Oitocentos e onze milhões. Assim mesmo, por extenso, para melhor se poder digerir estes números incríveis. É esse o montante total que o Mónaco arrecadou com vendas de jogadores desde que, em 2013/14, Jorge Mendes começou a “colaborar” com a direção presidida pelo russo Dmitry Rybolovlev – as más línguas (leia-se Football Leaks) dizem que o presidente monegasco deteve, durante algum tempo, um fundo de investimentos com sede em Chipre que comprou participações dos passes de vários jogadores, muitos dos quais com passagens pelo clube. “Sem Mendes, não teríamos conseguido que o Mónaco arrancasse tão depressa. A sua ajuda foi essencial”, reconhecia Vadim Vasilyev, vice-presidente dos monegascos, em 2016. E é capaz de ter razão: 811 milhões de euros será sempre um valor quase obsceno e que faz do conjunto monegasco o clube com mais dinheiro encaixado nos últimos cinco anos a nível mundial.
Só esta temporada, os cofres do conjunto do principado receberam já um encaixe de 314,6 milhões de euros – quase metade dos quais pela efetivação da venda de Mbappé ao PSG, para já por 135 milhões (mais variáveis, num negócio que poderá ascender aos 180). Lemar (70 milhões para o Atlético de Madrid), Fabinho (45 para o Liverpool), Kongolo (20 para o Huddersfield), Ghezzal (14 para o Leicester), Meité e Diakhaby (10 para Torino e Huddersfield), João Moutinho (5,6 para o Wolverhampton) e Keita Baldé (5 milhões pelo empréstimo ao Inter de Milão) compõem o ramalhete.
Nem sempre foi assim, é um facto. Em 2013/14, no tal primeiro ano de parceria Mónaco-Mendes, os monegascos eram unicamente compradores – aí, ainda com Claudio Ranieri ao comando – e no ano de regresso à Ligue 1, o objetivo único era ser campeão ou, pelo menos, chegar à Liga dos Campeões. Nessa temporada, o Mónaco estoirou 160,7 milhões de euros… e encaixou apenas 4,75 – algo impossível de acontecer atualmente, devido às exigências do fair play financeiro impostas entretanto pela FIFA. James Rodríguez (45), Falcao (43), João Moutinho (25), Kondogbia (20) e Lacina Traoré (10), com outros nomes de valor mais residual, mostravam ao que vinha o novo Mónaco. Não deu para o título, mas para o segundo lugar – e consequente acesso à Champions – foi suficiente.
Em 2014/15, Leonardo Jardim foi o escolhido para liderar um projeto que começaria aí a mudar de paradigma. James voou para o Real Madrid a troco de 75 milhões e Falcao foi cedido ao Manchester United por 7,6. O saldo final seria de 89,1 milhões em vendas e apenas 39,75 em compras – Bernardo Silva foi a mais cara: 15,75. Deu para chegar aos quartos-de-final da Champions e para continuar a odisseia das grandes vendas: no fim da época, Martial foi vendido ao Manchester United por 60 milhões, Kondogbia seguiu para o Inter a troco de 36 e Kurzawa e Carrasco foram para PSG e Atlético de Madrid por 25. O reforço mais caro seria Ivan Cavaleiro: 15 milhões.
Em 2016/17, uma inversão… e a glória total. O Mónaco fez apenas 18,2 milhões em vendas (a mais cara foi a de… Ivan Cavaleiro, que seguiu para o Wolves por oito milhões), gastando 50,5, e acabaria campeão e semifinalista da Champions – um sucesso que, obviamente, acabaria por se refletir a nível de mercado: o Manchester City açambarcou Mendy e Bernardo Silva, pagando pelo par a singela quantia de 107,5 milhões de euros, mas também Bakayoko saiu por uma verba avultada (40 para o Chelsea). Ao todo, 199,5 milhões arrecadados em vendas numa só pré-temporada.
PSG inalcançável
Como em todas as histórias, também nesta há o outro lado da moeda. No caso do Mónaco de Leonardo Jardim, percebe-se facilmente que os custos do sucesso “empresarial” se manifestam no plano desportivo: a conquista de troféus. Em quatro anos, o treinador português logrou apenas vencer o já referido campeonato de 2016/17, perdendo diretamente para o PSG duas Taças da Liga e duas Supertaças – resta dizer que os parisienses conquistaram todas as competições francesas nesse período, à exceção do tal título milagroso que fugiu para o principado.
Na antevisão da Supertaça desta temporada, disputada na China, Leonardo Jardim deixava à vista, num ar resignado, o seu estado de espírito em relação à filosofia do clube. “O projeto é trazer jovens e fazê-los crescer. Foi o caminho que seguiram Bernardo Silva, Martial, Mbappé… Cada temporada é um desafio. Eu faço a omelete que tenho, como em todos os anos”, dizia o treinador português, afirmando acreditar que este será, de todos, o “mais difícil”. E a verdade é que, mais uma vez, o Mónaco foi destroçado pelo PSG: 0-4, com a agravante de os parisienses terem feito alinhar uma equipa recheada de segundas linhas.
O objetivo, segundo Jardim, não passará por muito mais do que “terminar no pódio”, pois o terceiro lugar garante o acesso à Liga dos Campeões. Pode ser visto como uma meta pouco ambiciosa, mas a verdade é que os reforços de peso escassearam – o médio russo Golovin, contratado ao CSKA de Moscovo por 30 milhões, foi o mais sonante – na medida inversamente proporcional às saídas – os já citados Lemar, Fabinho e João Moutinho eram titulares indiscutíveis. O segundo lugar da última temporada, pesem os 13 pontos de distância para o PSG, foi visto quase como um troféu, e assim deverá voltar a acontecer esta época. Desde que os cofres continuem a encher, tudo vai bem para os lados do principado.