No domingo 23 de agosto, Lisboa voltará a ser palco de uma final europeia. Neste caso, oEstádio da Luz que, entretanto, se torna o espaço mais escolhido entre os palcos portugueses: se deixarmos de lado a segunda mão da Taça UEFA de 1982-83, entre Benfica e Anderlecht, já vai na terceira, depois de receber a da Taça dasTaças entre Werder Bremen e Mónaco (2-0), no dia 6 de maio de 1992 (com a triste e bisonha presença de apenas 15 mil espetadores, e estamos a falar da gigantesca Velha Luz), e a da Liga dos Campeões de 24 de maio de 2014, entre Real Madrid e Atlético de Madrid (4-1 após prolongamento).
Mas já havia taças europeias antes de aUEFA tomar conta do futebol do Velho Continente, percebendo que teria entre mãos um negócio da China. A Taça Latina, por exemplo, competição que durou de 1949 a 1957 e que punha em confronto os campeões de Espanha, Itália, França e Portugal. Por duas vezes, o Estádio Nacional recebeu finais dessa prova fidalga: o Benfica-Bordéus (2-1 após prolongamento), que teve direito a repetição, com a finalíssima a ser disputada no dia 18 de junho de 1950, e o Stade de Reims-Milan (2-0) no dia 7 de junho de 1953.
Damos um salto no tempo e chegamos a 1967. O Jamor volta a receber uma final do grande futebol. Celtic e Inter de Milão, que já ganhara o troféu por duas vezes, em 1963-64 e 1964-65, iriam bater-se pela conquista da 12.a Taça dosCampeões Europeus. E não havia forma de não considerar o Inter, treinado por uma raposa velha e relha como era Helenio Herrera, como o grande favorito. Mais de 45 mil pessoas iriam testemunhar como se tomba um favorito.
Os leões! O Celtic fez história nesse dia 25 de maio de 1967. Pela primeira vez, o campeão da Europa não seria latino – Real Madrid (seis vezes), Benfica e Inter (duas), Milan (uma). O seu caminho até à final tinha sido de uma consistência a toda a prova: FCZurique (2-0 e 3-0); Nantes (3-1 e 3-1); Vojvodina (0-1 e 2-0); Dukla de Praga (3-1 e 0-0). O ambiente entre os jogadores era completamente familiar. Dos 15 escolhidos pelo treinador Jock Stein para estarem na final do Jamor, apenas um não nascera no bairro de Parkhead, local onde se ergue o Celtic Park. Esse homem era Bobby Lennox, natural de Saltcoats, a cerca de 45 quilómetros de distância.
Stein era uma daquelas personagens que o cinema gosta de descrever como bigger than life. Nascido em Burbank, no Lanarkshire, no centro da Escócia, em outubro de 1922, foi mineiro ao mesmo tempo que procurava futuro no futebol, jogando por clubes pequenos como o Blantyre Victoria e o Albion Rovers antes de assinar um contrato profissional com o Llanelli Town, doPaís de Gales, de onde saiu, finalmente, para o Celtic. O Celtic foi a paixão da sua vida e manteve-se treinador do clube entre 1965 e 1978, atingindo duas finais da Taça dosCampeões. Na véspera da primeira, já em Lisboa, afirmou, categórico: “Conhecemos bem o estilo de jogo do Inter. Mas eu prometo que o Celtic jogará ao ataque”. E jogou.
Depois do golo inicial de Mazzola, logo aos sete minutos, os escoceses tornaram-se furiosos. Atacavam em ondas sucessivas no seu jeito rijo de nunca se negarem ao corpo a corpo. Onze irmãos lutavam como leões. E ficaram para sempre como The Lisbon Lions, apelidados desta forma orgulhosa pelos adeptos – os Leões de Lisboa ou, mais complicado ainda, Leòmhainn Lisbon, em gaélico. Ronnie Simpson; Jim Craig, Billy McNeil, o capitão, John Clark e Tommy Gemmell; Jimmy Johnstone, Bobby Murdoch, Bertie Auld e Bobby Lennox; William Wallace e StevieChalmers. Nomes para a memória. Gente que não carregava os números nas costas e sim nos calções, o que era uma esquisitice para a maior parte dos espetadores.
Bandeiras amarelas com o leão escocês a vermelho vibravam no verde do vale. Os bebedores de cerveja tinham tomado conta de Lisboa e muitos ficariam por aí, perdidos de bêbados, deixando partir os aviões de regresso a Glasgow. Entusiasmo, alegria, voluntariedade, abnegação, sacrifício: os escoceses somavam tudo a seu favor. Os italianos eram onze, mas os britânicos era um só. Gemmell e Chalmers fizeram os dois golos do segundo tempo, aos 62 e 85 minutos, e a Taça dos Campeões tomou pela primeira vez o caminho para a ilha onde o futebol fora inventado. Milhares e milhares de homens vestidos de verde e branco invadiram o campo no fim do jogo. E beijaram a relva para eles sagrada do Jamor.