Foi no ano 2000 que Aurélio Ramos sofreu uma das maiores desilusões depois de ter recebido, de uma amiga, um convite para vir para Portugal para ser o cabeleireiro de Madonna, de quem é fã. Desde aí que tem tido um percurso com alguns altos e baixos que conta ao b,I.. Pelo caminho já arrecadou sete prémios, como o de melhor cabeleireiro do mundo. Hoje corta e penteia o cabelo a vários membros do atual e do governo anterior, a várias figuras mediáticas e até a membros da família real. Foi o único cabeleireiro a viajar de Portugal para pentear convidados do casamento real do Mónaco.
Quando veio para Portugal?
Vim para Portugal no ano 2000, tinha 23 ou 24 anos na altura.
Porque veio para Portugal?
Estava a viver no Rio de Janeiro, na altura, com uma rapariga que é atriz. Ela recebeu uma proposta para vir para Portugal e veio. Gostou muito de cá estar mas, depois de chegar, as coisas não correram totalmente como o planeado. Foi então que ela me fez o convite. E não sabia que esse convite ia ser uma surpresa, pela negativa.
Porquê?
O convite que me foi feito era para vir ser o cabeleireiro de Madonna. Penteá-la para um videoclip. Juntei dinheiro e vim. Mas quando cheguei aqui, vi que nada daquela proposta era real. A pessoa estava endividada.
Mas só para o videoclip ou para ser o cabeleireiro dela?
Inicialmente só para o videoclip e, se corresse bem, ficaria a trabalhar com ela.
Mas a pessoa tinha um salão?
Não. Nem trabalhava no ramo de cabeleireiro, era do ramo do teatro e do cinema. E não havia qualquer proposta para trabalhar com Madonna ou com alguém ligado a Madonna.
Então apanhou uma desilusão logo no início…
Sim. Mas não soube disso logo no início. Só vim a saber que não havia proposta passado dois meses de ter chegado, quando já estava a trabalhar para essa pessoa a fazer tudo o que ela mandava, em troca de me tornar o cabeleireiro de Madonna.
O que aconteceu a seguir? Voltou para o Rio?
Não. Fiquei em Portugal. Comecei a trabalhar numa clínica de estética, onde estive durante um ano e dois meses. Depois saí e fui trabalhar num restaurante, onde conheci a Josie Georgia, a dona do Facto, onde acabei por trabalhar durante sete anos.
E antes de vir para Portugal, o que estava a fazer no Rio? Já trabalhava como cabeleireiro?
Já era cabeleireiro no Rio. E a essa altura já tinha trabalhado como cabeleireiro em São Paulo.
Veio para cá à procura de trabalhar com Madonna. Ela agora vive cá. Já teve oportunidade de a conhecer?
Sou fã desde os 14 anos…e hoje continuo. Ainda não tive oportunidade de a conhecer.
Qual é a sua formação académica?
Estudei Desenho Técnico de Engenharia Mecânica, durante três anos, no Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial , em São Paulo e Teatro, que era o que queria fazer.
Chegou a acabar o curso?
Não terminei. Saí do curso quando estava no 3.º ano.
Porquê Engenharia Mecânica?
Foi ideia do meu pai, por ser algo masculino. Ele não gostava muito de me ver com tesouras, linhas, agulhas e artigos considerados femininos. Desde os meus 16 anos de idade já cortava e pintava os cabelos de amigos do teatro.
E como passou de engenharia para cabeleireiro?
O meu pai proibiu-me de estudar teatro e tirou-me do curso. Por isso, aos 21 anos revoltei-me e decidi sair do curso de Engenharia Mecânica e passar para cabeleireiro.
Gostava de trabalhar os cabelos?
Tinha o dom de tratar os cabelos mas não o gosto. O que queria mesmo era representar, mas como sou disléxico e não conseguia decorar os textos da forma correta e trocava algumas palavras, fui passando de papéis secundários para papéis terciários até ficar nos bastidores.
Com que idade começou a cortar cabelos?
Desde os 15 anos.
Quem foram as primeiras pessoas a quem cortou os cabelos?
Foi à minha melhor amiga e ao meu melhor amigo. Penteava-os e pintava o cabelo, também. Foi assim que tudo começou. Depois no teatro fazia os penteados de época. Mas queria mesmo era estar no palco, foi por isso que deixei de estudar engenharia.
E qual foi o primeiro trabalho enquanto cabeleireiro profissional?
Aos 20 anos estava a trabalhar cabelos e não a fazer o que queria. Até que uma amiga minha, que tinha saído do teatro e entrado para o ramo de cabeleireiro, disse que conhecia uma senhora que estava a precisar e referenciou-me. Essa senhora contratou-me e deu-me uma bolsa, que aceitei porque precisava do dinheiro e fui tirar o curso de cabeleireiro.
Onde?
Na Soho Academy, em São Paulo. Um salão japonês, fundado por Hideaki Iijima, que tinha um estilo Vidal Sassoon. Ele próprio conheceu Vidal Sassoon em Nova Iorque. Depois, nos anos 80, o Vidal Sassoon foi para Londres e abriu um salão e ele veio para o Brasil e abriu a sua cadeia de cabeleireiros. O estilo era muito Bob e Liza Minnelli, era a vanguarda na altura. Depois mais tarde, quando já estava na Europa, estudei no Vidal Sassoon Academy, em Londres, nas zonas de Whitebridge e Convent Garden [centro da cidade].
A Engenharia Mecânica liga-se de alguma forma aos cabelos?
Na minha cabeça liga-se muito bem. A parte teórica do desenho da engenharia aplica-se nos cortes. Faço as divisões, uso o pente como uma régua e a tesoura como um compasso. Visualizo a cabeça numa régua transferidora onde conto todos os ângulos para conseguir desenvolver o penteado ou o corte, sempre com base em ângulos.
Tem vindo a ganhar vários prémios. Quantos já recebeu no total?
Sete.
Todos nacionais ou internacionais também?
Nacionais e internacionais. Em 2004, fiquei em 2.º lugar no prémio Trendvision Awards, da Wella, com um penteado masculino. No ano seguinte, no mesmo concurso, fiquei em 1.º lugar com um penteado feminino. Em 2006 ganhei o prémio nacional com um penteado feminino, com corte, cor e penteado. Todos estes foram a nível nacional. Mas o maior prémio que ganhei foi em 2006, o Trendvision a nível internacional, em Milão, que classifica os melhores cabeleireiros do mundo. Depois, em 2016, ganhei o prémio de cabeleireiro do ano em Portugal no Hair Fashion Awards. E em 2013, ganhei o 2.º lugar do prémio Style Master, da Revlon.
Esses prémios ajudaram a subir na carreira? Sentiu diferença?
Com os prémios dei um salto na carreira muito grande a nível de clientes e de publicidade. Mas no ramo não foi bem assim. Quando procurei trabalho fui rejeitado por muitos salões. Só me aceitavam em salões com cadeias internacionais, onde seria mais um. E sempre que comecei a trabalhar em salões senti que, estranhamente de alguma forma, se sentiam ameaçados.
Entre portugueses e brasileiros, quem é mais fácil pentear?
Os gostos são diferentes. Cá há mais liberdade. No Brasil usa-se muito o cabelo comprido. Só agora começa a ser diferente, já há muita gente que começa a usar cabelos vanguardistas. Mas desde que cheguei a Portugal que se usam cabelos mais fashion. Os portugueses são mais abertos à mudança de visual.
Já trabalhou em vários países. Onde mais gostou de trabalhar?
Os penteados mais loucos são, sem dúvida, em Tóquio. Depois em Inglaterra. São os mais fashion. Eles gostam de ter penteados diferentes, e não só os jovens. É cultural. A indústria punk foi criada em Inglaterra, e o tecno punk em Tóquio, por exemplo.
Qual foi o penteado mais esquisito que lhe pediram?
Foi em Inglaterra. Pediram-me para fazer o cabelo e o pelo do cão igual. Era um penteado estilo anos 80, estilo Blondie, com uma franja muito vincada. O cão já tinha madeixas, então ela queria ficar com a cor do pelo do cão. E o cão com o corte dela. Foi muito divertido. Cá, houve uma senhora que me pediu um corte que era uma franja muito picotada, que batizou de franja Chihuahua, com muitas cores e muitas madeixas. Não posso revelar quem, mas é uma pessoa do meio artístico, era cantora, com uma longa história de vida.
Tem algum episódio com clientes mediáticos que possa contar?
Em Londres, em 2010, tive um episódio com a Lady Gaga, quando ela estava ainda a dar a conhecer-se. Prometi fazer um trabalho que não consegui finalizar. Seria uma peruca até aos pés, rosa cinza. Mais tarde, dava formação a invisuais e ela veio a Portugal para um concerto. Falei com a manager para marcar um encontro para que uma das minhas alunas invisuais a pudesse pentear. Ela aceitou. É uma pessoa muito acessível e muito humana. Acabou por não acontecer por causa do horário do avião.
Tinha muitos clientes mediáticos?
Nessa altura, fazia muitas viagens, ía muito ao Mónaco onde trabalhava com a Companhia de Bailado de Monte Carlo. Tinha também clientes privados em Notting Hill e em Holland Park, em Londres. Esse meio é muito discreto e pediram-me sempre para não divulgar. Como nunca divulguei nada é assim que até hoje posso lá ir. E depois foi do Mónaco comecei a ter clientes em Nice, de Nice em Paris e de Paris em Londres. Sempre sozinho como freelancer e a viajar. Também tinha clientes na zona de Cap Martin e na zona de Liguria, em Itália.
São pessoas do ramo artístico?
Há de tudo, desde do ramo do circo a pessoas da orquestra sinfónica, do ballet, de pessoal que trabalha no palácio. São pessoas que nos pagam a viagem para lá estarmos à hora que querem. Em Inglaterra, são pessoas do ramo do cinema, mas muito discretas.
Como conseguiu entrar neste mundo de clientes privados?
Começaram a procurar-me através de conversas entre amigos e fui sendo recomendado. Por exemplo, no Mónaco foi uma cliente privada de Portugal que conhecia e que foi contratada para a companhia de ballet, para ser pianista. Ela convidou-me para passar um verão na sua casa, como férias. Passei lá o verão e cortei o cabelo dos bailarinos em casa dela, numa festa de cabelo que fizemos. Ficaram a conhecer-me e chamaram-me para ir à academia e gostaram de mim. Então começaram a convidar-me e passei a ir lá várias vezes.
Mas há algum episódio que possa revelar?
Estive a trabalhar no casamento da princesa Charlene, a pentear alguns convidados, e de repente todos se assustam com um telefonema a dizer que a Charlene estava no aeroporto. Os seguranças tinham ido buscá-la.
E o que aconteceu?
Todos pararam por segundos, até que alguém disse para continuar e deu ordem para desligarmos os telemóveis e para não sair uma palavra dali. Ninguém podia sair dali. E o assunto acabou com uma frieza e tudo continuou como se nada tivesse acontecido.
Como foi parar ao casamento da princesa Charlene?
Foi um convite da prima donna da companhia de ballet, que era convidada. Eram três dias de festa e ela, que sempre gostou de mudar de visual, queria estar bem penteada durante os três dias.
E já penteou mais alguém em eventos reais?
Em jantares oficiais e em espetáculos, no casino do Mónaco, por exemplo. Em Inglaterra fiz quatro ou cinco casamentos onde estavam membros da família real mas não tinha acesso a essas pessoas que já estavam penteadas.
E em Portugal, quem são os seus clientes?
Em Portugal faço muito moda, atrizes e atores. Mas já penteei desde a pessoa mais simples até à família real de Bragança. De atrizes penteio muito a Mafalda Teixeira, a Rita Blanco, por exemplo.
E do Governo? Já penteou alguém?
Sim, também. Desde secretárias a ministros.
Mas deste Governo ou de anteriores?
Deste e dos últimos quatro governos.
E penteia aqui ou em algum sítio privado?
É no meu salão. Estou ao lado do Ministério da Economia, é muito fácil virem aqui. Também não estou longe do MAI, da Justiça, por exemplo.