Os bancos falam cada vez na redução de trabalhadores e no encerramento de balcões. Como vê esta situação?
Este fenómeno das reestruturações é um fenómeno europeu. Em primeiro lugar, a Europa ainda não definiu o que quer dos bancos: todos nos lembramos da discussão que houve em torno do sistema financeiro, de que os bancos de investimento deveriam estar separados dos bancos de retalho e dos de poupança, e essa discussão ainda não está concluída. É preciso que a Europa determine que há necessidade de os bancos ajustarem a sua dimensão. O que se tem verificado com esta redução dos serviços financeiros, sobretudo em Portugal, é que o interior começa a ficar desertificado quer de pessoas quer de serviços. Agora, a grande verdade é que na União Europeia, ao não dizer o que quer dos bancos e na sua febre de regulamentação, acontecem coisas como esta: imagine que os bancos precisam de uma maior capitalização por parte dos acionistas; capitaliza-se os bancos e, passado um mês ou dois meses ou seja o que for, alguém do BCE lembra-se que os bancos têm de aprovisionar para o risco do crédito da dívida portuguesa. Isso não faz sentido.
Há uma grande instabilidade?
Primeiro, criam umas regras, e depois, de repente, dizem que têm de ser essas e mais outras. Os bancos recuperam, aprovisionam, os acionistas aumentam o capital, nunca altura em que é cada vez mais difícil porque não veem retorno e, quando tudo está estabilizado, dizem que devem fazer mais. A Europa, ao contrário dos EUA, ainda não sabe muito bem o que quer da sua banca e, ao não saber, tem um grau de exigência relativamente ao capital, ao aprovisionamento e às imparidades que, provavelmente, vai debilitar de tal maneira a atividade que não sabemos o que vem a seguir. O outro aspeto está relacionado com a alteração do modelo de negócio. O BCE e os bancos centrais dos países estão muito preocupados com o sistema financeiro e estão-se a esquecer que começam a aparecer, nomeadamente através da internet, entidades que começam a desenvolver a mesma atividade que os bancos que não são supervisionadas e retiram negócio à banca tradicional. Como não são reguladas pelo BCE, os clientes estão completamente desprotegidos.
Mas com tantos bancos a falir no mercado nacional, os clientes confiam nessas entidades?
A Europa está tão preocupada em regulamentar que esquece o resto e, em relação à atividade bancária, passamos de uma situação que é demasiado grande para falir para suficientemente pequeno para falir. Havia a preocupação de que um banco era tão grande que a falência arrasava o sistema financeiro de um país ou da Europa todo e, por isso, o que se passou foi a querer atividades relativamente pequenas, de tal forma que a falência não afete o sistema financeiro e os mercados. Só que não estão a conseguir porque os bancos estão a reagir ao contrário. Vão diminuindo o tamanho, mas depois associam-se a outros para terem massa crítica e para ficarem maiores em relação ao que estavam antes.
Foi o que aconteceu com o Santander e o Banif…
Exato, e era o que aconteceria se aquilo que se anuncia como a junção do BPI com o Novo Banco ou do BCP com o Novo Banco ou do BPI com o BCP avançasse. Foram bancos que foram perdendo a sua dimensão porque a própria União Europeia e a DGCom o exigiu, mas ficaram tão pequenos que agora querem juntar–se para terem uma dimensão suficientemente grande e, brevemente, vamos ter tão poucos bancos que todos os clientes vão estar nas mãos de dois ou de três bancos grandes.
Não será essa a intenção da União Europeia?
Isso está fora dos interesses da livre concorrência e daquilo que deve ser a concorrência num mercado qualquer. Têm de existir vários players que permitam, de alguma maneira, pressionar através da concorrência e facilitar o acesso dos consumidores quer no preço, quer nas facilidades, quer na diversificação de produtos, e também na oferta que querem fazer. A DGCom interpretou e acho que interpretou bem: quando um banco privado recebe ajuda do Estado deve diminuir a sua dimensão. É uma espécie de castigo em relação aos outros que não foram ajudados pelo Estado: os que não receberem devem ter a vida facilitada.
É como se fosse um prémio?
É um prémio para aqueles que não receberam e um castigo para os que receberam. É questionável, mas o argumento que está subjacente é permitir que outros players apareçam e que se consigam afirmar no mercado. Aquilo a que assistimos em Portugal, e também em Espanha e na Grécia, que foram os países mais afetados pela crise, é que passaram a existir menos bancos e arriscamo-nos a ter apenas dois ou três – ou seja, a termos pouca oferta e a ficarmos condicionados por um banco enorme. Imagine ter em Portugal apenas um banco público e um banco privado.
Deixaria de haver concorrência…
Claro, não haveria concorrência possível, ficaríamos nas mãos desses bancos, que passariam a determinar as taxas de juros, as comissões e mais tudo e um par de botas. É quase o que acontece com os combustíveis: porque é que vou vender mais barato se o meu concorrente vende mais caro? Alguma coisa vai ter de mudar. O que acho é que a banca se agarrou muito a um modelo de negócio de que não se consegue libertar.
Além de não mudarem o modelo de negócio, os bancos ainda se deparam com elevadas carteiras de crédito malparado…
Não há negócio sem risco e uma das coisas que se pretende é regular de tal maneira a atividade bancária que se inibe completamente o risco, e isso não é possível. É verdade que os bancos não são capitais de risco, mas são uma atividade como outra qualquer. Todos os negócios têm risco e os bancos não podem ficar alheios a isso. Na verdade, os bancos têm liquidez mas não conseguem emprestar dinheiro porque o nível de exigência é de tal maneira elevado, para reduzir o nível de risco, que acabam por não emprestar nada. E como não há atividade económica, os bancos não conseguem vender os seus produtos. E, hoje, o crédito malparado não é como era antes, em que era mal apreciado, muito baseado na confiança.
Concorda com a ideia de criar o tal banco mau?
É uma análise muito difícil de fazer porque isso tem um custo. Como é que se pode suportar uma coisa destas? Acho que a experiência que tivemos nos últimos anos, primeiro com o BPN, que gerou a Parvalorem, depois com o BES, que gerou o banco mau e o Novo Banco, e agora com o Banif, com a Oitante… devíamos juntar este know-how que se criou dessas empresas de recuperação de créditos mais significativos e gerir este tipo de atividade. Não estou a dizer que tudo o que não presta vai para ali e eles que se governem, porque isso exige que haja um reembolso a atribuir aos bancos. Deveria haver um instrumento sobretudo contabilístico que dissesse que esses bens que estejam em recuperação ficam em balanço e não entram numa determinada posição que afete os resultados do banco, e só passariam a afetar os resultados ao fim de um determinado número de anos. Acho que isso poderia ser uma solução.
Como se fez com o défice?
Exato. Esse crédito ficaria na gaveta especial, mas tem uns “x” anos para ser resolvido, por exemplo, quatro, cinco anos. Ou seja, tem de ser um período significativo e, ao fim desse período, os que não fossem resolvidos seriam entregues. Mas para isso não precisamos de que cada banco que fechou tenha uma organização dessas – podia estar tudo junto, com meios e capacidade técnica para desenvolver essa atividade. Mas não era só para os bancos que fechassem, para os outros também. Por exemplo, o banco Popular passou para uma empresa imobiliária, a americana Prime Imobiliária, um conjunto de imóveis muito largo, recebendo uma injeção de dinheiro dessa empresa. Mas é um negócio temporário, ou seja, que pode voltar ao banco. A imobiliária está a pôr esses imóveis no mercado, a tentar negociá-los, e absorveu os cento e tal trabalhadores do banco Popular que estavam a trabalhar nessa área. Estes continuam a desenvolver essa atividade, mas poderão voltar à instituição financeira no final de determinado período de anos.
E isso não iria ter custos para os contribuintes?
Por isso é que se deveria meter esses créditos no balanço até um determinado limite e, a partir daí, ou voltavam para o banco ou ficavam lá, mas aqui não havia uma injeção de capital do Estado no banco. O que se fazia era que esses créditos estavam naquele momento suspensos do balanço, sabia-se que existiam, tal e qual como no défice, mas não se registava a imparidade.
Como vê a reestruturação da CGD?
Não cabe ao sindicato pronunciar-se sobre a necessidade de capital da Caixa. A nossa preocupação é com os trabalhadores. Conseguimos fazer com que a alteração que o governo pretendia fazer em relação à administração – de forma a ter uma administração competitiva que emparelhasse com outras administrações de outros bancos comerciais e, para isso, tivesse de estar a ser remunerada tal e qual como nos outros bancos, sob o risco de não ter ninguém – se aplicasse também aos trabalhadores. Não faria sentido libertar os tetos salariais dos administradores e manter as restrições nos trabalhadores, e aí houve a nossa intervenção. Também do lado dos trabalhadores foi garantido que não iria haver despedimentos; poderá haver rescisões por mútuo acordo.
E também por reformas antecipadas…
Sim, já em 2015 a Caixa dispensou 900 trabalhadores. Quando hoje se fala em 2500, não sabemos onde é que começa e onde é que acaba. Não sabemos o que afeta o mercado nacional e o internacional. Obviamente, se falarmos em encerramento de 300 agências no estrangeiro, são 300 postos de trabalho que se perdem e os sindicatos preocupam-se com os trabalhadores de cá e com os trabalhadores de lá. Mas se me perguntar com quem é que estou mais preocupado, é óbvio que é com os de cá, porque é mais difícil arranjar trabalho em Portugal do que, por exemplo, em França.
Mas os despedimentos não ficam por aqui. Há também o Novo Banco…
O Novo Banco anunciou um despedimento de mil pessoas, mas 500 já tinham saído, ou seja, faltavam 500 trabalhadores. Quando são anunciados esses despedimentos coletivos, o que os sindicatos fazem é tentar obter as melhores condições para os trabalhadores que vão sair. É esse o papel que nos cabe: assim que a medida é anunciada, termos capacidade de intervir para evitar ao máximo os despedimentos. A ideia é proteger ao máximo os postos de trabalho e procurar fazer com que esse processo abranja as pessoas que queiram mesmo sair e, às vezes, isso é difícil, porque no caso do Novo Banco estavam identificados os serviços que iam fechar, alguns deles estavam inativos, mas ainda assim interviemos.
Mas não foi possível evitar os despedimentos?
Primeiro interviemos para manter os postos de trabalho; depois, para melhorar as condições dos que saíam; e, mais importante, fazer com que a análise por parte do empregador no despedimento coletivo tivesse em atenção as questões sociais. Todos esses casos que foram identificados não foram despedidos. Uns reformaram-se e outros continuaram a trabalhar, e isso é sinónimo de que existiu essa abertura por parte do Novo Banco.
Ainda assim, o despedimento coletivo vai recair sobre quase 60 pessoas…
Das 500 pessoas vai recair sobre 56 e grande parte destas pessoas estavam em casa há mais de dois anos, em pré-reforma. Eram pessoas que ganhavam muito dinheiro, pessoas dos mais diversos setores, desde empregados de mesa, motoristas, diretores de agências, contabilistas que estavam em casa e outros que nem sequer apareciam ao trabalho porque tinham sido dispensados do serviço pela anterior administração. Havia motoristas de nível 16, empregados de mesas de nível 14 que estavam em casa, alguns deles com carro e com telefone, como se tivessem a trabalhar. Estamos a falar de um conjunto de pessoas com grande proximidade com a anterior administração e que ganhavam significativamente bem em relação a outros trabalhadores. E é sobre este grupo que vai recair o despedimento coletivo: pessoas que não quiseram rescindir com o banco, que estavam a prejudicar o banco porque estavam sem fazer nada e a ganhar. Isto não é compatível com um banco que está numa situação difícil e com pessoas que perderam os seus investimentos. Aliás, primeiro, ninguém compreende porque é que a anterior administração seguiu por este caminho e, depois, como é que a atual administração ainda as manteve durante quase dois anos. É claro que são pessoas que não queriam sair e algumas delas vão litigar contra o banco, mas depois serão os tribunais a decidir.
A juntar-se a isto ainda há a ameaça de despedimento de mil trabalhadores no BPI…
Pedimos uma reunião à administração do BPI e foi com muita surpresa que soubemos dessa informação. Não sabemos se vai acontecer ou não.
Mas o banco tem rescindido com vários trabalhadores nos últimos anos…
Sim, por mútuo acordo, mas principalmente por reformas antecipadas. Mas de cada vez que um banco anuncia uma redução de pessoal significativa, as ações sobem. A verdade é que, ao fim de 15 dias, um mês, voltam ao ponto de partida. Num contexto de uma OPA anunciada, qualquer coisa faz com que as ações comecem a subir. Não quero acreditar, até porque estamos a falar de pessoas, que isso seja uma estratégia para valorizar mais ou menos o BPI. Não quero acreditar que haja um plano de reestruturação que a administração considere que seja indispensável para que o banco seja rentável que não tenha anunciado aos sindicatos, mas que tenha dito à CMVM que, se a OPA do CaixaBank avançar, serão dispensados mil trabalhadores. É uma coisa estranha. Não quero dizer que o dr. Fernando Ulrich tenha de partilhar integralmente as suas ideias com os sindicatos mas, no mínimo, que dissesse que haveria um risco de despedimentos.
O setor já perdeu quantos trabalhadores nos últimos anos?
O setor perdeu entre 12 e 15 mil trabalhadores nos últimos dois a três anos. É um valor muito elevado. O setor bancário não é, enquanto setor, o maior empregador português, mas é dominado por empresas que empregam muitos trabalhadores. Não temos muitas empresas em Portugal que empreguem cinco mil, quatro mil trabalhadores. Os bancos estrangeiros não podem vir para cá e, quando o negócio deixa de dar, vão-se embora. Foi o que aconteceu com o Barclays, que trocou a operação em Portugal por uma operação em África – acho que foi para o Zimbabwe – e o motivo que o administrador deu em Londres é que era preciso abandonar o sul da Europa porque há excesso de regulação. Então, indo para o Zimbabwe, vão à procura de desregulação. Em Espanha, o Barclays vendeu o negócio ao BBVA e, cá, o BBVA fez um despedimento coletivo e acabou por vender ao Bankinter.
Como vê o movimento contra a espanholização da banca?
Estou convencido de que se possa defender de uma maneira sóbria os interesses nacionais, resta saber se é isso que tem sido feito. Aconteceu na energia? Não. Foi o que se fez nos transportes? Não. E, de repente, olha-se para a banca e considera-se que é um setor estratégico. E a energia e os transportes também não são? Mas estou de acordo em relação à defesa dos setores estratégicos, em termos de decisão, que possam continuar em Portugal.
E o caso do Novo Banco? Dificilmente irá parar a mãos portuguesas?
Acho que não haverá nenhum grupo português com capacidade financeira para comprar o banco por cinco mil milhões de euros. A nossa preocupação enquanto sindicato é que, quando dois bancos se juntam, não se eliminem postos de trabalho. Gostaríamos muito que o Novo Banco fosse adquirido por uma entidade bancária que não estivesse em Portugal porque, aí sim, haveria a garantia de que esses postos de trabalho se manteriam.
Voltando à CGD, o que acha da comissão de inquérito?
Ninguém tem dúvidas sobre as vantagens de saber o que aconteceu na Caixa ao longo dos anos, mas o que me parece que está a acontecer é que foi uma boa ideia na altura errada. Numa altura em que se está a mudar a administração da Caixa, numa altura em que toda a gente se apercebe de que é preciso capitalizar a Caixa e numa altura em que se exige alguma estabilidade à volta deste tema. É então nesta altura que alguém que esteve a governar até há sete meses diz que quer saber tudo o que se passou no banco desde 2000. Caramba, estiveram lá quatro anos, porque é que não fizeram isso e querem fazer agora? Não quero acreditar que as pessoas que querem levar esta comissão adiante tenham como objetivo promover a privatização da Caixa. Tiveram a oportunidade de o fazer durante quatro anos. Primeiro devia-se deixar estabilizar, capitalizar, e só levantar esta questão daqui a um ano ou dois.
E avançar com uma auditoria?
Seria exatamente a mesma coisa, não é indiferente fazer agora ou fazer daqui a dois anos. O momento de agora é que é mal escolhido.
Finalmente foi assinado o acordo coletivo de trabalho, quatro anos depois. Qual o motivo desta demora?
O processo foi muito lento porque nunca tínhamos tido denúncias dos acordos coletivos e, pela primeira vez, a banca resolveu denunciar a contratação coletiva que tinha, e nós há muito tempo que tínhamos o objetivo de alterar as regras do financiamento para os SAMS, e isso era fundamental. Também eram importantes os automatismos que tínhamos ganhado com a carreira. O que foi feito foi tentar reconstruir todos os instrumentos de regulamentação que havia. Obviamente que a reconstrução deste instrumento demora muito tempo e, na prática, estamos a começar do zero, introduzindo todos os fatores históricos que fomos ganhando e aproveitando o que fomos construindo e conquistando ao longo dos anos.
Sentiu muita resistência por parte da banca?
Sentimos sobretudo nos automatismos. A verdade é que a questão dos automatismos tem uma importância muito grande tanto para as pessoas mais velhas como para as mais novas. As mais novas evoluíram nos seus estudos e sempre viveram em ambientes muito competitivos, estão habituadas a lutar por objetivos independentemente da idade dos que estão ao lado deles – o que para as gerações mais velhas não é muito compreensível porque estavam habituadas a que a sua experiência valesse pontos na carreira. Esses automatismos são as progressões na carreira, as diuturnidades, etc., assim como todas as questões sociais, como subsídios para filhos e crédito à habitação, foram mantidas.
O que ficou aquém?
Houve duas coisas: uma delas foi o regime de progressões por mérito, a outra foi o aumento salarial, que ficou em 0,75%. Inicialmente tinha proposto 2%, tendo em conta a ausência de aumentos nos últimos anos, mas os bancários, de uma maneira geral, contam com alguns valores complementares, como prémios por objetivos. Hoje sabemos que é mais difícil atingi-los porque há menos mercado, mas, ainda assim, os bancos vão atribuindo remunerações complementares. É obvio que nos apercebemos de que o aumento salarial tem uma consequência imediata e direta no quadro atual, onde há pouca margem financeira, e o resultado imediato é, se houver aumentos salariais de uma determinada importância, isso faz descer as remunerações complementares. Esta é a fórmula encontrada pelo empregador se quiser manter os custos com o pessoal. Os bancos foram muito fechados nestas duas questões, apesar de considerarmos que havia condições para ir muito mais além. Não estávamos a pedir coisas exageradas, estávamos a pedir mais 1% na massa salarial global.