O futuro da ‘caixinha mágica’. Entre a “paixão” que conhecemos e o podcast

O futuro da ‘caixinha mágica’. Entre a “paixão” que conhecemos e o podcast


O que está em causa quando falamos da rádio como a conhecemos? Será que os podcasts constituem concorrência ou andam de mãos dadas com a ‘caixinha mágica’? Os jornalistas e professores Ruben Martins e Miguel Midões traçam perspetivas de futuro.


Qual será o futuro da ‘caixinha mágica’? Passará pela rádio como a conhecemos ou mais pelos formatos recentes como o podcast e o videocast? Já em 2015, o Deutsche Welle Akademie dava cinco pistas relativamente a esta questão. Começando por explicar que, supostamente, este meio de comunicação é visto como estando “no seu leito de morte desde que as imagens começaram a mover-se”, sendo que até a MTV promoveu a ideia de que “o vídeo mataria a estrela da rádio” por meio da música dos The Buggles, a rádio passou a estar ainda mais “no seu túmulo” com a Internet e o surgimento dos smartphones. No entanto, e apesar de ser considerada um “meio moribundo”, a verdade é que a rádio atrai novas audiências todos os dias.

O primeiro exemplo dado foi a previsão do lançamento de quase 840 novas estações FM na Índia no ano de 2016. “Embora a maior parte das grandes áreas metropolitanas da Índia já seja servida por rádio comercial, as novas frequências levarão a rádio FM a milhões de pessoas nas zonas mais rurais do país, pela primeira vez. A expansão abrirá novas oportunidades de emprego nas zonas rurais e poderá permitir que mais línguas e dialectos menos conhecidos da Índia tenham tempo de antena regular”, explicava a Deutsche Welle Akademie, adiantando que, naquela mesma altura, a Noruega estabeleceu uma data para encerrar as transmissões pelos meios tradicionais.

A partir de 2017, a rádio digital terrestre – que já é ouvida por mais de metade da população – substituiu completamente o FM. Foi o primeiro país a eliminar totalmente a transmissão FM. O Governo norueguês afirmava que aquele era o momento certo porque a nova tecnologia de transmissão de áudio digital (DAB) – que permite que mais estações transmitam na mesma frequência – podia ser ouvida por 90 por cento da população. “No entanto, alguns analistas estão preocupados que a ascensão dos serviços comerciais de streaming de música como o Spotify possa preencher a lacuna deixada pelo encerramento do FM, especialmente se grandes porções da população não forem persuadidas a comprar recetores de rádio digital dentro do país nos próximos dois anos”, explicitava, prevendo um ”crescimento excecional” naquilo que dizia respeito à publicidade, ainda que exista a concorrência da televisão.

“Isto significa que a rádio tem um desempenho muito melhor do que os jornais e revistas, onde o crescimento da publicidade ainda será provavelmente negativo, de acordo com dados recentes da agência de planeamento e compra de meios de comunicação, Carat”, escrevia-se, sendo que os podcasts existiam então há mais de uma década e já eram defendidos por empresas como o iTunes, que os oferece gratuitamente na sua loja. “Depois de muito interesse inicial, o crescimento nas taxas de audiência estagnou por um tempo. Alguns até se perguntaram se o podcasting era uma novidade. Mas hoje, cerca de 75 milhões de pessoas ouvem podcasts todos os meses”, era redigido, sendo dado o exemplo da produtora de rádio Sarah Koenig que colocou a palavra ‘podcast’ nas bocas do mundo com o podcast ‘Serial’, uma investigação sobre um caso de assassinato em que um jovem foi condenado pela morte da ex-namorada. “A nova popularidade renovou as esperanças de que a procura de podcasts em muitos países em desenvolvimento aumentará à medida que o acesso à Internet móvel melhorar. As Filipinas, a Índia e vários países africanos são conhecidos pelas populares séries dramáticas de rádio que podem alcançar novos públicos através do podcasting”, previa-se.

Por fim, falava-se na possibilidade de disponibilização de todas as rádios nos smartphones e iPhones. Nove anos depois, o que estará em causa? “O conceito de podcast nasceu há 20 anos e a rádio e o podcast complementam-se. Em Portugal, o podcast está a crescer e, obviamente, há um futuro pela frente. O futuro passa pela profissionalização e pelo aumento dos padrões de produção. Já não se grava com um microfone desleixado, num sítio cheio de ruído… Já há esses cuidados!”, diz Ruben Martins, jornalista responsável pelos podcasts do jornal Público, professor universitário na Universidade Autónoma de Lisboa e o primeiro autor de uma tese de doutoramento sobre podcasts, em Portugal, intitulada ‘Novas expressões do áudio: o podcast no ecossistema mediático português’. “Os podcasts têm um grande potencial e as marcas estão viradas para eles. Agora tem de se chegar aos nichos e aprofundar as relações com as audiências. A rádio tem um futuro enorme pela frente, ao revelar-se como um espaço mediático que todos os dias marca presença na vida das pessoas. Especialmente, durante os seus períodos de deslocação”, sublinha.

“Muitas vezes, ouvimos uma determinada estação por causa da música e ficamos por causa da palavra. A palavra da rádio terá um peso forte naquilo que é a sua diferenciação e a sua capacidade de captação de novas audiências. Está mais forte do que nunca e poderá continuar a crescer, a ter conteúdos diferenciadores e a chegar a novas pessoas. É claro que há alguns problemas de financiamento”, reflete. “Por exemplo, relativamente às rádios locais. Mas a rádio é muito próxima, íntima e ainda tem um potencial de crescimento apesar de estar totalmente massificada. Acho que a falta de recursos é um problema para a rádio e o podcast. Isso acaba por ser uma condicionante grande. O que sinto é que, efetivamente, sem um maior investimento dificilmente será difícil aumentar a qualidade dos nossos conteúdos. E, para isso, também é preciso que as marcas estejam sintonizadas para investir neste tipo de conteúdos áudio e percebam que o áudio consegue fidelizar audiências de forma muito eficaz”, finaliza.

Já Miguel Midões, antigo jornalista da TSF, professor universitário e autor da tese de doutoramento ‘O terceiro setor de radiodifusão em Portugal: mapeamento e caracterização das rádios comunitárias’, começa por deixar claro que tem mais interrogações do que certezas acerca do futuro “da rádio como a paixão que temos”. “Para as rádios comunitárias não há legislação e sobrevivem no online, por exemplo Só têm programas em podcast, muitas das vezes. O podcast é assim tão diferente da rádio?”, questiona. “Não há uma resposta óbvia e natural. O podcast vai beber a rádio e não consegue dissociar-se muito dela. Só se surgir isoladamente, fora do contexto da rádio. Vai ser cada vez mais baralhado o futuro da rádio. A rádio pura não vai desaparecer nos próximos tempos porque temos o nosso carro e, maioritariamente, ouvimos as estações de rádio enquanto conduzimos”.

“Quando conduzo ligo o meu Bluetooth, oiço os meus podcasts, mas quando ando de boleia com alguém as pessoas ouvem as rádios. Enquanto se mantiver o carro a rádio tem o futuro assegurado. Mas passa por algo mais do que isto: não pela morte”, sublinha o docente que criou a unidade curricular ‘Podcast: produção e divulgação’, que começará a ser lecionada no Instituto Politécnico de Viseu ainda este mês.