François Fillon jogou tudo num grande comício na capital para demonstrar ao partido e ao país que, apesar do escândalo de pagamentos indevidos à mulher e filhos com fundos públicos e os maus números nas sondagens, a sua base de apoio conservadora mantém-se fiel e não aceita que o candidato que levou aos ombros na primária do centro-direita seja substituído a seis semanas das eleições. Jogou e ganhou.
Em Paris apareceram cerca de 40 mil pessoas, sobretudo do movimento católico francês que se opôs ao casamento gay – o próprio Fillon votou contra a legalização da homossexualidade na década de 80. Revelou-se número suficiente para assustar o seu partido, o Les Republicains, que, alarmado pelas notícias de que o seu candidato vai em breve ser acusado na investigação aos pagamentos indevidos, o começou a abandonar ao longo da semana anterior, em parte apoiando a sangria de mais de duas centenas de pessoas que em poucos dias deixaram de apoiar ou de trabalhar para a campanha do centro-direita. Na segunda-feira, o comité político do Les Republicains anunciou que renovaria «por unanimidade o seu apoio».
Fillon raptou o seu próprio partido e venceu. O Republicains – a mais recente encarnação do partido gaulista francês, o bastião do centro-direita – queria trocá-lo por Alain Juppé, que as sondagens indicavam que saltaria de imediato para a primeira posição caso houvesse decidido entrar na corrida. Para isso acontecer, porém, Fillon, por estes dias o guardião da ala mais conservadora do partido, teria de sair pelo próprio pé e garantir que a sua família política apoiaria o novo candidato. O comício de domingo foi uma forma de dizer que não estava disposto a fazê-lo. «O exame de consciência já o fiz», disse à multidão que o escutava. «Às mulheres e homens políticos do meu campo, direi que lhes faz falta fazerem o deles. Deixarão que as paixões do momento vençam as necessidades nacionais? Deixarão os interesses facciosos, de carreira e outros motivos ulteriores pesar mais do que a grandeza e coerência de um projeto adotado por mais de quatro milhões de eleitores?».
Na manhã de segunda-feira, horas antes da reunião do partido, Alain Juppé antecipou-se e disse que era «demasiado tarde» para apresentar a candidatura. «Que confusão», lançou, resumindo a ideia consensual sobre as eleições francesas deste ano, o primeiro em que os dois partidos tradicionais do centro se aventuraram em primárias que produziram candidatos com forte apoio nas bases, sim, mas também distantes do centro e pouco consensuais no eleitorado geral – os socialistas, à partida condenados à derrota por razão da ultra-impopular presidência de François Hollande, escolheram Benoît Hamon, muito à esquerda do centro, hoje na casa dos 12%-14%. Sem Juppé no caminho, o Les Republicains deixou de ter um nome suficientemente forte para enfrentar as bases conservadoras de Fillon. A imprensa francesa afirma que, na noite de segunda-feira, o partido pressionou Fillon para, ao menos, evitar os ataques ao sistema judicial, as referências a uma conspiração de esquerda puxando os cordelinhos da acusação de pagamentos indevidos e, mais do que tudo, o regresso ao centro.
De pouco lhe valerá. Mais de metade dos franceses acham que o antigo primeiro-ministro deve abandonar a corrida e as sondagens não lhe dão mais do que 20%, muito abaixo dos 26% atribuídos por estes dias ao centrista independente Emmanuel Macron e à partidária anti-imigração Marine Le Pen. As apostas vão todas para a vitória de Macron, por quem alguns barões conservadores e socialistas já se declararam. A vitória de Fillon pode ser breve.