“O Panamá tem muito a oferecer a Portugal”

“O Panamá tem muito a oferecer a Portugal”


Há quatro anos em Lisboa, o embaixador do Panáma, Pablo Garrido Araúz, compara a vida em Portugal à da Grécia, mas com mais ‘frio’. E, ao contrário do que acontece por cá, diz que o turismo de massa não é um objetivo no seu país


Sabemos que o Sr. Embaixador se formou em medicina. Em que momento decidiu enveredar pela carreira diplomática?

Eu sempre quis ser médico e consegui. Estudei na Grécia, em Salónica, e quando a democracia se restabeleceu no Panamá, segundo a constituição panamiana o Presidente é quem designa o embaixador em cada país, mesmo que haja agora uma carreira diplomática mais estruturada, com muito pessoal bem preparado para os novos desafios. Eu estava lá e o Presidente perguntou à minha família se podia abrir, por um ano, a Embaixada na Grécia. Tive dúvidas, mas aceitei por um ano. Acabei por ficar cinco. Ao fim dos cinco anos vi que tinha vocação para a diplomacia e decidi estudar Relações Internacionais em Atenas. A vida decidiu isto por mim (risos).

Estudou dez anos na Grécia, no total, onde concluiu a medicina e já como embaixador, o mestrado em Relações Internacionais. O que o atraiu no país para ficar por lá dez anos?

Todos no mundo Ocidental, incluindo no Panamá, temos um fascínio um pouco platónico com a Grécia Antiga. Fui por curiosidade e depois fiquei, descobri um país com raízes na Grécia Antiga…um país mediterrânico, que acolhe bem os estrangeiros, tem muito para oferecer e senti-me em casa desde muito cedo.

Está em Portugal há quatro anos. Qual o balanço que faz da missão até agora?

A vida em Portugal lembra-me muito a da Grécia, porque mesmo não tendo o Mar Mediterrâneo, considera-se um país mediterrânico, um país do Sul, e as características são semelhantes, então, quando cheguei aqui, tive memórias da Grécia e de Marrocos, onde também trabalhei como diplomata. O balanço pessoal é positivo, porque é outro país que acolhe bem os estrangeiros, com um clima maravilhoso. O diplomático é também positivo, porque acredito que hoje, depois de quatro anos, o Panamá está mais perto de Portugal e vice-versa. E devo reconhecer que isso é o resultado de uma sinergia entre as embaixadas, alinhadas com os respetivos Ministérios dos Negócios Estrangeiros.

Encontrou alguma barreira específica em Portugal?

Pessoalmente não gosto do frio (risos), mesmo que os portugueses digam que aqui é quente. É um clima agradável, mas preferia que fosse mais quente (risos). Mas a maior barreira, e ainda até hoje, foi o idioma. Sempre pensei que o português era como o espanhol, e a escrita é realmente muito parecida, mas o sotaque português, a fonética… pesquisei e descobri que temos as mesmas cinco vogais, mas os portugueses atribuem-lhe sons diferentes. Esta foi a minha surpresa. Mas não me rendo, continuo a ter aulas de português (risos).

Frequenta também um doutoramento em Estudos Internacionais no ISCSP. É um hábito seu estudar em todos os países nos quais representa o Panamá?

Mais que um hábito, acredito que os estudos são uma ferramenta que permite o desenvolvimento e o crescimento intelectual e espiritual de uma pessoa. Contribui também para conhecer o país onde se está. Se a Europa oferece essas facilidades, porque não?

Portugal e o Panamá, que até ao ano passado era o único país da América Central com embaixada em Lisboa, estabeleceram efetivamente relações diplomáticas em 1958, ainda que com uma breve ligação no início do século XX. Que benefícios traz esta ligação aos cidadãos de ambos os países?

Sim, é verdade, só o Panamá e El Salvador têm embaixada em Portugal. Estamos ainda a negociar com os portugueses a verdadeira data de quando estabelecemos relações, porque vocês dizem 1958, mas para nós 1913, quando abriu a Legação diplomática portuguesa no Panamá. Independentemente da data, Portugal e o Panamá têm relações através das suas diásporas. A diáspora portuguesa já estava no Panamá, e agora temos mais 7.000 portugueses, a maioria de origem das Madeiras e muitos destes vêm da Venezuela. Esta aproximação facilita que nos reconheçamos uns aos outros. Estamos num momento de criar confiança, estabelecendo canais de comunicação que nos permitem encontrar pontos em comum, que são mais do que as diferenças. É isto que permite a sinergia para trabalhar no âmbito da cooperação, do turismo, do comércio da cultura e de parcerias empresariais.

Falou do turismo. Tanto Portugal como o Panamá têm no turismo um forte pilar. Acha que mesmo assim se pode melhorar este setor com base na sinergia entre os países?

Sim. O Panamá tem muita experiência na parte marítima, logística e portuária porque funcionamos como um centro de ligação, e não apenas pelo Canal. Mas creio que Portugal, em termos de turismo, poderia partilhar com o Panamá. Quando um país de 10 milhões de habitantes recebe entre 25 e 30 milhões de turistas por ano mostra que é um país muito desenvolvido neste sector. Nós somos 4 milhões e se recebemos 2 milhões mais o menos. Neste ponto, Portugal tem muito a oferecer ao Panamá, ainda que o nosso objetivo não seja o turismo em massa, porque nos preocupamos com o meio ambiente, e neste aspeto, o Panamá está na vanguarda.

Já esteve destacado na Grécia, na Bélgica e em Marrocos. Quais são as principais diferenças que identifica, tanto a nível económico quanto social, de um país do Norte europeu para um do Sul?

Após quase trinta anos de morar fora do Panamá, percebi, finalmente, que o ser humano é primeiro o ser humano, seja em Marrocos, na Grécia, na Bélgica ou em Portugal. Mas é verdade que temos diferenças. Se falamos em termos económicos, a Bélgica tem indicadores macroeconómicos totalmente diferentes do Sul. É um país desenvolvido, onde 90% das empresas são microempresas que se adaptam às mudanças dos tempos. Então, têm uma estabilidade e uma democracia consolidada. Os países do Benelux acolhem bem os imigrantes e têm um nível de vida muito mais alto que o nosso, mas na parte humana também temos diferenças. Temos mais facilidade de comunicação com os países do Mediterrâneo. Em termos diplomáticos, na Bélgica trabalhamos em prol de uma diplomacia multilateral, o que permite que as relações sejam ainda mais dinâmicas.

Também entre o Norte e o Sul do Mediterrâneo as diferenças são evidentes. O que pode ser feito para melhorar a cooperação nesta região tão importante para o comércio internacional?

Do ponto de vista pessoal, acredito que as diferenças se agravaram nos últimos 100 ou 200 anos, quando separámos o Mediterrâneo. Há 2000, 3000 anos, sempre houve uma administração comum, seja a fenícia, a grega, a romana, a árabe, a otomana ou até a cartaginesa. Era um só império. Mas agora a região está mais separada, mais fragmentada, e devemos fazer a aproximação. Percebo que os povos e as nações se queiram diferenciar, mas não podemos negar que os povos de Marrocos, da Grécia, de Portugal ou de Espanha, têm sempre algo em comum, nem que seja o azeite, o pão e um bom vinho (risos). São laços culturais fortes, mas temos de criar canais de comunicação e aproveitar os jovens.

O comércio na região tem sido colocado em xeque com os ataques dos no Mar Vermelho, o que dificulta a passagem para o Canal do Suez e consequentemente para o Mediterrâneo. Como diplomata, qual é a solução que vislumbra?

Este conflito é muito complexo, mas acredito que temos de trabalhar para resolver os problemas internos dos países de origem. Se a Europa e os Estados Unidos querem melhorar a situação devem sentar-se e conversar com os iemenitas. Mas, se isso não chegar, lamentavelmente, podemos chegar usar a força. Não podemos permitir que o comércio, as cadeias de distribuição e até as próprias vidas estejam em risco. O Panamá também está a dialogar, como ponto de conexão, mas é necessário e até fundamental que exista vigilância militar da área para proteger tanto a mercadoria quanto as vidas.

Mas com o conflito mais acima, em Israel, os países vizinhos estão mais displicentes…

Sim, mas há sempre povos dispostos a dialogar. Tanto o povo libanês como o sírio, mais do que querer, precisam de paz. E o mesmo acontece com os palestinianos e israelitas. Mas alguém tem de facilitar o encontro.

Quanto ao conflito israelo-palestiniano, observa-se que as votações do Panamá na ONU variam entre a abstenção e um certo favorecimento da Palestina, principalmente no que ao direito à independência e à soberania diz respeito. Qual é a posição clara do Panamá neste conflito?

O Panamá, tal como disse antes, é um país e encontro e de diálogo. Antes de sermos independentes já tínhamos presença norte-americana, chinesa e colombiana. Em vez de nos focarmos no que nos separa, temos de dar destaque ao que temos em comum. O Panamá, com grandes diferenças económicas, militares e desenvolvimento, conseguiu sentar-se à mesa com os Estados Unidos, que é nosso parceiro. Com a Palestina e Israel, acredito que como povos, têm mais em comum que, por exemplo, um panamense e um moçambicano ou um guineense. Trouxe este exemplo porque houve um encontro de moçambicanos com panamenses e encontraram rapidamente semelhanças. Estas semelhanças, que conseguimos trabalhar rapidamente, não são maiores do que as que existem entre israelitas e palestinianos e outros povos da região, que conviveram toda a vida.

Conviveram mal…

Convivem mal há 70 anos. Sobressaem sempre os anos mais recentes, mas e os outros 2 mil anos? O Panamá tem uma comunidade judia muito importante, bem inserida na sociedade e muito produtiva. Inclusive trabalham com os árabes e são praticamente os donos de uma das maiores zonas livres de impostos do continente americano, a zona livre de Colón. Encontraram um ponto em comum, a cooperação empresarial. Se conseguimos isso no Panamá, como não se pode conseguir lá?

A solução passa inevitavelmente pela criação dos dois Estados internacionalmente reconhecidos?

A solução passa pela decisão que se tome nas Nações Unidas. O Panamá é um país que acredita no multilateralismo, e no multilateralismo fala-se dos dois Estados, resolução pela qual o Panamá votou a favor.

Voltando ao Panamá, que é um dos pontos estratégicos do comércio internacional. De forma sucinta, qual é a importância real do Canal?

Na semana passada, lançámos um programa que lhe vou entregar. A nossa Ministra dos Negócios Estrangeiros, Janaina Tewaney Mencomo, uma mulher jovem, empreendedora e dinâmica, teve a ideia de projetar uma política externa para o Panamá e no documento explica tudo isso. De forma resumida, o Panamá, mesmo antes de ter o Canal, já era um choke point, tal como o Canal do Suez ou o Estreito de Gibraltar, indispensável para o comércio internacional. Simplesmente pela posição geográfica, que não a podemos mudar, o Panamá já era um estreito conhecido pelos indianos mesmo antes da chegada dos espanhóis. À data da chegada dos espanhóis tínhamos já muitas tribos diferentes. Esta posição geoestratégica é muito importante e delimita a nossa função a nível mundial. Somos um ponto de conexão, diálogo e encontro. A Ministra diz claramente que a nossa função natural é unir, conectar e comunicar. O Panamá tem também, para além do Canal, o primeiro comboio interoceânico, feito em 1850. E até antes do comboio tínhamos o Camino de Cruces, onde passava todo o ouro da América do Sul, especialmente do Perú, para a Europa. Com o Canal já incorporado na jurisdição panamense, consolidámos a nossa soberania. Hoje temos o único hub humanitário na região, que foi fundamental na distribuição das vacinas e dos produtos de ajuda para as Caraíbas e para o resto da América Central na época da pandemia. Somos hoje um centro logístico marítimo, pelo Canal, e aéreo, pelo aeroporto internacional de Tocumen. Também temos 9 ou 10 dos 12 portos mais desenvolvidos da região. Então esta nossa posição determinou a nossa função, e o Panamá está a tentar desempenhá-la a 100%.

Em que medida ser detentor da jurisdição da zona do Canal do Panamá, desde a concessão de Jimmy Carter e consolidada em 1999, beneficia o país?

Nós evitamos dizer que Jimmy Carter concedeu o Canal do Panamá, porque na verdade o Panamá, desde que conseguiu a sua separação da Colômbia, cedeu aos Estados Unidos a perpetuidade não só do Canal que estava em fase de construção, mas também de 10 milhas para cada lado. Era o Canal e a zona envolvente. A concessão de Jimmy Carter foi o resultado de uma luta geracional. Depois de 1964, quando estudantes tentaram colocar a bandeira panamense na zona do Canal, gerou-se uma tensão e o Panamá decidiu internacionalizar a sua causa. Claro que Carter teve um papel importante, é um senhor, chapeau, mesmo tendo a opinião pública norte-americana contra ele. Mas também o nosso Jimmy Carter, que no momento era Omar Torrijos, voltou a esta luta, que tinha já mais de 70 anos, unificou o povo panamense de todos os estratos sociais e conseguiu que uma maioria estivesse a favor da retirada dos Estados Unidos. Só se conseguiu quando o Panamá internacionalizou a sua causa. Os norte-americanos controlaram o Canal durante 83 anos, e pagavam uma parte ao Panamá. Desde que incorporámos a zona no nosso território, há 23 anos, já triplicámos o valor que nos foi pago pelos Estados Unidos em oito décadas. E isto apenas a receita do Canal, que com a presença norte-americana era apenas uma zona de passagem com bases militares. Hoje, essas bases foram substituídas por universidades e centros de estudo e investigação. O Panamá nunca teve exército, e a partir de 1990 aboliu todos os sistemas militares, restando apenas o da polícia. Oferecemos também serviços aos navios, como petróleo, água, alimentos e manutenção.

Segundo dados recentes da Latinometrics, o Panamá está em primeiro lugar na lista dos países da América Latina em termos de convergência do PIB per capita, ajustado à paridade de poder de compra, em relação aos Estados Unidos. O valor, segundo dados de 2022, estava quase nos 50%, o dobro comparado com a década de 80 e mais 10% que o segundo colocado, o Chile. Para além da contribuição do Canal, que outros setores são responsáveis por estes resultados?

O Panamá é um país interessante, porque na verdade, macroeconomicamente, podemo-nos considerar um país com sucesso. Estamos sempre entre os três/quatro países que mais crescem. Claro que o Canal é muito importante, 7% a 10% do PIB vêm diretamente daí. Mas verdadeiramente temos uma economia de serviços que alcança os 80%, que também estão vinculados ao Canal. 80% de serviços numa economia é bastante.Além disso, temos exportações de produtos agropecuários e o turismo.

Típico de uma economia desenvolvida…

Sim, mas com conseguimos isto? O Canal e a geografia são importantes, mas também podemos afirmar que temos estabilidade e boas relações com todos. E também defendemos uma ideia de colocar primeiro o Panamá primeiro e só depois as outras coisas, porque os problemas como a corrupção e a insegurança podem atacar países com governos de esquerda e de direita. O Panamá não encaixa nesta dicotomia de esquerda ou direita, concentra-se nos problemas. Porquê estar obcecado com isto da esquerda ou da direita quando os problemas são os mesmos? E os problemas hoje são mais interdependentes.

Um governo pragmático sem dogmas ideológicos…

Sim, isso é um ponto interessante. Temos um diplomata, Omar Jaén, um dos nossos eruditos, uma pessoa intelectual que escreve livros sobre o Panamá, que diz que o panamense é uma pessoa simples que não gosta de estar enquadrado com uma ideologia. Quer ser feliz, como todos os povos, claro, mas o panamense tem isso como algo muito importante. E para ser feliz não tem de ser de esquerda ou de direita. Somos também um país com uma economia dolarizada. Somos um país independente e soberano em todo o território, e ter o dólar não interfere com essa condição. É como Portugal com o Euro, ter uma moeda única não faz de Portugal menos soberano. A tendência da globalização requer sim a cedência de algumas soberanias, mas se cedendo se conseguem benefícios para o povo e para a paz mundial, porque não?

Falando em dolarização, o Panamá é um país que apresenta bons indicadores de inflação, na ordem dos 2%, o segundo melhor da América Latina. A adoção do dólar e a não existência de um Banco Central são os dois fatores mais importantes?

É verdade, e o Gonçalo fez a pergunta e deu a resposta (risos). Temos uma vantagem em ter o dólar, repercutindo-se na taxa de inflação. Sendo sincero, o Panamá agora que tem a soberania territorial consolidada, beneficia das diásporas com as que conta. Temos a diáspora indiana, judia, árabe, portuguesa, chinesa… estamos a tentar tirar o melhor de vocês para aprender e poder incorporar na nossa sociedade. Tivemos a Jornada Mundial da Juventude no Panamá, e todos os panamenses, árabes e judeus e não só, contribuíram para a boa receção dos católicos de todo o mundo, mostrando a melhor cara do Panamá.

Por último, vivemos em tempos em que as preocupações com o meio ambiente sobressaem. Qual é a posição, e a ação, do Panamá neste tema?

Em Portugal tivemos um encontro para a proteção dos oceanos em 2022, e no ano seguinte aconteceu no Panamá. Temos como teto mundial de proteção dos oceanos de 30% até 2030, e o Panamá anunciou, aqui em Lisboa, 40%. E já o ano passado anunciou 54%. Alguém tem de dar o primeiro passo, é um exemplo muito importante apresentar 54% de proteção de água marítima. Também temos a ampliação do Canal do Panamá, inaugurada em 2016, e com novos mecanismos reutilizamos 75% da água, porque cada barco que passa retira 55 milhões de galões de água doce ao mar. O Panamá acredita que o planeta deve ser protegido, e com isso participamos em grupos de todo o continente americano para proteger o planeta. Portugal também tem essa sensibilidade e podemos ser parceiros.