É difícil lembrarmo-nos da altura em que se deu o seu boom. Desde que as começámos a ver por toda a Grande Lisboa que parece que sempre lá estiveram. Verdes, brancas, cor de laranja, pretas, de aplicações ou pessoais, a verdade é que as trotinetes têm, cada vez mais, sido vistas como «pragas» não só na capital como em outros pontos do país. Uma alternativa de mobilidade que tem acabado por aumentar o número de acidentes nas estradas, já que, muitas vezes, são abalroadas por carros ou atropelam peões.
Segundo o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC) – que é constituído pelo Hospital São José, Hospital Curry Cabral, Hospital Santa Marta, Hospital Santo António dos Capuchos, Hospital Dona Estefânia e Maternidade Dr. Alfredo da Costa –, em 2022, foram admitidas 995 pessoas na Urgência Geral e Polivalente do CHULC – Hospital de São José devido a acidentes envolvendo trotinetas. No mesmo período, deram entrada 359 pessoas no Centro de Responsabilidade Integrado de Traumatologia Ortopédica (CRITO).
Embora não exista registo de vítimas mortais, de acordo com os dados registados pelas forças de segurança, face ao crescente aumento destes utilizadores, o número de feridos tem vindo a aumentar, tendo-se registado 14 feridos graves de janeiro até novembro de 2022, que compara com três em 2019, e 399 feridos ligeiros que compara com 81 em 2019.
Recuperação lenta
«Os acidentados deste meio de mobilidade urbana, não estão totalmente quantificados. É importante a informação e a prevenção, para ser possível regulamentar e estabelecer regras de circulação, adequadas a este tipo de acidentes», afirma ao Nascer do SOL, João Varanda Fernandes, diretor do Centro de Responsabilidade Integrado de Traumatologia Ortopédica do Lisboa Central, que está a elaborar um estudo sobre as características e sequelas das vítimas assistidas na unidade.
De acordo com o especialista, houve um crescimento gradual destes acidentes entre 2017 e 2019. «Seguiu-se um abrandamento em 2020, mas atualmente estamos nos níveis pré pandemia», explicou.
As lesões mais comuns, detalha João Varandas Fernandes, são as na bacia e membros inferiores (joelho, perna e tornozelo), traumatismos crânio-encefálicos e feridas na região facial. «Em 2022 tivemos cerca de 1000 doentes, vítimas de acidentes com trotinetes e bicicletas elétricas e mecânicas. Cerca de 400 doentes com internamento», contou o especialista. «Doentes com lesões graves entre 5% a 10%. A percentagem de estrangeiros é superior a 25%», acrescentou.
Na maioria dos acidentes com trotinetes, os pacientes necessitam de intervenção cirúrgica. «Nem sempre a recuperação é rápida, muitas das situações necessitam de reabilitação prolongada mais de três meses», revelou. Segundo o mesmo, só se conseguirá alterar o paradigma, «através de um trabalho conjunto. Na concretização de medidas que permitam diminuir o número e a gravidade de acidentados», garantiu.
No dia 31 de janeiro, a PSP começou a realizar uma ação de fiscalização rodoviária visando condutores de velocípedes e veículos equiparados (trotinetes) que não respeitem as regras de circulação na via pública na Área Metropolitana de Lisboa.
Num comunicado o Comando Metropolitano de Lisboa (Cometlis) da PSP informava que, na sequência de uma política de segurança rodoviária «eficaz e preventiva» que visa a «diminuição de infrações e, consequentemente, a redução no número de acidentes rodoviários», iniciaria uma fiscalização com a duração de uma semana. A PSP deteve, durante 2022, na cidade de Lisboa, seis cidadãos por condução de trotinetes em estado de embriaguez.
Necessidade de dados detalhados
Esta semana, a CHULC anunciou que vai passar a ceder à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) dados detalhados dos utilizadores de velocípedes, como bicicletas e trotinetes, envolvidos em acidentes, para ajudar a desenvolver medidas de prevenção.
A medida resulta de um protocolo assinado na sexta-feira passada entre a ANSR e o CHULC, que inclui o Hospital de São José, revelou a autoridade de segurança rodoviária, num comunicado.
O centro hospitalar vai passar a fornecer «dados detalhados» dos utilizadores que recorrerem a estas unidades de saúde, nomeadamente «a idade, o género, o grau da gravidade das lesões, os traumas sofridos, o local do acidente, os veículos intervenientes, entre outros». Assim, a autoridade conseguirá, «em complemento dos dados recolhidos pelas forças de segurança, aprofundar o conhecimento sobre a sinistralidade associada a estes veículos, de modo a desenvolver as medidas mais adequadas», acrescentou.
Além disso, a autoridade rodoviária sublinhou que lhe compete receber e consolidar os dados recolhidos pelas autoridades de segurança referentes à sinistralidade rodoviária. Contudo, em relação aos velocípedes, as informações são «escassas», uma vez que «as entidades fiscalizadoras do trânsito nem sempre são chamadas ao local do acidente».
Regras mais apertadas
Há três semanas, a utilização das trotinetes na cidade de Lisboa passou a obedecer a novas regras com vista ao aumento da segurança dos seus utilizadores e também para um melhor ordenamento logístico da capital, sendo estabelecidos parques de estacionamento dedicados e limite de unidades consoante a fase do ano (muitas pessoas abandonam-nas ou estacionam em lugares impróprios da cidade).
No acordo entre Câmara Municipal de Lisboa (CML) e os operadores de micromobilidade de Lisboa, no dia 9 de janeiro, determinou-se que os motores de trotinetes e bicicletas elétricas passam a funcionar, apenas, até aos 20 quilómetros por hora, para que «não seja possível situações em que as trotinetes são mais rápidas do que os automóveis nalguns troços». Além disso, a redução tem como objetivo diminuir o risco de quedas graves ou embates em peões e animais que possam circular também na via pública.
Desde essa altura que há também um limite no número de trotinetes disponíveis na cidade, após acordo com os operadores dos serviços que se encontram em Lisboa, passando a haver um máximo de 1750 veículos por operador durante a primavera e verão e 1500, também por operador, durante o outono e inverno.
Ficou também proibido o estacionamento em praças e largos, edifícios históricos, passeios e espaços pedonais, terminais rodoviários e ferroviários e acesso a estações do metro, entre outros, com zonas de estacionamento e circulação obrigatórios, bem como a circulação em sentido contrário.
Uso obrigatório de capacetes?
A Associação Novamente – Associação de Apoio aos Traumatizados Crânio-Encefálicos e Suas Famílias – lançou uma petição para o uso obrigatório de capacete em trotinetes, lembrando, tal como João Varandas Fernandes, que «há cada vez mais vítimas de acidentes com trotinetes elétricas a chegar aos hospitais, alguns com lesões cerebrais e a precisar de cuidados intensivos».
A associação sem fins lucrativos criada por pais, médicos e amigos de Traumatizados Crânio-Encefálicos, submeteu a petição à Assembleia da República com o objetivo de legislar a obrigatoriedade de usar capacete em trotinetes elétricas. «A lei e as políticas de mobilidade têm incentivado o uso de velocípedes (bicicletas e trotinetas, por exemplo), com inquestionáveis benefícios para o ambiente e para a saúde. Porém, a lei é completamente omissa, não prevendo requisitos específicos para a condução de velocípedes», lamenta a associação, que garante que com a quantidade de feridos que chegam aos hospitais, «é urgente que o legislador considere regras de segurança para quem utiliza estes velocípedes numa lógica de estímulo a uma condução responsável e segura».
De acordo com a Associação Novamente, os acidentes rodoviários, quedas, crimes, acidentes de trabalho e desporto são as principais causas de traumatismo crânio-encefálico nos adultos jovens do sexo masculino dos 15 aos 25 anos e adultos com idade superior a 65 anos.
Além disso, segundo uma fonte do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), citada pela Novamente, em 2022 verificaram-se 1691 acidentes com trotinetes em Portugal, uma média mensal de 140 acidentes.