O ano começou com greves e manifestações no setor da educação. Dezenas de delegados sindicais e professores acampados em frente ao Ministério da Educação, em Lisboa. Largas centenas de professores e auxiliares concentrados em frente a escolas por todo o país, com vários estabelecimentos de ensino fechados do Minho ao Algarve e milhares de alunos sem aulas.
As paralisações em curso, convocadas pelo Sindicato de Todos os Profissionais de Educação (STOP) e pelo Sindicato Independente de Professores e Educadores (SIPE), vão estender-se pelo menos até ao final do mês, tendo o Ministério da Educação convocado os sindicatos do setor para uma nova reunião negocial nos dias 18 e 20 de janeiro.
A principal razão dos protestos prende-se com a revisão do regime de recrutamento e colocação do pessoal docente, numa altura em que estão a ser conduzidas negociações sobre a legislação que enquadra os concursos de professores. Os sindicatos contestam algumas das propostas inicialmente apresentadas pelo Ministério da Educação, nomeadamente a participação dos diretores das escolas na seleção de docentes segundo perfis de competência, e querem garantir que a colocação continua a depender da graduação profissional.
Entretanto, o ministro da Educação, João Costa, já veio esclarecer que vai deixar cair essa proposta, tendo ainda reafirmado que a contratação dos professores não vai passar para as mãos das autarquias. Algo que o primeiro-ministro também reiterou esta semana, admitindo contudo aos agrupamentos a possibilidade de contratar professores para os horários não preenchidos nos concursos, por forma a acabar com o «problema de terem de andar com a casa às costas» até poderem fixar-se nos quadros das escolas.
Entre outras reivindicações das estruturas sindicais, estão a valorização de salários, a recuperação integral do tempo de serviço, a vinculação automática de docentes ao fim de três anos de serviço, ou ainda a extinção do regime de vagas para acesso aos 5.º e 7.º escalões da carreira docente que, segundo a Federação Nacional dos Professores (Fenprof), tem impedido a progressão de milhares de profissionais.
Perante a duração destas greves, avoluma-se o número de relatos de famílias com faltas injustificadas no trabalho por não terem onde deixar os filhos quando se deparam com escolas fechadas diversos dias. A situação já levou a Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP) a exigir ao Governo que decrete, com urgência, os serviços mínimos nas escolas e que justifique as faltas ao trabalho de encarregados de educação que tenham de ficar com os filhos, menores de 12 anos.
«A CONFAP entende que, perante os pré-avisos de greve que se encontram publicados pelos diversos sindicatos e pela duração que os mesmas apresentam, o Governo deve, com urgência, decretar serviços mínimos e adequados para que os alunos possam permanecer no interior da escola em condições de segurança e com o direito à refeição», lê-se no comunicado enviado ao Ministério da Educação.
Apesar de não contestar as reivindicações dos professores, nem a legitimidade do direito à greve, a confederação aponta que pais e crianças estão a ser «surpreendidos» por um modelo de paralisação «impossível de gerir», com constrangimentos que «colocam em perigo o rendimento» das famílias e até «o seu próprio vínculo laboral». O modelo em causa pressupõe que a greve possa decorrer ao primeiro tempo letivo do professor, ou a qualquer tempo letivo e por tempo indeterminado, abrangendo ainda funcionários.
Na missiva enviada ao Ministério da Educação na terça-feira, a CONFAP questionava ainda se a tutela tinha averiguado a legalidade desta forma de greve, tendo o ministro João Costa revelado na quarta-feira que pediu um parecer jurídico sobre esta questão à Procuradoria-Geral da República (PGR) bem como ao Centro de Competências Jurídicas do Estado (JURISAPP).
A confederação alertou ainda que esta paralisação não deve afetar o funcionamento das AAAF (Atividades de Animação de Apoio à Família), CAF (Componente de Apoio à Família) ou ATLs, quando estes serviços são prestados por entidades terceiras e não abrangidas pelas greves. Contudo, a frequência das AAAF/CAF, que possibilitam a permanência na escola dos alunos fora do horário letivo, abrange exclusivamente crianças e jovens inscritos nestes serviços, não estando em muitos casos a ser acautelada a situação dos restantes alunos não-inscritos.
Formadores 'esquecidos na gaveta'
O Ministério da Educação tem ainda outro problema em mãos. Os técnicos especializados que asseguram a formação dos alunos do ensino profissional aguardam há vários anos o lançamento dos concursos que lhes permitirão vir a celebrar contratos por tempo indeterminado. Ao contrário do que sucedeu com a generalidade dos restantes técnicos especializados das escolas (como psicólogos, que viram a sua situação regularizada), estes mantêm-se em situação laboral precária, com contratos a termo de duração anual, por não ter ainda decorrido o procedimento concursal inerente ao programa de regularização extraordinária de vínculos precários na Administração Pública (PREVPAP).
O atraso na calendarização e a indefinição do regime específico em que colocará estes profissionais têm gerado muitas dúvidas entre estes docentes, que sentem que ficaram «esquecidos numa gaveta». É o que relata ao Nascer do SOL um formador que dá aulas nos cursos de Mecatrónica e Manutenção Industrial numa escola secundária no Norte do país.
«Temos contratos que são renovados sucessivamente, por sermos considerados necessidades permanentes, mas depois não há o efetivo processo de vinculação. Muitos de nós, não tendo uma perspetiva de vinculação, em 2017 concorremos ao PREVPAP, e em 2019 recebemos o parecer favorável para vincular e tivemos esse parecer homologado. Estamos em 2023 e os concursos ainda não foram abertos nem sabemos quando é que vão ser abertos».
Um grupo destes professores – que além de serem formadores, desempenham ainda funções de diretores de curso, diretores de turma, coordenadores de ensino profissional, orientadores de estágio – tem batalhado com comunicações constantes com o Governo, que vai empurrando com a barriga sem nunca lhes dar respostas concretas. «Recentemente, mandámos uma carta ao primeiro-ministro, que remeteu o assunto para o Ministério da Educação. O ministro encaminhou para a Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE), que por sua vez argumenta na legislação», relata o formador.
Segundo as contas do Ministério da Educação, há mais de 200 profissionais nesta situação, muitos deles do grupo 530 de mecanotecnia, que assegura a formação de quadros intermédios que dá resposta às necessidades das empresas locais do setor da metalurgia e metalomecânica.
Esta é uma realidade que se verifica sobretudo no Norte do país, onde escolas secundárias como a Tomaz Pelayo, em Santo Tirso, a Rocha Peixoto, na Póvoa de Varzim, a Carlos Amarante, em Braga, a Francisco de Holanda, em Guimarães, ou a D. Sancho I, em Vila Nova de Famalicão, funcionam como uma espécie de pool de recrutamento para o tecido empresarial local. A indústria da metalurgia e metalomecânica, que representa 14% do PIB nacional, está fortemente sediada nesta região.
«Sendo uma área vital para o crescimento do país, merecia uma atenção especial por parte do Governo», sublinha o mesmo professor ao Nascer do SOL, dando nota de que o próprio Executivo reconhece a importância deste tipo de formação, pois prevê investir 480 milhões de euros do PRR na modernização de 365 centros tecnológicos especializados que permitirão renovar o ensino profissional.
Esta semana, a Provedora de Justiça pressionou o Ministério da Educação a pôr fim à «injustiça» a que estão sujeitos os técnicos especializados que asseguram atividades de formação nas escolas públicas, que continuam em situação laboral precária, apesar de em 2019 de lhes ter sido reconhecido por pareceres homologados «o direito à regularização extraordinária», na sequência do PREVPAP.
No ofício dirigido ao Secretário de Estado da Educação, a Provedora de Justiça adianta que, «segundo foi apurado junto da Direção-Geral da Administração Escolar, os técnicos formadores continuam em situação de precariedade porque se manterá em ponderação o modelo a adotar para a regularização extraordinária aqui em causa, o que, por sua vez, poderá talvez ser explicado com a dificuldade no enquadramento da situação laboral destes técnicos especializados no modelo de carreiras existentes, desde logo, pela natureza das funções que exercem».
Uma das dúvidas com que vivem estes profissionais deve-se precisamente ao facto de não haver ainda uma decisão que defina se vão ser enquadrados na carreira de docente ou na carreira de técnico superior.
Ora, «tais dúvidas não podem protelar o cumprimento da lei, frustrando justamente o propósito do PREVPAP – combater a precariedade das relações de emprego na Administração Pública, regularizando os vínculos precários indevidamente estabelecidos, por responsabilidade do próprio Estado – tanto mais que se encontram decorridos já mais de cinco anos desde o seu início», frisa a Provedora.
Em 21 de julho de 2022, numa audição na Comissão da Administração Pública sobre o PREVPAP, requerida pelo Bloco de Esquerda, a secretária de Estado Inês Ramires indicou que o Ministério da Educação tinha dado a informação de que «iria abrir nos próximos dois meses todos os concursos», ou seja, até setembro. Certo é que isso não se verificou e quatro meses depois desse prazo-limite os formadores do ensino profissional continuam sem ver luz ao fundo do túnel.