A cheirar a manjerona aos molhos como alecrim

A cheirar a manjerona aos molhos como alecrim


Há 90 anos (1934) Benfica e Sporting defrontaram-se por 11 vezes (!!!) no espaço de 12 meses. Único!


Acha o leitor que dois dérbis no espaço de cinco dias é u exagero?Então eu convido-o a andar para trás no tempo e ir até ao ano de 1934. Conta certa: 90 anos! De janeiro a dezembro desse ano louco, Benfica e Sporting estiveram frente a frente nada mais nada menos do que onze vezes!!! Um exagero, é verdade. Mas realidade pura e dura que, estou certo, jamais voltará a repetir-se.

As pelejas entre os dois mais encarniçados rivais do futebol em Portugal começou cedo, logo no dia 7 de janeiro, no Campo das Amoreiras, num confronto amigável. Era tempo em que havia adversários e não inimigos. Um tempo bem mais saudável do que este em que vivemos e no qual o futebol se tornou tão tóxico que muitos dos jogos que procuramos ver com a atenção devida provocam mais o vómito do que o aplauso. Venceu o Sporting por 2-1, apesar de se ter visto a perder bem cedo por causa de um golo de Vítor Silva. Respondeu bem e com categoria: golos de Soeiro e de Pedro Pireza. Ninguém diria que, até ao fim do ano, ainda vinham aí mais dez confrontos entre ambos os conjuntos. De tal ordem que não foi preciso esperar nem um mês para nova dose: 4 de fevereiro, outra vez nas Amoreiras, mas agora oficial, a contar para oCampeonato de Lisboa. A contenda torna-se bem mais rija do que a anterior por razões mais do que compreensíveis. No ano em que se iniciou o primeiro Campeonato de Portugal, os campeonatos regionais ainda tinham muita força. Os encarnados tinham sido os grandes vencedores da época anterior, mas uma onda verde subjugou-os pelo que pareceu uma eternidade: o Sporting venceu o Campeonato de Lisboa nas seis épocas seguintes, exibindo uma superioridade verdadeiramente indiscutível.
Voltemos às Amoreiras e ao 4 de fevereiro. Empate 2-2. O Benfica consegue atingir uma vantagem que parecia confortável, com golos de VítorSilva e Salvador, o Eugénio Salvador, que seria figura incontornável do teatro, mas acabou por se deixar enredar pela teia montada pelo Sporting sofrendo golos de Adolfo Mourão, de grande penalidade, e de Belo numa recarga a defesa de Amaro.

Saltamos para o dia 3 de maio, com novo amigável incluído num torneio com Belenenses e FCPorto: vitória leonina por 3-1 num jogo que a imprensa acusou de ser pouco interessante. Mas, a 24 de junho, já voltava a doer pois era disputada a primeira mão das meias-finais do Campeonato de Portugal. «O cenário do Campo Grande não desaparecerá tão cedo da retina daqueles que tiveram a ventura de o presenciar», escrevia um cronista da época. E acrescentava: «Raramente no nosso país se têm realizado desafios com tanto entusiasmo, vibração e interesse desportivo». Nova vitória dos verde-e-brancos, agora por 3-2. Vítor Silva faz 0-1, Vasco Nunes empata e desempata: 2-1; Soeiro faz 3-1 e Salvador reduz. A segunda mão, nasAmoreiras, decidirá o finalista. É o dia 1 de julho e o Sporting aguenta com tenacidade todos os esforços do seu adversário, qualificando-se para a final (na qual ganhará aoBarreirense – 4-3) à custa de um zero-a-zero sofrido.

Superioridade leonina

Para que esta crónica não deixe de ter o cheirinho a manjerona dos combates a brincar, os três jogos seguintes foram amigáveis: a 2 de setembro, no Estádio do Lumiar, para um torneio a três (com Belenenses), empate a um golo, de Vítor Silva para o Benfica e de Raul Silva para o Sporting. Com o campeonato a ter início só no penúltimo domingo de outubro, inventou-se uma pomposa Taça Inauguração para 23 de Setembro. Com o Belenenses a vencer o Barreirense, o triunfo no dérbi caiu desta vez para o lado das águias por 3-1. Rogério de Sousa, Vítor Silva e Guedes Gonçalves marcaram selaram a vitória e o meu querido e saudoso dr. Abrantes Mendes fez o golo de honra dos leões. No domingo seguinte, dia 30, desta vez nas Salésias, na despedida de Augusto Silva, o Sporting vingou-se com juros: 4-0! Vasco Nunes marcou dois golos, e apesar de ao intervalo o resultado ser apenas de 1-0, a ajuda de Mourão e do madeirense Manuel Martins, conhecido por Reynolds, foram decisivas para a goleada.

Daí até final do ano, os jogos foram a doer e todos para o Campeonato de Lisboa, ou melhor, para duas edições do Campeonato de Lisboa, a primeira de ambas a ser disputada, pouco habitualmente, a uma só volta. No dia 14 de outubro, no Campo Grande, o Benfica tomou vantagem por Xavier, de penalti. Soeiro fez o empate mas Rogério de Sousa voltou a dar avanço aos de vermelho. Novo empate, desta vez por Vasco Nunes, e fecho do marcado por Xavier em 3-2. O sportinguista Faustino cometeu a desgraçada proeza de falhar dois penaltis mas não esperou pela demora. No dia 18 de novembro, nas Amoreiras, os leões venceram por 2-1 (golos de Ferdinando e Rui Carneiro contra o de Valadas), mas Valadas e Guedes Gonçalves falharam cada um o seu penalti, prejudicando os encarnados. Finalmente, no dia 23 de dezembro, esta tremenda maratona de dérbis chegou ao fim com mais uma vitória para o Sporting por 2-1, jogo disputado no Campo Grande e com golos de Rui Carneiro e Soeiro contra o de Vítor Silva (de penalti). Não! Jamais Benficas-Sporting assim aos molhos, como o alecrim, voltarão a acontecer no espaço de doze meses. Já ninguém tem tempo para isso.