O PS assumiu que “há países que não estão em condições de cumprir o Tratado Orçamental na sua plenitude”. Paulo Trigo Pereira, deputado socialista, admitiu mesmo que “mais cedo ou mais tarde vários países vão levantar esta questão”, sem concretizar, no entanto, se Portugal será um desses países e quando, se for o caso.
A declaração de Trigo Pereira – um dos 12 economistas que preparou a agenda para a década a pedido do PS, ao lado de Mário Centeno – surgiu na sequência de uma intervenção do PCP no Parlamento. Paulo Sá, deputado comunista, insistiu nas acusações de “ingerência” de Bruxelas nas decisões políticas nacionais, nomeadamente a Comissão Europeia que na terceira avaliação ao pós-programa de ajustamento avisou que o aumento do salário mínimo terá necessariamente um impacto negativo no desemprego de longa duração.
Na terça-feira, António Costa aproveitou a sua intervenção no 43.º aniversário do PS para responder com um rotundo ‘não’ a Bruxelas, reafirmando o seu compromisso de aumentar o salário mínimo para os 600 euros até ao final da legislatura. “Não, não aceitamos viver num país de pobreza e baixos salários”, afirmou o primeiro-ministro.
Em São Bento, ontem, Paulo Trigo Pereira saiu a terreiro para esclarecer que as recomendações que constam da avaliação da Comissão Europeia não passam disso mesmo: “Recomendações que não são para ser lidas como subserviência”. Até porque, insistiu, “este governo mantém uma postura diferente do anterior governo”.
A disponibilidade para “repensar coisas como Tratado Orçamental” permitiu que BE e PCP reafirmassem posições. Mariana Mortágua, do BE, foi categórica: “Vamos ter de escolher mais cedo ou mais tarde: ou estamos do lado de Bruxelas ou defendemos os interesses do país”. Também Paulo Sá afinou pelo mesmo diapasão “Bruxelas tenta condicionar decisões livre e soberanas do nosso país. É preciso dizer não às intoleráveis ingerências da Comissão Europeia, rejeitando o caminho que nos querem impor à força”.
A declaração de princípio contra o Tratado Orçamental por parte do PS não surge por acaso. Além do Programa de Estabilidade, que foi aprovado em conselho de ministros, e que tem de ir ao encontro às metas definidas pela Comissão Europeia para a zona euro, governo e BE criaram um grupo de trabalho sobre a dívida externa, onde em cima da mesa está a reestruturação da dívida, uma das reivindicações dos bloquistas para garantir o apoio a António Costa para formar governo.
Além disso, o primeiro-ministro, que nas últimas semanas procurou desenhar um Programa de Estabilidade conforme as expectativas europeias e em linha com as metas definidas por Bruxelas, assinou com Alexis Tsipras, primeiro-ministro da Grécia, durante uma visita a Atenas, uma declaração conjunta anti-austeridade. Costa, ainda assim, ensaiou moderação, sublinhando que a mudança faz-se não numa lógica de “confrontação” mas sim de “diálogo”. A cautela do primeiro-ministro português serviu para ser lida tanto em Bruxelas, onde Costa evita a imagem de radical, como dentro da aliança PS, BE e PCP que sustenta o governo, já que bloquistas e comunistas não abdicam das suas bandeiras na luta contra a austeridade.