É um dos temas que mais dividem as águas na atualidade e um estudo a que o Nascer do SOL teve acesso revela números surpreendentes:mais de metade dos portugueses acham que a imigração está fora do controlo. Muitos veem também com apreensão a recente extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Os dados foram revelados por um inquérito de opinião sobre a imigração em Portugal conduzido em distritos como Braga, Porto, Aveiro, Coimbra, Leiria, Santarém, Lisboa, Setúbal, Beja e Faro.
Os resultados indicam que 55,2% dos inquiridos acreditam que a imigração em Portugal está descontrolada, enquanto 48,7% acham que o país deveria estabelecer quotas anuais de imigração. Além disso, 45,5% defendem a necessidade de uma polícia específica para estrangeiros e fronteiras, questionando a opção do Governo de extinguir o SEF. No entanto, a sondagem mostra que os portugueses são acolhedores, com 80,7% a concordarem com a regularização de imigrantes que trabalham e contribuem para a segurança social, e 71,7% a acreditarem que os portugueses devem acolher bem os imigrantes.
Quanto aos riscos percebidos, 78% acreditam que a imigração pode comportar riscos, principalmente relacionados com novos tipos de criminalidade (75,5%) e aumento das redes de tráfico de pessoas e imigração ilegal (68,1%). No entanto, muitos também reconhecem aspetos positivos, como a formação de uma sociedade multicultural (67,3%) e uma maior disponibilidade de mão-de-obra (64,2%).
“A imigração é hoje um tema incontornável da atualidade na maioria dos Estados Europeus, alguns dos quais sujeitos a fortes fluxos migratórios que têm gerado impactos políticos, sociais e de segurança bem como debates intensos no seio da União Europeia. A questão é tão divisiva que a União ainda não conseguiu acertar com uma política comum que satisfaça os interesses dos Estados- Membros”, aponta Carlos Blanco de Morais, professor catedrático de Direito Constitucional e coordenador, com Ana Rita Gil, do projeto Imigração Sustentável num Estado Social de Direito, em que se inscreve o inquérito. “Do mesmo modo, Portugal tem sido objeto de uma forte corrente migratória nos últimos anos, sentida pelos cidadãos nas suas vidas e relações, bem como pelo poder político, tendo sido elaborada uma reforma recente que tem suscitado críticas e ponderações quanto à respetiva eficácia”.
Blanco de Morais, que é também coordenador científico do Lisbon Public Law, um centro de pesquisa da Faculdade de Direito, continua: “O Lisbon Public Law tem realizado projetos de pesquisa nacionais e internacionais na órbita das políticas públicas e o regime da política migratória, pelos seus impactos em termos de acolhimento, integração, soberania e segurança está na ordem do dia. Não pode, na verdade, ser ‘tabu’ nem reduzido a ‘soundbites’, mas tratado com seriedade. Para isso é necessário um trabalho de campo representativo da opinião pública portuguesa como é o caso desta sondagem”.
Percepção de descontrolo
O ponto de partida do estudo, revela o catedrático, foi precisamente procurar saber o que pensam os portugueses acerca destas questões, para depois aferir qual a melhor forma de lidar com o fenómeno. “Para se discutir uma política de imigração, necessário será obter previamente uma radiografia do fenómeno em Portugal e perceber o que é que os portugueses pensam verdadeiramente sobre a matéria. Daí a sondagem encomendada à ‘Top Science’, que servirá de base a um projeto de investigação académica da Lisbon Public Law que permitirá extrair um conjunto de conclusões e pistas para uma eventual reforma da presente política migratória”, adianta. “Tendo o projeto sido lançado no início do ano e a sondagem realizada em setembro, a mesma não foi feita a pensar na mudança de ciclo político que ocorreu em novembro. Contudo, com essa mudança de ciclo, o tema ganhou pertinência e este estudo será um contributo para um debate sério e, de preferência, desapaixonado”, realça.
A respeito de mais de metade dos portugueses acreditar que a imigração está descontrolada, Blanco de Morais afirma: “Fatores ligados ao aumento visível da imigração ilegal, ao facilitismo administrativo no processo de entrada e permanência de estrangeiros extra-europeus, à multiplicação de mesquitas clandestinas com discursos radicais (como foi sublinhado recentemente pelo Xeque Munir) contribuíram para essa ideia. Por outro lado, a ineficiência do SEF na tramitação inconclusiva de processos de legalização associado ao remédio peregrino da regularização em massa de meio milhão de imigrantes, felizmente abandonado, contribuem para a ideia empírica de descontrolo”.
E que conclusões podemos retirar, para já, dessa ideia tão disseminada entre os inquiridos? “Uma perceção de descontrolo junto dos cidadãos é preocupante porque questiona a eficiência dos poderes públicos e a autoridade do Estado, num domínio que para lá da componente social e económica é uma matéria de soberania. Um Estado que não controla com eficiência as suas fronteiras, tem uma soberania deficitária. Pode não ser ainda esse o caso mas esperemos que tal não ocorra, aos poucos, num fenómeno ‘slippery slope’”, refere, usando a expressão inglesa que designa uma forma de argumento lógico que sugere que um determinado curso de ação, uma vez iniciado, inevitavelmente levará a consequências indesejadas ou extremas no futuro.
‘Uma política de imigração exige uma estrutura centralizada’
Em relação à extinção do SEF, este mês, a Polícia de Segurança Pública (PSP) divulgou que, desde o início de suas responsabilidades no controlo de fronteiras aéreas, anteriormente atribuídas ao SEF, mais de 260 mil passageiros foram controlados na primeira semana dessa transição. Durante o período de 29 de outubro a 5 de novembro, a PSP supervisionou 120 mil passageiros nas partidas e 140 mil nas chegadas. Nesse intervalo, a polícia recusou a entrada de 29 cidadãos estrangeiros em Portugal, recebeu 18 pedidos de asilo e deteve um passageiro por uso de documento alheio. Adicionalmente, 386 passageiros foram submetidos a avaliação em segunda linha.
A PSP assegurou estar totalmente comprometida com essa nova responsabilidade, contando com o apoio de inspetores da Polícia Judiciária designados para essa missão. Desde a extinção do SEF, as competências foram distribuídas entre a PSP, Guarda Nacional Republicana (GNR), Polícia Judiciária (PJ), Migrações e Asilo (AIMA), Instituto de Registo e Notariado (IRN) e a Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros, subordinada ao secretário-geral do Sistema de Segurança Interna.
“Independentemente das deficiências evidentes do funcionamento do SEF (e já agora dos consulados portugueses em certos Estados), o facto é que é muito duvidoso que a melhor solução seja extingui-lo, ao invés de o restruturar. Uma política de imigração exige uma estrutura centralizada, coerente e com unidade de ação administrativa», aponta Carlos Blanco de Morais. “Será que essa coerência operará com eficácia através de uma reforma que repartiu as funções do SEF por três polícias diferentes, uma estrutura vaga de coordenação das mesmas e uma unidade burocrática chamada ‘Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo’. Unidade que aquando da extinção do SEF ainda não tinha visto publicados os seus estatutos? Não sei… ! O sistema está à prova mas os inquiridos não parecem confiar nele”.
Quase 80% dos inquiridos consideram que a imigração “poderá comportar riscos para a sociedade portuguesa”. Que leitura podemos fazer deste dado? “É verdade, mas ainda assim esses 80% dividem-se entre os 50,2% de inquiridos que responderam ‘alguns riscos’ e 27,8% que consideram que comporta sempre riscos, um número apesar de tudo elevado na perceção do mesmo risco”, esclarece o catedrático de Direito. “Os riscos em causa estão ligados a questões evidentes de segurança e exploração, causados por migrações que envolvem um aumento da criminalidade e a ‘indústria’ expansiva da imigração ilegal que o Estado ainda não logrou eficazmente combater , assim como o aumento do tráfico de pessoas. Só quem vive em bolhas político-sociais e condomínios de luxo não se confronta no dia-a-dia com este e outro tipo de impactos que são percecionados pelas classes trabalhadoras e classes médias e médias-baixa”, declara. “Ignorar esta perceção, no paradigma ‘tout va Bien Madame la Marquise’ que impera na política dominante, nos media e nas universidades, equivalerá a varrer problemas críticos para debaixo do tapete e permitir que a questão seja distorcida politicamente ao ponto de projetar o debate público sobre o tema, fora dos carris da realidade e da racionalidade”.
Imigrantes a mais?
Apesar dos receios e inquietações expressos, os inquiridos mostram-se, por outro lado, favoráveis à imigração e apontam aspetos positivos. Uma posição que mostra que somos tolerantes, mas estamos ‘somente’ preocupados com potenciais situações de risco? “Sem dúvida. O povo português tem uma herança histórica multirracial, de integração de modos de vida diversos e de solidariedade no acolhimento de estrangeiros. Isso parece evidente nos resultados da sondagem onde os inquiridos defendem maioritariamente a regularização de imigrantes que descontam para a segurança social, de que Portugal necessita de mão-de-obra, que a imigração não provoca o desemprego e que todos os imigrantes devem ter acesso ao Serviço Nacional de Saúde”, observa Carlos Blanco de Morais.
“Contudo, isto não significa que os portugueses não entendam que existem limites aos fluxos migratórios, que a imigração tem de ser controlada e que os nacionais estão primeiro no domínio das prestações sociais. No plano dos riscos, uma maioria entende que devem ser expulsos os que praticam crimes, devendo ser vedada a entrada aos que têm antecedentes criminais. Realidade que está hoje claramente desguarnecida”, continua. “Na verdade, não é possível ignorar que 45,4% entende que há imigrantes a mais; que 48,7% entende que o Estado deveria fixar quotas anuais ao número de imigrantes que possam entrar no País; e que 53,5% considera que os portugueses devem ter preferência sobre os migrantes na contratação de desempregados”.
“Em comparação com os inquéritos realizados em França, particularmente devastadores para uma política julgada facilitista da imigração, a sondagem que agora realizámos demonstra que os portugueses são mais tolerantes, não são largamente racistas ou xenófobos e têm uma vocação integradora. Isto, talvez porque a imigração de comunidades mais distantes dos valores, leis e cultura nacionais são (ainda) uma minoria”. E conclui: “Contudo, os mesmos portugueses são cautelosos e atentos aos excessos da imigração: entendem que não está controlada, que ostenta riscos que devem ser reduzidos pelo Estado, preocupam-se com a criminalidade exigindo a exclusão de quem perturbe a paz social e considerem que os imigrantes devem adaptar-se e observar os valores e as leis da democracia e República”.
Dos romanos à União Europeia
A história da imigração em Portugal é longa e complexa.
Para começar, o facto de o território nacional ter integrado o Império Romano acarretou naturalmente grandes movimentos populacionais. Após o colapso do Império Romano, a região foi posteriormente habitada pelos Visigodos, o que contribuiu para novos movimentos demográficos. E a presença muçulmana na Península Ibérica, do ano 711 em diante, trouxe consigo um património cultural, social e genético significativo. Durante a Reconquista Cristã, que ocorreu ao longo dos séculos VIII a XV, houve deslocamentos populacionais consideráveis à medida que os territórios mudavam de mãos.
No século XV, durante a Era dos Descobrimentos, Portugal iniciou suas explorações marítimas e estabeleceu rotas comerciais e coloniais. Isso levou a um intercâmbio de pessoas e culturas entre Portugal e as regiões exploradas, incluindo África, Ásia e América. Durante o século XIX e início do século XX, Portugal enfrentou desafios económicos e políticos que levaram muitos portugueses a emigrar para países como Brasil, Estados Unidos, França e outros destinos. Essa emigração teve um impacto significativo na demografia portuguesa.
Após a Revolução dos Cravos em 1974, que pôs fim à ditadura em Portugal, o país passou por mudanças sociais e políticas. A entrada na União Europeia em 1986 também teve impacto na mobilidade populacional, com a chegada de imigrantes de outros países europeus. Nas últimas décadas, Portugal tem experienciado um aumento na imigração de várias partes do mundo. A entrada na União Europeia, o crescimento económico e as mudanças nas políticas migratórias contribuíram para essa diversidade. Países como Brasil, Ucrânia, Cabo Verde e China são fontes significativas de imigração para Portugal.
Os coordenadores e a amostra
O inquérito de opinião referido teve coordenação de Fausto Amaro (professor catedrático aposentado do ISCSP/Universidade de Lisboa) e foi realizado pela Top Science sobre a imigração em Portugal, como parte do projeto ‘Imigração Sustentável num Estado Social de Direito’, coordenado por Carlos Blanco de Morais e Ana Rita Gil, professora de Direito também na Faculdade de Direito de Lisboa, e promovido pelo Lisbon Public Law.
A população estudada inclui cidadãos nacionais maiores de 18 anos residentes em Portugal continental nos distritos com pelo menos 15 mil imigrantes estrangeiros, selecionados com base nos dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). O estudo foi conduzido em distritos como Braga, Porto, Aveiro, Coimbra, Leiria, Santarém, Lisboa, Setúbal, Beja e Faro, com uma amostra de 1.000 indivíduos.
Os resultados
Opinião sobre Controlo da Imigração:
55,2% acreditam que a imigração em Portugal está descontrolada.
10,7% discordam da afirmação.
Opinião sobre Quotas Anuais de Imigração:
48,7% acreditam que Portugal deveria estabelecer quotas anuais de imigração.
Opinião sobre Existência de Polícia Específicapara Estrangeiros e Fronteiras:
45,5% defendem a necessidade de existir uma polícia específica para estrangeiros e fronteiras.
Atitude em Relação à Regularização de Imigrantes:
80,7% concordam com a regularização de imigrantes que trabalham e contribuem para a segurança social.
Atitude em Relação à Receção de Imigrantes:
71,7% acreditam que os portugueses devem acolher bem os imigrantes.
Perceção de Riscos da Imigração:
78% acreditam que a imigração pode comportar riscos para a sociedade portuguesa.
Riscos específicos incluem novos tipos de criminalidade (75,5%) e aumento das redes de tráfico de pessoas e imigração ilegal (68,1%).
Aspetos Positivos da Imigração:
67,3% veem a formação de uma sociedade multicultural como um aspeto positivo.
64,2% destacam uma maior disponibilidade de mão-de-obra.
Opinião sobre Impacto da Imigração no Emprego:
52,6% acreditam que a imigração não provoca desemprego.
39,5% têm opinião contrária.