O ex-jogador e treinador do Sporting morreu ontem aos 78 anos. Era tão importante que, mesmo lesionado, Otto Glória fez questão de o levar ao Mundial de 66.
“FernandoMendes lidera a equipa de Lisboa”, ouve-se numa rádio inglesa durante o Manchester United-Sporting nos quartos de final da Taça das Taças da época de 1963/1964. Foi nesse ano que os leões saíram goleados (4-1) emOldTrafford e bateram por 5-0 os red devils em Alvalade na segunda mão. Foi nesse ano que o clube de Alvalade registou a maior goleada de sempre em competições europeias de um clube, frente ao Apoel: 16-1. Foi nesse ano que a 15 de maio em Antuérpia, na finalíssima, o Sporting conquistou o seu único troféu europeu, a Taça das Taças, frente ao MKT de Budapeste com o “Cantinho do Morais”, um golo de canto que ficou para a história. E Fernando Mendes foi o tal líder de todos estes momentos com a braçadeira de capitão no braço da “equipa de Lisboa” que chegou ao olímpo do futebol nessa época. Morreu ontem aos 78 anos vítima de cancro deixando uma carreira de 30 anos ao serviço dos leões (15 dos quais como jogador) e outros 15 como técnico – três vezes campeão nacional (57/58, 61/62 e 65/66) e uma Taça dePortugal (62/63) no campo, e uma vez do banco a guiar a equipa (79/80).
Nascido no interior beirão veio com dez anos para Lisboa com os pais e esteve próximo de vestir a camisola do Benfica. Mas um dos seus irmãos, que jogava nos juniores doSporting, encaminhou-o para o clube em 1953. Como júnior sagrou-se campeão em 55/56 e a subida ao escalão sénior chegaria aos 20 anos, a 10 de fevereiro de 1957 contra o Atlético. Na época seguinte conquistava o campeonato, embora não jogasse com regularidade.Foi preciso chegar a 58/59 para começar a mandar no meio-campo leonino, uma característica que o fez capitão aos 22 anos, depois da saída de José Travassos, um dos “cinco violinos”. A boa técnica e a sua disponibilidade física aliada a um grande espírito combativo davam-lhe um lugar merecido no plantel, e, posteriormente, na história do clube.
Voltou a erguer o troféu três épocas depois, só que, ao contestar uma multa aplicada pela direção aos jogadores, acabaria suspenso até ao fim da temporada no ano seguinte.Um castigo que o impediu de participar na conquista da Taça de Portugal de 1963. E depois o tal ano mítico europeu. Mas a sua carreira não acabou por aqui.
Na seleção totalizou 21 internacionalizações e foi onde sofreu o seu maior desgosto a 25 de abril de 1965: num jogo frente à Checoslováquia disputado na Bratislava foi alvo de uma entrada violenta que lhe arruinou a carreira com apenas 27 anos. Falhou o Mundial de 1966, mas Otto Glória, selecionador das quinas na altura, insistiu que Mendes fizesse parte da comitiva graças à sua importância no grupo.
Não recuperou da lesão e com 30 anos saiu do clube do coração para o estrangeiro onde teve algumas experiências como jogador-treinador (entre 1969 e 1973) nos EUA e na África doSul. Regressouao seu país, passando por clubes pequenos – Vianense, Farense ouTrofense – até chegar novamente aos leões em 1975. Três anos depois, a liderar como treinador jogadores comoJordão ou ManuelFernandes transformou uma decisão temporária – substituiu RodriguesDias – em mais um campeonato. Ainda voltou a sair (e regressou em 1987 para se adjunto deKeith Burkinshaw) para depois ser chamado pelos leões em novas situações de emergência – 1995/96 e 2000/01 – porque a sua liderança foi sempre necessária.
“Tem uma importância muito especial, não só porque é a primeira vez que estamos numa final europeia.Mas também porque temos um dever ainda maior: o nosso colega que nos tem acompanhado nos últimos jogos, o Hilário, lesionou-se, e isso é mais um incentivo para que a Taça das Taças nos acompanhe para Lisboa e possamos entregá-la em sua casa, porque ele bem merece”, disse Mendes ao jornalista Artur Agostinho em 1964. Foi sempre assim: um capitão a olhar pelos outros.