A maioria das escolas permite o uso do telemóvel, mas será que estudantes, encarregados de educação e profissionais que estudam o tema, como psicólogos, estão de acordo com esta medida? A verdade é que parece não haver consenso. Madalena Castro Salvaterra tem quatro filhos e está grávida do quinto. Dois deles, Marta e Sebastião, de 11 e 14 anos, respetivamente, frequentam a Escola Básica e Secundária de Carcavelos. A conversa com o i gira em torno das políticas de uso de telemóvel na escola, com exemplos específicos de diferentes abordagens em variadas instituições. Em Carcavelos, inicialmente, “não havia restrições para o uso de telemóveis, mas agora os alunos da turma da Marta têm de os deixar numa caixa – feita por um dos pais – ao entrar na sala de aula”. Há uma discussão sobre as políticas de uso de telemóveis em escolas públicas e privadas, com menção ao Colégio Sra. da Boa Nova, onde o uso de telemóveis é proibido. Madalena partilha as suas opiniões sobre o assunto, incluindo “a importância de estabelecer limites e regras para o uso de telemóveis, tanto na escola quanto em casa”, sendo que os filhos de Madalena têm o limite diário de quatro horas de utilização do telemóvel – incluindo para mensagens e chamadas – e controlo parental por parte do pai. E, quando vão de férias ou jantar fora, por exemplo, deixam os telemóveis em casa.
No entanto, parecem estar habituados a esta realidade e não a estranham. “Podemos usar o telemóvel à vontade nos intervalos, mas às vezes até o deixo na sala. Nos intervalos gosto de passear com as minhas amigas, falar com elas e lanchar”, diz Marta, enquanto Sebastião explica que, apesar de ter a oportunidade de usar o telemóvel, prefere fazer outras atividades, como surf e distrair-se nos intervalos. “Tenho colegas que jogam e ficam nas redes sociais durante as aulas, mas isso também tem muito a ver com os professores”, aponta, sendo que Madalena explica que o adolescente instalou a aplicação Instagram no telemóvel e, quando ela e o marido descobriram, desinstalaram-na, mas ficaram “contentes” por perceberem que o rapaz apenas seguia pessoas da família e amigos. “O grau da asneira não foi tão elevado, digamos assim”, indica Madalena, explicitando que só permitem o uso de WhatsApp pelos filhos porque, deste modo, eles podem comunicar com a família, os amigos, colegas e professores “mais facilmente” e porque é útil, por exemplo, para enviar trabalhos e exercícios aos docentes.
Ana Almeida também tem dois filhos a frequentar a mesma escola, de 12 e 17 anos. E teve outro, mais velho, que também estudou nesta instituição. Durante a conversa, expressou preocupações sobre “o uso excessivo de telemóveis por parte das crianças e dos adolescentes”, destacando “a falta de socialização e a perda de habilidades importantes, como a capacidade de observação e a motricidade fina”. Também mencionou “a necessidade de modernizar o sistema educacional para corresponder aos desafios da era digital, incentivando métodos de ensino mais dinâmicos e experiências práticas”. Além disso, Ana enfatizou a importância de tornar a escola num ambiente mais acolhedor e atraente para os alunos, visando torná-los mais “felizes e interventivos” no processo de aprendizagem.
O psicólogo André Ferreira, da PsiLexis, discute diferentes pontos de vista sobre a proibição versus permissão do uso de telemóveis em ambientes escolares, os desafios da utilização excessiva de tecnologia, questões de segurança online, educação digital e a influência das redes sociais e da internet no comportamento dos jovens, incluindo a sua exposição a conteúdos extremistas. Destaca “a importância de educar os jovens para o uso consciente da tecnologia, ensinando-os a discernir entre informações verdadeiras e falsas e a desenvolver habilidades de autoconhecimento independentes da constante conexão digital”. Também foi mencionada “a necessidade de adaptação dos sistemas educacionais para acompanhar o avanço tecnológico e preparar os estudantes para lidar com os desafios do mundo digital”, como a encarregada de educação Ana Almeida referiu, sendo que “não podemos estar presos a um modelo educacional com décadas e décadas”. “A capacidade de se desligarem da rede, digamos assim, é muito importante para as crianças e os jovens. Estão numa fase em que, entre outras coisas, formam a personalidade. De outra forma, acabam por se conhecer menos do que aos outros. Aliás, acham que os conhecem porque é uma ilusão: as pessoas somente mostram aquilo que querem nas redes sociais”, sublinha o profissional de saúde, evidenciando uma problemática atual: o fear of missing out (FOMO) ou, em português, ‘o medo de perder algo’, que significa que existem crianças e jovens que não conseguem desconectar-se porque pensam que ficarão “desligados do mundo”. “Na escola, eu acho que o fundamental acaba por ser um equilíbrio entre a permissão do uso do telemóvel, até como uma ferramenta de aprendizagem, e a introdução de linhas orientadoras para que as crianças e os adolescentes saibam aquilo que devem ou não devem fazer com os gadgets”, explica o psicólogo, dizendo que “é extremamente importante que se fale da utilização dos mesmos, da segurança online e de outras temáticas que são essenciais para que os mais novos saibam estar conscientes da utilização da Internet e, mais especificamente também, das redes sociais”.
Mas há quem não veja benefícios na utilização dos telemóveis no recinto escolar. Por exemplo, os signatários da petição ‘VIVER o recreio escolar, sem ecrãs de smartphones!’, que propõem uma revisão do estatuto do aluno para proibir o uso de smartphones nas escolas a partir do 2º ciclo, visando promover a socialização das crianças durante os recreios. Argumentam que o uso de dispositivos móveis afeta a integração e a formação de laços de amizade, além de aumentar os riscos de ciberbullying e exposição a conteúdos impróprios. Propõem que as escolas forneçam locais seguros para guardar os telemóveis durante o período escolar e destacam algumas falhas no estatuto atual relacionadas com a captação de imagens e sons sem autorização. Fazem apelos aos pais, governantes e direções escolares para priorizarem a interação presencial, reverem políticas relacionadas com o uso de tecnologia e promoverem o uso de recursos como computadores portáteis fornecidos pelo Estado.