O que poderia haver em comum entre Salazar e Mário Centeno? À primeira vista, pode parecer que nada, mas não é essa a ideia de Teodora Cardoso. De acordo com a presidente do Conselho das Finanças Públicas (CFP), a gestão das cativações em 2016 pode ser considerada uma “espécie de reprodução” dos tempos da ditadura. No entender da economista, o uso das cativações foi feito de forma pouco transparente e apenas teve como objetivo final atingir a meta do défice.
“Passámos a ser democratas a fazer défices mas, em termos de gestão das despesas, nós continuamos no Salazar, basicamente. Com uma diferença: no tempo de Salazar não havia défices. Não havia mesmo. Cortavam-
-se as despesas, é claro que se cortavam, em educação, saúde, pensões, que nós não queremos cortar, mas défices não havia”, explicou Teodora Cardoso durante uma conferência.
E é desta desconstrução que surge a ideia de gestão com mão de ferro, igual à do tempo de Salazar. “O poder todo em matéria de gestão do Orçamento estava no ministro das Finanças.
O ministro das Finanças é que decidia se havia dinheiro ou se não havia. Se não havia dinheiro cortava, pura e simplesmente. Nós já o ano passado tivemos uma espécie de reprodução disto com as cativações. As cativações são um instrumento de gestão orçamental que, no fundo, dá uma margem de segurança para cumprir os limites. Até aí não há problema, mas quando as cativações ultrapassam claramente esse nível e começam a ser medidas discricionárias para se conseguir atingir um défice orçamental sem haver as medidas, efetivamente, que conduziriam a esse défice, aí estamos a arranjar um problema maior.”
A líder do CFP explica que a gestão dos ministérios não devia estar nas mãos do ministro das Finanças. Teodora Cardoso entende que esse trabalho deve ser deixado a cada um dos departamentos, passando a haver “uma responsabilidade macroeconómica muito superior”.
Já depois da conferência, a líder da CFP explicou que não fala apenas de Mário Centeno. “O processo de gestão da despesa pública não se alterou significativamente desde os tempos do antigo regime. Quer dizer, continua tudo muito centralizado no Ministério das Finanças, em base de caixa, anual. E para qualquer ministério gerir as suas despesas tem de pedir autorizações ao ministro das Finanças, e isso dificulta a gestão dos ministérios.”
No entender de Teodora Cardoso, falamos de uma questão que também está relacionada com a expetativa que tem sido criada nos serviços públicos. “Os serviços ficam sem capacidade de reagir e cortam de alguma maneira, mas depois os efeitos vão-se vendo, e já se começaram a ver alguns”, explica, acrescentando que os orçamentos iniciais são sempre afetados pelo nível elevado de cativações. Um nível que Teodora Cardoso entende que “não é transparente” porque está completamente “dependente do juízo” de quem fica responsável pela pasta das Finanças.
Além disso, existe ainda outro problema relacionado com as cativações que é o risco de serem criados compromissos mais elevados no futuro.