeiros
No que diz respeito à Saúde, o próprio ministro da Saúde, Manuel Pizarro, já admitiu que a falta destes profissionais é uma dificuldade que vai manter-se nos próximos dois a três anos, até que o problema seja resolvido estruturalmente.
Ao nosso jornal, Carlos Cortes, bastonário da Ordem dos Médicos, explicou que há «aspetos muito preocupantes» e que, em primeiro lugar, está a «falta de condições e trabalho que existem nos hospitais e nos centros de saúde». Ora, defende, essa falta de condições reflete-se em muitos aspetos, nomeadamente na «desmotivação dos profissionais de saúde e muitos deles saem do Serviço Nacional de Saúde». (ver entrevista páginas 22 a 27).
O caso dos enfermeiros não é muito diferente. A bastonária da Ordem dos Enfermeiros diz ao nosso jornal que «é preciso contratar», mas «também é preciso rever a carreira e criar condições para estancar a sangria da emigração». Ana Rita Cavaco dá números: «Portugal forma cerca de três mil enfermeiros por ano e metade abandona o país».
Mão-de-obra de fora
O problema é transversal ao setor têxtil com Mário Jorge Machado, presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), a confirmá-lo. E explica que «o setor, ao longo do ano passado, debateu-se com muitas situações de falta de mão-de-obra e houve várias empresas que começaram também já a recorrer à situação de mão-de-obra que não é nacional para procurar colmatar esta falta» de profissionais. «E muito tem a ver com o problema do inverno demográfico», explica o responsável, acrescentando que o setor tem «muita tradição e conta com pessoas que trabalham nas empresas há 20, 30, 40, 50 anos e depois reformam-se. E quando se reformam – e que é aquilo que está a acontecer muito no setor – é difícil encontrar pessoas para os substituir», diz, destacando que este é um problema que acontece noutros setores também.
Dificuldade em recrutar
A falta de mão-de-obra que é transversal aos supermercados e que já levou o diretor-geral da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED) a dizer ao nosso jornal que existe «dificuldade em recrutar para algumas áreas específicas, sobretudo as que são bastante técnicas, que exigem algum conhecimento e formação». Gonçalo Lobo Xavier admitiu ainda que existe um «esforço por valorizar o setor e a carreira na distribuição e por valorizar a atratividade de trabalhar no setor da distribuição, quer falemos de retalho alimentar, quer falemos no retalho especializado. Estamos todos a lutar no mercado aberto por melhores recursos humanos. Estamos a tentar formar melhor».